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domingo, 1 de novembro de 2020

O JORNALISTA DE GRANDE TALENTO ZOZIMO LIMA

 Por Antônio Corrêa Sobrinho

De retorno a Sergipe, em 1928, depois de quase duas décadas batalhando a vida, inicialmente no Rio de Janeiro e, depois, em São Paulo, Minas Gerais e Bahia, o telegrafista, jornalista e escritor sergipano, filho ilustre da "princesa dos tabuleiros", Capela, ZOZIMO LIMA (1899-1974) se integra ao jornal "Correio de Aracaju", sendo a crônica a seguir, ARACAJU DE OUTRORA - Figuras & Fatos, um dos seus artigos iniciais.

Zozimo que fez jornalismo em Sergipe até dezembro de 1973.

ARACAJU DE OUTRORA

Figuras & Fatos

Aracaju não era a vaidosa cortesã de hoje que se enfeita com as roupagens caras copiadas dos figurinos de madame Paquin e La Samaritaine.

Era u’a matuta ingênua e linda que sorria para a gente dadivosa e meiga.

Nem esses casarões maciços de cimento armado, nem essas largas e luxuosas avenidas amedrontando, afugentando a gente pobre e simples para os longínquos bairros da cidade.

Os jardins não obedeciam, na sua feitura, às leis geométricas da engenharia.

Não envenenávamos, dia e noite, como hoje, o corpo e a alma, nos bares e cafés, porque não existiam.

Imperava somente a Pataquinha.

À noite, o rapazio alegre procurava os cantos das ruas, onde uma velhota, uma Sinhá Bazú, vendia mugunzá e a cocada-puxa pela décima parte do preço que se vende hoje.

A ponte do Imperador era de preferência, o ponto onde se reuniam velhos e moços, e onde se malhava a torto e a direito a vida do semelhante.

A estudantada preparatoriana, ao contrário da de hoje, era uma vibração constante na alma urbana da feiticeira Aracaju.

Os domingos não eram, porém, tristes como os de hoje.

Organizavam-se os picnics, os convescotes, lá para os lados da

Atalaia, Fundição e Chica Chaves — meio inocente de se arranjar um namorico que terminava, quase sempre, com a amarração do parzinho per omnia secula.

Hoje, o namoro não tem aquela complicação d’outros tempos, aquela dificuldade para uma atracação em regra.

Agora a conquista é feita eletricamente.

A déa, a diva, a Julieta, ou coisa que o valha, chega à janela, paramentada melindrosamente, sorri para o canastrão que escora o porte fronteiro da ETEA, revira açucaradamente o bugalho dos olhos e... pronto. Está tudo liquidado.

O camarada pode dar a abordagem sem receio.

A ex-futura sogra fica por trás dos bastidores, ensinando catedraticamente à pequena o meio fácil de segurar o gajo romântico e sem emprego.

Trinta dias depois a pequena começa logo a ter olheiras, tonturas e chiliques.

A velha se impacienta; o rapaz alega não poder agora dar o nó górdio porque ainda não começaram as obras do porto onde espera ter um lugar de contador de pregos.

E como esses arranjos não podem ultrapassar o limite de 270 dias, imediatamente é reclamada a interferência do Xavisca e do Carlos Menezes.

Não é preciso mais, para fazer o pedido, a solenidade de um cidadão do alto comércio, cheio de circunspeção e gravidade, a bigodeira retorcida e lustrosa a cosmético, um colarinho de dois andares e o cartolão de oito reflexos enterrado até o cachaço.

A coisa hoje é rápida, sintética, radiotelegráfica.

Há, no seio da nossa sociedade, numerosas exceções, não resta dúvida.

Existem velhas e velhotes que, sem mais preâmbulos, à vista do almofadinha rondando a porta, pespegam lhe quatro descomposturas em regras, acompanhadas, às vezes, de enérgicas cacetadas.

No meu tempo, naquele tempo, sim; a coisa tinha a sua poesia, deixemos de conversa.

Não tínhamos ainda o cinema. Essa escola perigosa de costumes desenvoltos.

O teatro São Salvador deu sorte.

Ali, no finado, se exibiram Maria Castro, Lessa, Francisco Santos.

A gente ia ouvir os “Milagres de São Benedito”, “A Filha do Salineiro”, “A Órfã de Goiás”, e voltava com o lenço ensopado e os olhos inchados de chorar.

Deixe lá que o dramalhão ainda não perdeu os seus direitos de cidadania, mesmo quando se trata de uma daquelas drogas que nos impingia o paulificante Cipriano Duarte.

Tínhamos, afora as companhias que nos visitavam, um grupo de amadores.

E que conjunto!

Eram figuras primaciais do grupo os intelectuais da época, competentes daquele período da renascença literária sergipana: Josino Cardoso, grande talento, vítima, mais tarde, numa cidade paranaense, de uma grande paixão que foi a maior tortura de sua mocidade; Artur Fortes, o suave lírico do Evangelho, sonhador eterno, apolíneo, louro como um germano, trazendo sempre, escandalosamente, uma fresca e escarlate rosa na lapela; Demócrito Rocha, zombeteiro como Voltaire, hoje jornalista de combate na capital cearense; Domingos Gordo e Joaquim Maurício Cardoso, autores ilustres de Alvoradas, agora honrados pais de famílias, afundados na burocracia; Pedro Machado, erudito, esmerilhador das belezas quinhentistas do finado Nunes de Leão, atualmente funcionário público e pastor protestante nas horas d’ócio; Gamaliel Mendonça, inteligência de escol, mas preguiçoso como um abade premonstratense; Magalhães Carneiro, o nosso Catule Mandés, já, naquela época, preocupado com a criação de uma lei sociológica que é mais complicada do que um embaraço gástrico provocado por ingestão de ostras; Costafilho, romântico, cabeleira de Dumas, pai, poeta revolucionário à G. Junqueiro; Rodrigues Viana, espécie de judeu errante, e outros e outros, que foram vencidos nas letras pela incoercível exigência do estômago.

Tivemos, também, naquela época, o nosso êmulo do Barão de Munkausen, o célebre Mensonge, que, aproveitando-se da circunstância de ter um parente de relevo oficial no momento, acompanhado de um cabo de polícia, arrastando fragorosamente um espadagão de um metro e quinze, queria conquistar a muque toda menina bonita que lhe despertasse o apetite de sátiro insatisfeito.

E as serenatas ao luar, rua afora, com o vozeirão do Caruso cotinguibano, Josino Cardoso, acompanhado pelo violão de Mané Emídio.

Oh tempos! Oh costumes!

Os descantes inocentes, os amores ingênuos, a conquista difícil, as valsas, as quadrilhas, desapareceram vencidos pela vertiginosa caminhada do progresso.

Hoje, a coisa é outra.

É a civilização aniquilando a iluminação a querosene, impondo o auto, o charleston, o casamento comercial, o bistre, o rouge, a saia curta, a exibição afrodisíaca de colo e pernas.

O namoro agora é flerte; a namorada é camaradinha; a simpatia béguin; o giro, o passeio, a volta chama-se potin; e muitas outras patifarias com a significação velhaca dos anglicismos e galicismos.

Qual!

Eu devia ter nascido em 1830.

"Correio de Aracaju" – 20/04/28

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