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sábado, 17 de dezembro de 2011

ZÉ DO TELHADO

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Foi o famoso Zé do Telhado soldado no Regimento de Cavalaria nº 2, Lanceiros, chegando mesmo a alcançar o posto de Sargento, como há quem o afirme?
A primeira biografia do romântico bandoleiro saiu da pena do maior romântico da nossa literatura, Camilo Castelo Branco.
 
Camilo conheceu-o na prisão da Relação do Porto, onde ambos comungavam as instalações, a níveis distintos e por diferentes razões. O escritor ouviu-lhe as confissões eivadas de fantasiosos adornos ou então cruas e prosaicas na rudeza simples do salteador. Camilo apercebeu-se do filão literário e o seu extraordinário génio ficcionista talhou de forma credível o retrato deste  Robin dos Bosques português, e integrou-o nas suas “ Memórias de Cárcere “, publicadas em 1861. Antes de passar à narração, Camilo lamenta que o país, por demasiado humilde, não gere “salteadores de fama“, matéria prima para o folhetinesco e onde os confrades estrangeiros ganham renome nas obras de Shilher, de Hugo, e outros demais gigantes das letras. E sem se furtar a alguma crítica social, passa a narrar a história do Zé do Telhado, no seu estilo incomparável, mas, arredado de uma verdadeira pesquisa, perde-se da realidade para criar o mito.
Diz-nos Camilo que Zé do Telhado nasceu em 1816, na Aldeia de Castelães, Comarca de Penafiel, filho de um capitão de ladrões e no seio de uma família onde extorquir o alheio era actividade de raízes fundadas.
Ora Zé do Telhado, a dar fé do registo baptismal, terá nascido em 22 de Junho de 1818 (dois anos depois do que nos dá conta Camilo; dois anos que serão cobertos pelo hipotético serviço militar em Lanceiros). A dado passo, eventualmente por razões familiares, teria vindo para a capital, ou como escreve Camilo “foi o moço para Lisboa, e jurou bandeiras no segundo Regimento de Lanceiros, denominado da Rainha”. O escritor não assinala datas e a designação de Lanceiros da Rainha fora extinta em 1834, passando a RC n.º 2, Lanceiros, donde a ser verdade o militar Zé do Telhado, de seu verdadeiro nome José Teixeira, ou José Teixeira da Silva ou ainda José Teixeira de Matos, só poderia eventualmente ter assentado praça no Regimento de 1835 a 1837, ano este em que (voltamos a Camilo) terá feito parte da escolta de Saldanha durante a aventuresca revolta do Marechais.
Acontece, porém, que uma consulta por nós feita nos arquivos regimentais de 1835 a 1938, (relações nominais de efectivos, existentes no Arquivo Histórico Militar), não é referido nenhum soldado com o nome igual ou parecido com o do famoso salteador, e a referência única de um tal José da Silva não oferece verosimilhança por quanto não teve este qualquer diligência prolongada e mantinha-se ainda no regimento de 1888, altura em que Zé do Telhado teria dado baixa do serviço e casado, fixando a sua residência em Caíde do Rei, Lousada.
Afigura-se também fantástica a participação do Zé do Telhado nas correrias de Saldanha, onde teria tido o privilégio de  ter sido sucessivamente ordenança do Barão de S. Cosme (esta não vem de Camilo, mas de outro autor posterior) e do General Schwalback, Conde de Setúbal, e nessa qualidade, teria combatido em Ruivães e Chão da Feira.
Outros autores, na senda do autor de “Amor de perdição“, vão falar de Zé do Telhado, e um mesmo, Eduardo de Noronha, produz duas obras de história ficcionada sobre este herói popular: José do Telhado e José do Telhado em África. Desenha um homem pleno de virtudes a quem o destino arrasta fatalmente para a desgraça. Dá-lhe destaque como soldado de Lanceiros, escolhendo-lhe mesmo um número, o 9, e uma 1ª Companhia, só se esquecendo do Esquadrão – O Regimento tinha então 3 Esquadrões divididos em 2 Companhias. O 4º Esquadrão estava destacado em Espanha, incorporando a Divisão auxiliar.
Não se nos afigura que Zé do Telhado pudesse servir sob falso nome, para mais quando no Regimento de Lanceiros se exigia recomendação para os recrutas portugueses (o Regimento ainda tinha cerca de um quarto do efectivo estrangeiro, especialmente o 1º Esquadrão onde serviam os veteranos da Guerra Civil, sob o comando do Capitão Mello e Castro), recomendações que incluíam atestado dos párocos locais.
Quanto ao facto de ter sido Sargento, contou Zé do Telhado a Camilo que o fora durante a Patoleia, pois a insistência dos populares da sua terra, se juntara à Junta do Porto que o fizera Sargento dum Corpo de Cavalaria (a) e lhe atribuíra as funções de segurança do General Visconde de Sá da Bandeira. A dar crédito a Zé do Telhado, no combate de Valpassos, ele próprio havia salvo a vida ao glorioso maneta e este, perante tal rasgo, havia retirado do próprio peito a Comenda de Torre e Espada e colocara-a no peito do famoso bandoleiro. Acontece que a ser verdade, esta Torre e Espada não tinha qualquer valor, pois Sá da Bandeira combatia como insurrecto contra a Rainha, única entidade que podia conceder tal mercê ou delegá-la nos seus generais. De facto, na lista conhecida dos contemplados com a condecoração também não figura o nome do José Teixeira da Silva. Para mais Sá da Bandeira várias vezes Ministro da Guerra e Presidente do Governo, nunca ratificou oficialmente este pretenso acto, nem concedeu a Zé do Telhado ou seus filhos os benefícios que ele próprio criou para os detentores da condecoração. No relato dos factos mais marcantes da sua vida, Sá da Bandeira também não refere o acontecimento, muito embora dê notícia dum acontecimento passado num encontro em Coruche em 1825, quando ainda capitão era perseguido por dragões miguelistas.
É curioso notar que a sua comenda da Torre e Espada já lhe havia salvo a vida em 1832, quando durante a Procissão do Corpo de Deus em Lisboa, fez resvalar uma baionetada desferida por um guarda nacional.
Derrotada a Patoleia, Zé do Telhado conta que arrancou as divisas e regressou a casa, findando aqui a sua experiência militar, salvo quando, anos mais tarde, e á frente da sua quadrilha haver posto em fuga uma força de Caçadores 2. A ser verdade, difícil é prová-lo pois não será possível encontrar registos dos irregulares arregimentados pela Junta Setembrista do Porto.
Não é pois digna de crédito, e até prova em contrário, a real participação do mais famoso bandido português, quer como militar de Lanceiros 2, quer como Sargento de Cavalaria ou mesmo como condecorado com qualquer grau da Ordem de Torre e Espada.

Henrique Quinta-Nova
Artigo retirado do site: Lanceiro
Mais sobre o Zé do Telhado em:
Wikipédia - Por: Chinezinha
Extraído do blog: "Vestigem"

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