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quarta-feira, 18 de abril de 2018

VITOR DO ESPÍRITO SANTO E O CANGAÇO (PARTE FINAL)


Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho


A CAÇA A LAMPIÃO

Uma página inédita sobre a campanha sistemática contra o banditismo no nordeste brasileiro.

Durante a minha permanência no hinterland baiano, convivendo diariamente com numerosos sertanejos, auscultando-lhes os sentimentos, ouvindo-lhes sobre cada comandante de forças, só ouvi elogios aos oficiais que se acham empenhados na repressão ao banditismo. Muitos infelizes moradores daquelas zonas miseráveis remontaram a tempos idos, a fim de ressaltar a diferença formidável entre o tratamento que lhes dispensavam as forças em operações noutras épocas e aquelas que atualmente se acham ali destacadas. Elogiavam sem reservas o coronel João Felix, os tenentes Liberato, Macedo, Pinto, Manuel Neto, Luiz Mariano, Costinha, Campos de Meneses Ladislau e outros, enumerando as ações boas que cada um praticara, os gestos de caridade e benevolência de que todos eram autores.

Uma exceção, no entanto, todos faziam. Era quanto ao tenente Douradinho, diminutivo porque é conhecido em todo o sertão o tenente Dourado.

Quando se referiam a esse oficial da polícia baiana, os sertanejos o faziam com terror, dizendo-o extremamente perverso. Eu não quis acreditar no que a respeito desse oficial se afirmava. Não era possível que assim fosse, pois, certamente, a ser verdade tudo aquilo, não mais faria ele parte da briosa oficialidade daquela força. Era, sem dúvida, a comprovação do velho brocardo que diz “faze a fama e deita-te na cama”.

Mas na minha volta a Bahia vi renovadas todas aquelas acusações. Já não eram apenas os sertanejos que acusavam aquele oficial. Alguns dos seus próprios colegas, bem como (...) dos prisioneiros que encontrei na Casa de Detenção.

Um dos detidos é o sertanejo Nascimento, que, ao ser transportado para a capital baiana, o tenente Dourado autor de sua prisão, fez trombetear que levara a efeito a captura do perigoso bandoleiro, apanhado na posse de um rifle e copiosa munição. E a notícia desse feito veiculou em quase todos os jornais do país, transportada que foi para os diversos pontos do território nacional pelas linhas telegráficas.

Na Detenção baiana eu fui encontrar o desgraçado Nascimento. Está abatido, aspecto doentio, acabrunhado. Pouco fala, quase não come e vive sempre retirado para um canto da prisão a que foi recolhido. Dentre todos, os que se achavam presos, não vi um só que o acusasse, quer como coiteiro, quanto mais como bandido. Volta Seca defende mesmo com certo ardor, ao mesmo tempo que mostra quais os seus companheiros de presídio que são coiteiros ou bandoleiros.

Tive natural curiosidade de conhecer alguma coisa da vida do desgraçado sertanejo. A muito custo, ele falou-me:

- Eu sempre vivi na minha roça, com cujo produto me mantinha. Há tempos, um irmão meu caiu morto pelas balas dos bandidos. Depois vi irmãs minhas serem roubadas pela gente de Lampião. Jurei vingar-me. Eu tenho um conhecido que vive no bando de Lampião. É o “Português”. Sabendo que eu estava disposto a vingar o mal que os bandidos haviam feito à minha família, “Português procurou-me para revelar-me quem fora o autor da desgraça que me atingira. Aquilo era obra de Corisco que o fizera para humilhar-me. E “Português” contou-me como os fatos se passaram de forma a não ter eu mais qualquer dúvida de que fora mesmo Corisco quem matara meu irmão e roubara minhas irmãs. Como eu não possuísse arma, “Português” ofereceu-me ainda o seu rifle e a munição de que dispunha, a fim de que eu pudesse realizar a minha vingança. Desde então vive na esperança de encontrar Corisco e matá-lo. Na minha roça, em casa, em toda parte, não me fugia da lembrança o mal que me havia atingido e o desejo de vingança. Armei diversas emboscadas que nunca deram resultado. E estava entregue aos meus afazeres quando fui preso e mandado para cá com a acusação de ser também bandido. E deixei em casa sem recursos uma pobre moça de quem sou o único arrimo. Estou doente e sinto que vou morrer.

