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sábado, 19 de maio de 2012

A SOLTEIRICE DE CANDOCA (Crônica)

   Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

A SOLTEIRICE DE CANDOCA 

Numa cidadezinha interiorana, onde gente e bicho era quase a mesma coisa, e felizmente vivia um povo na sua grande maioria recatado, sério, sem gostar de ver nem falar de safadezas, principalmente aquelas que diziam respeito aos ardorosos anseios corporais, era lugar de moradia da solteirona Candoca.

Se chamassem Candoca de moça velha, titia, solteirona, renegada, esquecida ou coisa parecida, era briga feita com certeza. A mulher botava pra fora um palmo de língua que maldizia o presente e todos os antepassados do intrometido na sua falta de sorte amorosa.

A quem quisesse ouvir, a moça velha sempre dizia que era apenas uma flor esquecida no jardim dos tempos e que poderia ser colhida a qualquer momento por um belo jardineiro. Bastava dizer isso e corria pra janela, danando-se a chorar pelas relembranças de quase ter namorado, quase ter beijado, quase ter casado, quase ter feito aquilo. Era um quase tudo a vida da pobre coitada.

Pra afastar a solidão da solteirice forçada, Candoca se danou a freqüentar a igreja. Quando não estava na janela vendo se avistava homem ou esperando seu príncipe encantado que chegaria num imenso cavalo branco, podia ter a máxima certeza que estava embrenhada na igreja. Igual às outras beatas, também se paramentava com vestido longo, um xale, rosários e a Bíblia na mão.

As outras beatas, que são pessoas mais faladeiras e fofoqueiras do que tudo na vida, logo começaram a cochichar que a mulher só vivia ali rezando e fazendo promessas pra encontrar macho, jogada aos pés do altar pra não morrer sem algum dia deitar com uma costelinha de lado.

Logicamente que isso não deixava de ser verdade, pois a solteirona se entregava às preces, aos santos e aos anjos como uma verdadeira pecadora em busca de salvação. E por isso mesmo rezava, implorava, fazia promessas, fazia de um tudo para que os céus colocassem diante de si qualquer um homem que quisesse namorar, sem exigência alguma de idade, peso ou cor. Chegou a ficar de mal com Santo Antonio porque sua fama de santo casamenteiro parecia não servir aos seus rogos e choromingos.

Por ser assim, triste, solitária, desesperadamente apaixonada por qualquer um, fazia o máximo que podia pra não encontrar ninguém namorando, aos beijos e abraços, com carícias mais intimamente safadas. Tal fato fazia com que evitasse passar pelos locais mais escondidos nas praças, nos becos famosos pelos encontros amorosos e também pelos quintais.

Ora, sabia que os quintais eram verdadeiros bordéis a céu aberto. E que Deus a livrasse de ver aquelas cenas como quem um estava querendo entrar no outro e ouvir o barulho de verdadeiros bichos querendo mais não sei o que, dizia ela entre tremeliques e excitados pensamentos.

 Um dia, enquanto chorava tristonha na janela, resolveu tomar uma drástica decisão. Não rezaria mais, não faria mais promessas, ficaria de inimizade com todos os santos e também deixaria de freqüentar a igreja. Em seguida resolveu ir até ao templo comunicar ao padre a tomada dessa decisão. Esperava não ter de dar explicações, mas se o jovem sacerdote tencionasse ouvir as motivações, então se defenderia com justa causa.

E assim fez. Ao entrar na sacristia encontrou o sacerdote tomando um cálice de vinho e ouvindo uma música que não tinha nada de religiosa. Falava num ai ai se eu te pego, delícia, delícia, assim você me mata... E dançava dando umbigada. Coisa verdadeiramente estranha para um pastor de almas.

Sem se importar muito com a chegada da solteirona, mandou que se aproximasse e dissesse o que queria ali. Com o corpo tremendo, com os olhos aprofundados no homem, apenas disse que dali em diante podia ser considerada uma ex-beata, pois não freqüentaria mais o lugar. Ele perguntou o porquê de tamanha decisão, e então ela ficou sem saída. Aos prantos contou todo o seu tormento de solteirice.

Após ouvir tão inusitado relato, o jovem padre tomou de uma só vez todo o vinho do cálice, derramou uísque num copo, e em seguida tocou no ombro da ardente chorosa. Bastou esse toque para a boca do vulcão se abrir. Mandou que ela trocasse a música e escolhesse sua trilha sonora.

Verdade é que depois disso saiu de lá saltitante e cantando pra todo mundo ouvir que não valia nem um e noventa e noventa.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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