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quarta-feira, 12 de março de 2014

CANGACEIRO E SEDUTOR



Por Rangel Alves da Costa*

Nos embornais do tempo estão guardadas as palavras de Eulália Timbó, também conhecida por Lalinha Viçosa, testemunha ocular da saga cangaceira na sua vertente mais temida e fervorosa: o bando de Lampião. Contudo, ao invés de tratar os das caatingas como bandoleiros sedentos por vingança e sangue, a memorável sertaneja dizia que chegava a se arrepiar ao recordar aqueles homens atraentes, misteriosos e sedutores.

Surgiam do nada para enfeitiçar corações que sequer conheciam as armadilhas do amor; apareciam como se trouxessem poesia e flores do campo na ponta do mosquetão; versos riscados na folha do punhal diziam da vida dividida em tempo de lutar e tempo de amar. Como Lampião conquistando o coração brejeiro de Maria, assim seus cabras faziam suspirar a mulherada por onde passavam.

E acrescentava que não havia mocinha ou donzela que não se tremelicasse por dentro, se arrepiasse todinha, só de ouvir falar naqueles cabeludos, amorenados de sol, cheirando a suor perfumado de mistura adocicada, com seus olhos brilhando igual lâmina afiada, mãos tomadas de anéis e ornamentos se derramando pelas vestes terrosas. E também chegando com versos na língua e gestos que atormentavam frágeis corações sertanejos.


Com razão a respeitável Eulália, igualmente famosa por ter deitado nos escondidos da mataria com mais de dez cangaceiros. Percorria léguas e léguas só pra sentir o perfume maturado em suor no seu cangote. E se o bando estava nas redondezas, então se fazia de coiteira só pra estar abrindo as pernas pra um e outro por detrás dos morros e moitas. Só não era besta se enxerir pro Capitão. E com medo danado de levar uma surra bem dada da ciumenta da Maria.

Safadezas eulalianas à parte, a verdade é que cangaceiro tinha o dom nato da sedução, da subjugação de pobres e incautos corações agrestinos. E não foi por outro motivo que muitas mocinhas, meninas ainda, resolveram abandonar seus lares e seguir atrás do cheiro daqueles bichos de mato e sem destino, numa vida errante e perigosa. E não adiantava a família tentar impedir, pois fugiam de qualquer jeito e só iam se ter como adultas já nas veredas sangrentas.

Por isso mesmo que muitos pais fugiam com a filharada assim que se espalhasse a notícia que a cangaceirada estava por perto. Sabiam muito bem do perigo que aqueles rapazes adornados representavam perante os corações inocentes de suas filhas. Tinham conhecimento que por trás daquelas feras se escondiam poetas, cantadores, bocas de doces palavras, gestos de enfeitiçamento e sedução.

Ademais, eram tão misteriosos e encantadores que amoleciam os olhares mais repulsivos. Extremamente vaidosos, vestidos com imponência ainda que com suas roupas lanhadas da luta, tomados de preciosos enfeites e sempre carregando por cima um cheiro misto de perfume e suor, um ou outro usando óculos escuros, cabelos cuidados na brilhantina. Verdade é que dificilmente se apresentavam sem que parecessem saídos de um salão de beleza.

Realmente causavam profunda admiração perante as mocinhas nas frestas de suas janelas, nos escondidos das moitas, nos sonhos em noites de solidão, pelos cantos dos salões em dias de festança forrozeira. Geralmente cabeludos, com barbas feitas, usando a jabiraca ou lenço descendo pelo pescoço, ostentado chapéus enfeitados de argolas douradas e ouro reluzindo pelos dedos e até nos dentes, certamente que causavam uma estranha admiração perante aquelas lindas matutas.


Alguns exímios dançarinos, outros poetas de versos na ponta da língua, ainda outros bons na sanfona ou no pífano, quase todos com algo muito além daquela visão primeira que se tinha, ou seja, umas feras perigosas pelos carrascais espinhentos. Sim, eram extremamente perigosos, violentos, até desumanos em muitas situações, mas também pessoas comuns, jovens, rapazes, e com o dom incomparável de seduzir.

Naqueles idos, diante do fascínio e encanto que causavam, os cangaceiros podiam ser comparados a artistas famosos, verdadeiros galãs, desejados e sonhados por tantas e tantas jovens cabritinhas daquele mundo de homens tão iguais. E eles eram diferentes, pois famosos e temidos, mas também tão queridos e desejados. Mas sem nenhuma ilusão ou fantasia no mundo em que representavam, senão as tragédias mais realistas a cada cena.

Lalinha Viçosa, de coração apertado, ainda recordava chorosa: Se soubesse que chorando empato a tua viagem, meus olhos eram dois rios que não te davam passagem...

Poeta e cronista
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