O administrador do presídio deu-me informações sobre Nascimento, dizendo-o sempre muito retraído, calado, sem querer alimentar-se. Os seus companheiros procuram consolá-lo, sem o conseguir. O coronel João Costa, que me acompanhou na visita, mostrou-se também penalizado com a situação do infeliz, dizendo estar certo da injustiça que se praticava com aquela detenção. Mas o caso estava afeto à Justiça e nada podia ser feito. E o pobre, os lábios inchados pela febre, tiritando, lá se foi para o seu canto, desconsolado, vencido pelos infortúnios, que o vem atingindo.

Volta Seca à nossa saída, depois de levar-nos o “niquisinho pro cigarro”, pediu ao coronel Costa que soltasse o Nascimento. Prendesse só os bandidos e coiteiros.

A DESDITA DE UM COITEIRO

O tenente Liberato de Carvalho é, em Jeremoabo, o oficial mais estimado de todos os habitantes daquele município longínquo. Espírito bom, caridoso conhecedor de todos os sofrimentos dos sertanejos, sertanejo que também é, o jovem oficial do Exército está sempre disposto a mitigar a miséria alheia percorrendo diariamente as casas dos mais necessitados para socorrê-los.

Esse seu modo de proceder tem-lhe proporcionado a cooperação valiosa de muitos sertanejos, embora não raro seja também causa de logro que lhe infligem moradores daquelas paragens.

Residia em Jeremoabo um sertanejo, Faustino Pereira, que era conhecido coiteiro de Lampião e possuía até uma filha entre os bandidos, com o seu consentimento. A polícia fê-lo abandonar a caatinga e fixar residência na cidade, onde o tenente Liberato lhe dava conselhos procurando fazê-lo seguir o caminho do bem, auxiliando as forças na sua missão. Tal o procedimento de Faustino que o bravo oficial do Exército acreditou piamente na sua conversão, passando então a auxiliá-lo constantemente.

Passaram-se assim alguns meses, até que o tenente Liberato veio a apurar que o seu protegido continuava a corresponder-se com os bandidos, com os quais tinha repetidos encontros. Era um espião que Lampião mantinha na cidade, ao lado das forças.

Foi por isso preso o coiteiro para ser recambiado para a capital. Antes deveria permanecer alguns dias na cadeia da cidade aguardando condução.

Ao ser conduzido para a cadeia é que Faustino foi vítima de sua própria atitude. Sentindo-se culpado e temendo que o tenente Liberato o castigasse pela sua traição, o coiteiro, ao se aproximar da cadeia, tratou de fugir. Desprendendo-se das mãos dos seus condutores, saiu a correr desesperadamente, não atendendo às intimações que lhe foram dirigidas nem aos tiros que foram disparados para o ar.

Os policiais, vendo cada vez mais o coiteiro ganhar distância, resolveram alvejá-lo e, baleado no braço direito, o desgraçado caiu ao solo a sangrar abundantemente. Socorrido, o infeliz teve de submeter-se à amputação do braço ferido e se encontra atualmente preso na Casa de Detenção, onde aguarda destino conveniente.

É hoje um precioso informante de que a polícia dispõe.

Quando Volta Seca se põe a mentir cinicamente para fazer-se inocente, é Faustino quem corajosamente protesta, dizendo-lhe à face os crimes que o pequeno bandido já praticou perversamente, que só deseja ser útil para resgatar a sua grande falta.

“Diário de Pernambuco” - 28.07.1932

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