José
Romero Araújo Cardoso(*)
Enquanto no
litoral nordestino subúmido firmou-se a
agroindústria canavieira voltada para o mercado externo, a hinterlândia
formou-se a partir da expansão da pecuária pelos sertões distantes tendo como
pólos irradiadores Bahia e Pernambuco.
A civilização
do couro, conforme definição do historiador Capistrano de Abreu, objetivava abastecer com os produtos da
pecuária o mercado interno, pois as áreas valorizadas pelo capital mercantil
não tiveram condições concretas de cumprir qualquer ênfase à própria
sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.
As classes
abastadas que povoaram os sertões nordestinos tinham na quantidade de gado
bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto aos menos privilegiados restou
o consolo de criar pequenos animais domesticados, como cabras e bodes, motivo
pelo qual se formaram as denominadas raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e
Canindé, resistentes às secas e adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente
inóspito, cujo suporte forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das
caatingas.
No sertão
nordestino o couro passou a fazer parte do dia-a-dia, pois quase tudo era feito
dessa matéria-prima de origem animal. As cadeiras, os alforjes, as mesas, os
gibões, os chapéus, enfim, a cultura sertaneja passou a utilizar o couro em
quase tudo que era confeccionado, usado cotidianamente pelos sertanejos em
afazeres, alimentação, conforto, etc .
Quando das
grandes secas era comum usar o couro como recurso alimentício a fim de tentar
sobreviver aos rigores das intempéries. A estiagem histórica de 1877-1879 marcou
significativamente o uso do couro para a alimentação do sertanejo, o qual antes
era utilizado para deitar-se, sentar-se
ou enfrentar os espinhos da vegetação caatingueira.
O manuseio com
o gado, do qual o couro é retirado, fez surgir verdadeiros artesãos nas
quebradas dos sertões distantes. Artistas populares anônimos proliferaram,
assim como as feiras de gado, executando trabalhos hábeis que ainda hoje marcam
de forma extraordinária a cultura sertaneja.
Mãos calejadas
passaram a fabricar selas, chapéus, relhos, sandálias, etc., os quais se
tornaram indispensáveis para enfrentar a vida dura no sertão, simbolizando em
muitos casos a própria tradição da região.
Vaqueiros e
cangaceiros adotaram indumentária própria, confeccionada com o couro.
Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir do tecido animal,
exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais proeminentes chefes de
cangaço que palmilharam o sertão nordestino.
O campeador de
gado do sertão nordestino, por sua vez, difere de seus congêneres espalhados
pelo país, pois a roupa com a qual enfrenta as dificuldades da labuta diária,
condicionada pelos desafios impostos pela vegetação extremamente agressiva,
dotada de espinhos afiados e cortantes, exige dureza e rusticidades, as quais
são conseguidas com as vantagens que o couro oferece.
(*) José Romero Araújo Cardoso é
Geógrafo. Professor-adjunto do Campus Central da UERN. Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com.
Enviado pelo autor: José Romero Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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