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sábado, 19 de janeiro de 2013

A civilização do couro


José Romero Araújo Cardoso(*)

Enquanto no litoral nordestino  subúmido firmou-se a agroindústria canavieira voltada para o mercado externo, a hinterlândia formou-se a partir da expansão da pecuária pelos sertões distantes tendo como pólos irradiadores Bahia e Pernambuco.

A civilização do couro, conforme definição do historiador Capistrano de Abreu,  objetivava abastecer com os produtos da pecuária o mercado interno, pois as áreas valorizadas pelo capital mercantil não tiveram condições concretas de cumprir qualquer ênfase à própria sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.

As classes abastadas que povoaram os sertões nordestinos tinham na quantidade de gado bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto aos menos privilegiados restou o consolo de criar pequenos animais domesticados, como cabras e bodes, motivo pelo qual se formaram as denominadas raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e Canindé, resistentes às secas e adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente inóspito, cujo suporte forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das caatingas.

No sertão nordestino o couro passou a fazer parte do dia-a-dia, pois quase tudo era feito dessa matéria-prima de origem animal. As cadeiras, os alforjes, as mesas, os gibões, os chapéus, enfim, a cultura sertaneja passou a utilizar o couro em quase tudo que era confeccionado, usado cotidianamente pelos sertanejos em afazeres, alimentação, conforto, etc .

Quando das grandes secas era comum usar o couro como recurso alimentício a fim de tentar sobreviver aos rigores das intempéries. A estiagem histórica de 1877-1879 marcou significativamente o uso do couro para a alimentação do sertanejo, o qual antes era  utilizado para deitar-se, sentar-se ou enfrentar os espinhos da vegetação caatingueira.

O manuseio com o gado, do qual o couro é retirado, fez surgir verdadeiros artesãos nas quebradas dos sertões distantes. Artistas populares anônimos proliferaram, assim como as feiras de gado, executando trabalhos hábeis que ainda hoje marcam de forma extraordinária a cultura sertaneja.

Mãos calejadas passaram a fabricar selas, chapéus, relhos, sandálias, etc., os quais se tornaram indispensáveis para enfrentar a vida dura no sertão, simbolizando em muitos casos a própria tradição da região.

Vaqueiros e cangaceiros adotaram indumentária própria, confeccionada com o couro. Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir do tecido animal, exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais proeminentes chefes de cangaço que palmilharam o sertão nordestino.

O campeador de gado do sertão nordestino, por sua vez, difere de seus congêneres espalhados pelo país, pois a roupa com a qual enfrenta as dificuldades da labuta diária, condicionada pelos desafios impostos pela vegetação extremamente agressiva, dotada de espinhos afiados e cortantes, exige dureza e rusticidades, as quais são conseguidas com as vantagens que o couro oferece.

(*) José Romero Araújo Cardoso é Geógrafo. Professor-adjunto do Campus Central da UERN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com.

Enviado pelo autor: José Romero Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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