Por Verluce Ferraz
“Ia em meio esse ano de 1929,
quando o grupo (de Lampião, grifos meus) chega num final de tarde à sitioca da
Malhada de Caiçara, vindo de mais uma visita de negócios a coiteiros protetores
no Sítio do Tará, tudo no município de Jeremoabo, nos sertões da Bahia.
Apressado o chefe risca a burra no terreiro da casa, apeia e manda a cabroeira
botar abaixo para um descanso. Como não costumasse andar à toa, já estava
informado de que o casal Zé de Felipe e Maria de Deia – como eram conhecidos
José Gomes de Oliveira e Maria Joaquina da Conceição – residia ali, em meio a
uma filharada que se contava pelos dedos ambas as mãos. Costume da terra e do
tempo.
Pela parte de cima da porta de duas folhas, Dona Deia vê o forasteiro crescer à sua frente e lhe dar as horas, emendando com perguntas apressadas: “Tem água, tem queijo, tem farinhd, tem rapadura, tem café?”.
- Tem de um tudo, Seu Capitão
Virgulino, pode tomar chegada. Esteja a gosto com seus rapazes.
Lampião tomará não somente
chegada como saída, dali a alguns meses de muitas visitas e de conversas
intermináveis com uma Dona Deia metida na pelo de alcoviteira eficiente,
levando na garupa a segunda das filhas do casal, Maria, de sobrenome Gomes de
Oliveira, nos dezoito anos de brejeirice, casada de pouco, sem sucesso, com um
parente obscuro, José Miguel da Silva, o Zé de Neném. Um sapateiro de profissão,
incapaz de cair na admiração da esposa e de dar calor aquele corpo alvo, de
formas cheias, pernas torneadas com perfeição, olhos castanho-escuros, cabelos
negros, finos e longos, testa vertical, nariz afilado.
Bonita, divertida - adorava dançar – e prendada: boa na agulha e nas linhas...
Da primeira troca de palavras com
o cangaceiro e futuro marido, Maria ouve dele que precisava bordar três lenços.
E se surpreende com a delicadeza de espírito daquele espantalho dos sertões.
Logo se inteira que o chefe de cangaço dominava tão bem a arte de matar gente
quanto a da costura, em pano e em couro, e a do bordado”. Cf. em APAGANDO
LAMPIÃO Vida e mote do rei do cangaço, fls 155/v6, de Frederico Pernambucano de
Melo. Ed. GLOBAL.
Lampião não era de desperdiçar
oportunidades e viu um jeitinho de aproveitar os dons da Maria de Deia, ou
Mariado Capitão, para unirem os dons - investiu na energia psiquiíca da jovem
(ele tinha quase o dobro da idade da Maria) - e a vocação para matar, bordar,
costurar; parceria perfeita: capitalista e consumerista: "Lampião ousou
quebrar os tabus que tanto endureceram sua trajetória de vida. É que Lampião
não aceitava (ou não deseja que outros percebessem) os próprios dons e gostos
pelos costumes e desejos das atividades feminis. Entrou cedo para o cangaço,
mas não rejeitara seus desejos de fazer renda – mesmo admirando a arte – tanto
que compôs a letra em demonstração de amor pela avó. Trazendo a Maria de Déia
para o convívio do cangaço, (aos trinta e dois anos de idade, (já não era mais
tão jovem) é que admitiu a entrada da mulher no seu grupo), agora passará a
todos uma aparência de forte, indomável, valentão; superando suas fraquezas
através do uso das armas de fogo e de punhal – coisa que jamais abandonou; nem
nos momentos de relacionar-se sexualmente com alguma mulher. Algumas vezes
procurava uma parceira para dar evasão à sua libido. Com a presença da mulher
no grupo, quebrará um tabu – “mulher não amolecerá mais homem” – Destarte o
cangaceiro imprimiria muito mais a masculinidade, tendo uma companheira ao seu
lado. Agora será a Maria, a mulher do Capitão, que terá o condão de mostrar a
todos que na estampa exuberante de Lampião estarão todos protegidos. Já
separada do marido, experiente com o ex, o Zé de Neném, se arvorou na vida de
cangaceira. Brincalhona, geniosa, mandona. Outra mulher na vida de Lamipão, ou
em tomando seu lugar, nem pensar! Maria reforça mais o lado masculino daquele
cangaceiro; suas características femininas serão sopesadas pela influência da
mulher, serviram-lhe de afirmação. Agora Lampião poderá cozinhar, bordar,
costurar para ambos os sexos, - até criar modelos UNIGÊNERO; enfeitar-se da
mesma maneira que as mulheres. Usar roupas de cores fortes, enfeitar-se de
galões, sianinhas, usar trancelins e anéis em todos os dedos, bordar flores nas
vestimentas sem causar admiração. Lampião trazendo a mulher para junto de si,
poderia usar todo e quaisquer apetrechos, igualmente aquelas. E todos os que o
acompanhavam em seus grupos, eram bastante jovens, sempre submissos; menos
inteligentes que ele. Além de cobiçarem o perfil do cangaceiro que os
compensava com alimentos, roupas e ensinando-os no manejo das armas. Após as
matanças, que não eram raras, comemoravam dançando, fazendo loas (versos) e
propiciava a todos com comida e laser. Os enfeites usados igualmente por todos
dos bandos eram designativos de força e serviam de união para todos os grupos.
Já para Lampião a serventia era da imposição; um elo da sua força.
Fotos: Máquina de costura
pertencente a Lampião; o punhal usado por Lampião para sangrar gente; a Maria
de Déia e Zé de Neném (ex- marido da Maria)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário