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domingo, 24 de novembro de 2013

O deleite de Volta Seca - O Pasquim encosta na parede O "Jésse James" do nordeste - FINAL


Jaguar - Quanto tempo você esperou pra ser julgado? Uns dois anos?
- Uns dois anos.

 

Ziraldo - Quando você foi julgado, aqueles dois primeiros crimes estavam no julgamento?
- Não, aqueles já tinham sido prescritos.

 

Ziraldo - Eles não ficaram sabendo daquilo, né? Aquilo era lá dos cafundós...

...Jaguar - Só foi julgado pelos casos do cangaço, né?
- Só, e eles mesmo num davam nada não.


Aparício - Quem te defendeu?
- Quem me defendeu foi Deus e eu mesmo. Não tinha ninguém por mim.

 

Ziraldo - Cê num teve advogado?...
 

Millôr - Cê num teve julgamento com promotor de acusação?
- Na hora teve uma moça, uma advogada, chegou e disse: "Eu vou defendê-lo e vou botá-lo na rua". O juiz num aceitou.

 

Ziraldo - Quem era esse juiz e essa advogada?
- Ela eu num me lembro do nome, não. Era uma moça de Vila Nova da Rainha. O juiz eu num quero nem tocar no nome dele, deixa esse negócio de juiz pra lá.

 

Millôr - Agora, Volta Seca, é verdade que você tem um jornal guardado pra fazer o Jorge Amado engolir?
- Isso eu falei, mas agora já acabou.

 

Millôr - Acabou o jornal ou acabou a pinimba?
- Acabou a pinimba.

 

Jaguar - Por quê?
- Ele escreveu num livro dele que me conheceu muito, em Água de Menino, na Bahia. E se ele me conheceu, foi quando fui preso, porque, na Bahia, eu nunca tinha ido na capital. E ele então escreveu que tinha visto eu em Água de Menino, sendo capitão de areia.

 

Sérgio Cabral - Ele falou mal de você?
- Me chamou de capitão de areia. Então, eu disse mesmo: "Eu tenho o jornal guardado pra um dia dar pra ele comer". Mas eu já deixei pra lá. Deixei até de ganhar dinheiro um dia desses, só porque me disseram que ele ia também. Era no Hotel Serrador, ia ter uma peça e ele ia também. Então, quando me falaram que ele ia, eu disse: "Pode me tirar fora, vou não".

 

Ziraldo - Num gosta de mentiroso...
- Eu não. Quando falar, fala verdade. Tá certo falar aquilo que aconteceu, mas mentir!...

 

Jaguar - Você cumpriu a pena onde?
- Na Bahia.

 

Jaguar - Fugiu quantas vezes?
- Só duas.

 

Jaguar - Voltou ou te pegaram?
- Pegaram, voltou o quê? Se eu fugia, cumé que eu ia voltar?

 

Ziraldo - Podia. Tá ruim cá fora, né?
- Tava não, eu fazia grana.

 

Millôr - Você viu, por acaso, aquele filme, Cangaceiro, do Lima Barreto?
- Eu trabalhei também. Aquilo tudo foi orientação mais minha.

 

Jaguar - Como você soube da morte de Lampião, cumé que foi?
- Ora, eu tava lá pertinho, a notícia correu logo.

 

Sérgio Cabral - Qual foi a sua reação quando soube que Lampião tinha morrido?
- Nenhuma.

 

Millôr - Agora, você não ficou revoltado com aquela exposição daquelas cabeças? Nós todos somos revoltados com aquilo.
- Tanto que eu saí daquilo. Aliás, eu pedi muito, porque aquilo que fizeram... Aquilo foi mais uma revolta. Aquilo seria uma grande revolta pra família, pra criar novamente a mesma coisa que era. Enterra, tá certo. Morreu, acabou. Mas aquilo... 

 

Millôr - Como se chama essa rua aqui?
- Eles chamam Rua da Barreira.

 

Millôr - Isso aqui é ramal extinto?
- Funciona, vai até a base.

 

Jaguar - Você é funcionário da Leopoldina, né?
- Sou.

 

Millôr - Você se dá bem com os seus vizinhos, né?
- Muito bem.

 

Ziraldo - Eles te chamam de seu Antonio ou de Volta Seca?
- De qualquer jeito que eles me chamar tá bom. Brinco com todos, são meus amigos.

 

Millôr - Você está com 55 anos, né? Depois de toda essa luta você tem o quê? Por exemplo, tem casa própria?
- Não, é aluguel. Eu pago Cr$ 150,00.

 

Millôr - Qual é a sua fonte de renda?
- A minha fonte é o meu trabalhozinho só.

 

Millôr - Quanto você ganha?
- Eu estou ganhando Cr$ 197,00. Eu tô encostado.

 

Millôr - Seus filhos ajudam você?
- Tão parados também. Um, por ora, é soldado; o mais velho tá parado...

 

Millôr - Estão todos educados, vão a colégio pelo menos?
- Os pequenos, ainda uns... tão. Um dia vai, um dia num vai... uns já sabe alguma coisinha. Só o menorzinho é que não sabe nada.

Jaguar - Mas os outros estão estudando em escola?...

 

...Millôr - Mas como é que vocês vivem, o seu dinheiro num dá pra pagar as despesas...
- É, mas eu tenho que viver é assim. Dando uma reportagenzinha hoje aqui, outra ali, e tal... E vou vivendo.

FIM.

Publicada na edição de nº. 221 - Setembro/Outubro de 1973, e parênteses Kiko Monteiro.


Comentário do Dr. Ivanildo Alves da Silveira, pesquisador e colecionador do cangaço.

Amigos

Uma das principais finalidades deste Blog é divulgar a "INFORMAÇÃO" relativa ao cangaço e seus personagens, sem se ater, a radicalismo, ideologias ou lado partidário ( volante x cangaceiro ).

Cumpre ao leitor/membro/estudioso do cangaço, fazer uma "Análise" séria, cuidadosa, bem como, a confrontação das fontes orais e escritas sobre determinado "FATO" exposto na literatura cangaceira, E, daí, extrair um juízo de valor.

É como muitos sabem. O cangaceiro"Volta Seca" é, ás vezes, muito controvertido em suas declarações.

Mas, saliento, que é uma personagem, que precisa ser melhor estudado. Na entrevista, que acabaram de ler, há uma gama enorme de informações, que não foram checadas por aqueles que estudaram esse famoso cangaceiro.

 Só um detalhe. Sobre a vida, dele, após o cangaço, pouco ou quase nada se tem escrito a respeito na literatura cangaceira ( ai está a lacuna ). 
Um abraço a todos, e valeu pela atenção
 

Ivanildo Silveira
Colecionador do cangaço
Membro da SBEC  

http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

Um comentário:

  1. Anônimo12:40:00

    Caro Mendes: Tenha uma boa-tarde nessa Terra do Rio Grande do Norte de um povo corajoso e destemido; tão destemido que não deixou o rei do cangaço apossar-se da Comunidade.
    Após onze partes (divisão efetuada por você), a entrevista do MENINO VOLTA SECA chegou ao fim, trazendo muita aprendizagem para mim, e creio que, para outros também. SÓ POSSO DIZER: PARABENS meu caro pesquisador.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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