Por Archimedes Marques
Em meados de
outubro de 1930 quando o bando de Lampião entrou na cidade de Aquidabã, em
Sergipe, o ínfimo contingente policial fugiu às pressas deixando as pessoas
totalmente desprotegidas e nas garras dos cangaceiros. Aquele era o retrato da
força policial sergipana do governador Eronildes de Carvalho, filho de Antônio
Caixeiro, sem dúvidas, dos maiores coiteiros que o famigerado Lampião teve na
sua vida bandida por cerca de 20 anos no nordeste brasileiro.
Jose Custódio
de Oliveira, o Zé do Papel, em virtude de ser uma pessoa aparentemente de
classe privilegiada, de classe média para rica, um pecuarista e proprietário da
Fazenda Pai Joaquim, fora abordado por Lampião e dentro da sua residência na
cidade de Aquidabã, além de certa quantidade de dinheiro, fora encontrado dez
balas de fuzil em uma cômoda, sendo daí interpelado para contar onde estava a
arma, pois pela lógica, havendo munição haveria a consequente arma,
oportunidade em que o trêmulo cidadão afirmou ter emprestado o mosquetão para o
juiz de direito daquela comarca, Dr. Juarez Figueiredo.
Tal fato,
provavelmente incutiu na mente de Lampião que a arma fora passada ao juiz,
justamente para que ele se defendesse do seu bando, daí, enraivecido com o fato,
o chefe do cangaço, irracional e impiedosamente arrastou Zé do Papel ruas acima
e em frente a um armazém próximo da praça principal da cidade decepou a golpe
de faca a sua orelha, depois do bando ter praticado saques no comércio local e
tantos outros crimes de torturas contra pessoas amedrontadas, dentre os quais o
assassinato de um débil mental de nome Souza de Manoel do Norte, mais conhecido
por Abestalhado, que se fez de corajoso na sua insanidade sacando um pequeno
canivete com o qual cortava fumo de corda para fazer seu cigarro de palha e com
tal arma teria desafiado os cangaceiros.
Diante do fato, o sanguinário Zé Baiano partiu em verdadeira fúria contra o
pobre do doido ceifando a sua vida a golpes do seu longo e afilhadismo punhal
de 70 centímetros, em luta totalmente desigual de um ínfimo canivete em mãos de
um doente mental contra um longo punhal em mãos de um feroz e impiedoso
cangaceiro. Não satisfeito com o bárbaro assassinato, Zé Baiano abriu a barriga
da pobre vítima para retirar gordura e untar as suas armas de fogo. Tal prática
era useira e vezeira quando os cangaceiros eliminavam as suas vítimas e queriam
impressionar a população para serem mais respeitados ainda do que já eram.
Consta que Zé do Papel na agonia de sentir o sangue escorrendo pescoço abaixo
ainda foi obrigado a beber um litro de cachaça que ao mesmo tempo era usada
para estancar o seu ferimento e aliviar a sua dor. Em meio a esse
místico de humilhação, crueldade, sangue e cachaça o endiabrado cangaceiro Zé
Baiano pegou o roceiro Eduardo Melo e após espancá-lo com o coice do seu fuzil,
também cortou a sua orelha seguindo o exemplo do seu chefe. Zé do Papel ainda
viveu por muito tempo e viu o cangaço se acabar e seu carrasco morrer,
entretanto, o Eduardo Melo não teve a mesma sorte e faleceu cerca de um mês
depois da perversidade sofrida.
Assim,
Aquidabã viveu o maior dia de terror da sua história. Assim Aquidabã fora
vítima das atrocidades dos cangaceiros e para sempre pelos seus sucessores
moradores aquele dia será lembrado. Assim, Aquidabã fora vítima também do
próprio Estado que deveria ser o protetor do povo, mas que estava ausente.
Ausente pela covardia dos seus policiais que fugiram mato adentro sem esboçarem
reação alguma. Ausente pela pouca ou nenhuma vontade política de
verdadeiramente se combater o cangaço nas nossas terras.
De tudo isso,
por incrível que pareça, a Justiça de Aquidabã, sequer abriu Processo Criminal
contra Lampião e seu bando. Teria o juiz Juarez Figueiredo, o mesmo que estava
com o fuzil emprestado de Zé do Papel, responsável indireto pela decepação da
sua orelha se acovardado para não providenciar qualquer procedimento judicial
contra Lampião?...
Por outro
lado, em igual modo de impunidade falando, dizem – e a história de certo modo
comprova – que a polícia de Sergipe era uma polícia de “faz de conta”: Fazia de
conta que caçava Lampião, e, Lampião por sua vez, fazia de conta que era
caçado.
Título e
Texto: Archimedes Marques, Delegado de Policia Civil no Estado de Sergipe.
Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade
Federal de Sergipe
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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