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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

DANÇAR, COSTURAR E BORDAR – FETICHES QUE VEM DA MARIA E AGRADAM AO CANGACEIRO LAMPIÃO.


Por Verluce Ferraz

“Ia em meio esse ano de 1929, quando o grupo (de Lampião, grifos meus) chega num final de tarde à sitioca da Malhada de Caiçara, vindo de mais uma visita de negócios a coiteiros protetores no Sítio do Tará, tudo no município de Jeremoabo, nos sertões da Bahia. Apressado o chefe risca a burra no terreiro da casa, apeia e manda a cabroeira botar abaixo para um descanso. Como não costumasse andar à toa, já estava informado de que o casal Zé de Felipe e Maria de Deia – como eram conhecidos José Gomes de Oliveira e Maria Joaquina da Conceição – residia ali, em meio a uma filharada que se contava pelos dedos ambas as mãos. Costume da terra e do tempo.

Pela parte de cima da porta de duas folhas, Dona Deia vê o forasteiro crescer à sua frente e lhe dar as horas, emendando com perguntas apressadas: “Tem água, tem queijo, tem farinhd, tem rapadura, tem café?”.

- Tem de um tudo, Seu Capitão Virgulino, pode tomar chegada. Esteja a gosto com seus rapazes.

Lampião tomará não somente chegada como saída, dali a alguns meses de muitas visitas e de conversas intermináveis com uma Dona Deia metida na pelo de alcoviteira eficiente, levando na garupa a segunda das filhas do casal, Maria, de sobrenome Gomes de Oliveira, nos dezoito anos de brejeirice, casada de pouco, sem sucesso, com um parente obscuro, José Miguel da Silva, o Zé de Neném. Um sapateiro de profissão, incapaz de cair na admiração da esposa e de dar calor aquele corpo alvo, de formas cheias, pernas torneadas com perfeição, olhos castanho-escuros, cabelos negros, finos e longos, testa vertical, nariz afilado.

Bonita, divertida - adorava dançar – e prendada: boa na agulha e nas linhas...

Da primeira troca de palavras com o cangaceiro e futuro marido, Maria ouve dele que precisava bordar três lenços. E se surpreende com a delicadeza de espírito daquele espantalho dos sertões. Logo se inteira que o chefe de cangaço dominava tão bem a arte de matar gente quanto a da costura, em pano e em couro, e a do bordado”. Cf. em APAGANDO LAMPIÃO Vida e mote do rei do cangaço, fls 155/v6, de Frederico Pernambucano de Melo. Ed. GLOBAL.

Lampião não era de desperdiçar oportunidades e viu um jeitinho de aproveitar os dons da Maria de Deia, ou Mariado Capitão, para unirem os dons - investiu na energia psiquiíca da jovem (ele tinha quase o dobro da idade da Maria) - e a vocação para matar, bordar, costurar; parceria perfeita: capitalista e consumerista: "Lampião ousou quebrar os tabus que tanto endureceram sua trajetória de vida. É que Lampião não aceitava (ou não deseja que outros percebessem) os próprios dons e gostos pelos costumes e desejos das atividades feminis. Entrou cedo para o cangaço, mas não rejeitara seus desejos de fazer renda – mesmo admirando a arte – tanto que compôs a letra em demonstração de amor pela avó. Trazendo a Maria de Déia para o convívio do cangaço, (aos trinta e dois anos de idade, (já não era mais tão jovem) é que admitiu a entrada da mulher no seu grupo), agora passará a todos uma aparência de forte, indomável, valentão; superando suas fraquezas através do uso das armas de fogo e de punhal – coisa que jamais abandonou; nem nos momentos de relacionar-se sexualmente com alguma mulher. Algumas vezes procurava uma parceira para dar evasão à sua libido. Com a presença da mulher no grupo, quebrará um tabu – “mulher não amolecerá mais homem” – Destarte o cangaceiro imprimiria muito mais a masculinidade, tendo uma companheira ao seu lado. Agora será a Maria, a mulher do Capitão, que terá o condão de mostrar a todos que na estampa exuberante de Lampião estarão todos protegidos. Já separada do marido, experiente com o ex, o Zé de Neném, se arvorou na vida de cangaceira. Brincalhona, geniosa, mandona. Outra mulher na vida de Lamipão, ou em tomando seu lugar, nem pensar! Maria reforça mais o lado masculino daquele cangaceiro; suas características femininas serão sopesadas pela influência da mulher, serviram-lhe de afirmação. Agora Lampião poderá cozinhar, bordar, costurar para ambos os sexos, - até criar modelos UNIGÊNERO; enfeitar-se da mesma maneira que as mulheres. Usar roupas de cores fortes, enfeitar-se de galões, sianinhas, usar trancelins e anéis em todos os dedos, bordar flores nas vestimentas sem causar admiração. Lampião trazendo a mulher para junto de si, poderia usar todo e quaisquer apetrechos, igualmente aquelas. E todos os que o acompanhavam em seus grupos, eram bastante jovens, sempre submissos; menos inteligentes que ele. Além de cobiçarem o perfil do cangaceiro que os compensava com alimentos, roupas e ensinando-os no manejo das armas. Após as matanças, que não eram raras, comemoravam dançando, fazendo loas (versos) e propiciava a todos com comida e laser. Os enfeites usados igualmente por todos dos bandos eram designativos de força e serviam de união para todos os grupos. Já para Lampião a serventia era da imposição; um elo da sua força.

Fotos: Máquina de costura pertencente a Lampião; o punhal usado por Lampião para sangrar gente; a Maria de Déia e Zé de Neném (ex- marido da Maria)



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