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domingo, 3 de abril de 2022

UMA ESTRANHA COMPANHIA NO AMAPÁ

 Conta Luiz Gonzaga

"...Após o descanso normal, logo após a chegada à Serra do Navio, fui convidado a visitar as minas, as repartições, a cadeia. Não havia presos e o soldado que montava guarda tirava uma soneca. Ficou meio atarantado quando chegamos, mastigando uma desculpa aos seus superiores. (...) Enquanto visitávamos o salão, inquiriu-me:

- A que horas o senhor vai pra Macapá, amanhã?

- Mais ou menos às oito, respondi.

- Acho que vou viajar com o senhor. Não repare no mau jeito do passageiro...

Não entendi a piada. (...)

Terminada a visita, ao despedir-me do soldado, este voltou a insistir:

- Tá bem, rapaz. Pega nada não. Até amanhã.

Logo o esqueci.

Após o show, porém, eis que ele me surge e novamente me adverte:

- Olhe seu Luiz, vou viajar com o senhor. Mas não repare no mau jeito...

- Tá bem rapaz, não se preocupe. Até amanhã.

Não sei porque, o seu riso exprimia qualquer coisa de anormal. Talvez fosse um maníaco, pensei.

Mas a noite decorreu tranquila e o incidente foi relegado a um segundo plano.

No dia seguinte, estava a arrumar-me para a viagem quando chegou um funcionário do Território.

- Seu Luiz, o diretor manda perguntar se o senhor não se importa que viaje no seu carro um passageiro meio exótico.

- Já sei, deve ser aquele guarda de ontem. Até falou comigo, várias vezes, que ia também.

- É ele mesmo, mas viaja empacotado. Desde ontem que é defunto...

Fiquei estarrecido. Falei pro funcionário:

- Engraçado, advertiu-me que viajaria comigo e pediu que não lhe reparasse o mau jeito...

O carro era um pouco apertado. Mal cabia quatro pessoas. De modo que o defunto criou um sério problema de espaço. Foi então que Salário mínimo teve logo uma ideia um tanto prática e estranha: viajar sentado no caixão, no que foi logo seguido por Chiquinho, cunhado de Marines. E, naquele aperto, note-se bem, tiveram de acomodar-se duas inconsoláveis mulheres. Eram viúvas do soldado suicida, soubemos logo. Fora aquela sua única saída para a enrascada que se metera: a bigamia."

(De O sanfoneiro do riacho da Brígida, de Sinval Sá).

http://hotsites.diariodepernambuco.com.br/2012/gonzaga/causos.shtml

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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