Publicado
em 06/04/2014
Por Rostand Medeiros
SERIA REAL A
HISTÓRIA DE UM MARANHENSE VOLUNTÁRIO NA FORÇA AÉREA DE SUA MAJESTADE DURANTE A
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?
Autor –
Rostand Medeiros
Os leitores
que acompanham nosso blog, sabem que não é raro a publicação de temas que
envolvem os fatos relativos a Segunda Guerra Mundial. Para aqueles que gostam
deste assunto e frequentam nosso espaço, certamente já tiveram a oportunidade
de conhecer algumas histórias sobre combatentes de países aliados que viveram,
ou nasceram no Brasil.
Estes eram
filhos de pais estrangeiros que aqui trabalhavam e outros tinham mães
brasileiras. O certo é que diante do conflito que a terra de seus antepassados
estava envolvida eles não titubeavam em trocar a segurança proporcionado pela
distância geográfica do nosso país em relação aos locais de combate e partiam
para a guerra. Se eles não eram brasileiros legítimos, na concepção legal a
situação, certamente em suas mentes e corações possuíam muito do que é
proporcionado àqueles que vivem neste belo e intrigante país tropical.
Apesar do
prazer de trazer ao conhecimento dos nossos leitores estes interessantes fatos,
pessoalmente sempre busquei alguma história que envolvesse brasileiros natos,
que não fossem descendentes de pessoas oriundas dos países beligerantes e
serviram voluntariamente a outras nações contra o totalitarismo durante a
Segunda Guerra Mundial.
Símbolo, ou
badge, oficial da RAF – Royal Air Force
Pouco sucesso
tive, até que recentemente me deparei com uma história realmente diferente; as
aventuras de um jovem brasileiro, um maranhense, que teria combatido na famosa
RAF, a Royal Air Force, a Força Aérea Real da Inglaterra.
Mas seria esta
história verdadeira?
TAMBORES DE
GUERRA
Em fevereiro
de 1942 os ecos da guerra estavam cada vez mais fazendo parte do imaginário e
do dia a dia do brasileiro comum.
O Brasil já
havia rompido relações diplomáticas com a Alemanha e a Itália, os
norte-americanos construíam várias bases aéreas ao longo do nosso litoral e a
presença militar estadunidense se fazia mais forte a cada dia. Até o final
daquele mês quatro navios civis brasileiros haviam sido atacados por submarinos
do chamado Eixo. Destes três haviam sido afundados, com a morte de 56 pessoas.
O navio
brasileiro Buarque foi um dos afundados em fevereiro de 1942
Se os tambores
de guerra já não estavam mudos, também ainda não tocavam com toda força, pois
apesar da gravidade destes afundamentos ele aconteceram longe do Brasil e, para
completar o quadro, ainda não havíamos declarado oficialmente guerra contra
alemães e italianos.
Mas isso não
impediu que um maranhense de 22 anos estivesse naquele ano voando em um veloz
caça Spitfire da RAF. Que ele houvesse participado de combates aéreos e
derrubado de cinco caças Messerschmitts alemães, sendo ele próprio derrubado
duas vezes e sido salvo em ambas.
A inusitada
história foi publicada na primeira página do periódico carioca “Diário da
Noite”, edição do dia 13 de fevereiro de 1942, sendo a reprodução de uma
reportagem realizada pelo jornalista Thomas de Sancha, da “The Atlantic-Pacific
Press Agency”, com sede em Londres.[1]
Foto original
do The Embassy Club, na Bond Street, Londres, no período da II Guerra
Sancha
informou que o maranhense se chamava Luiz de Souza Pereira e o encontrou para
realizar a sua entrevista em um “nitgh club” londrino chamado “Embassy”, sendo
apresentado ao mesmo por um outro piloto brasileiro.[2]
Em meio ao
ambiente lotado, com predominância de muitos uniformes, onde a orquestra de
Henry Roy se apresentava tocando uma rumba, o jornalista foi apresentado ao
maranhense Luiz de Souza Pereira. Consta que para o orgulho masculino nacional,
o aviador brasileiro estava com uma bela loira e atendeu o jornalista meio que
a contragosto, pois a platinada inglesa já lhe havia prometido a próxima dança.
Sancha não se mostrou chateado com o brasileiro, pois sabia que nas horas de
folga o pessoal da RAF queria mesmo era muita diversão.[3]
Sentado à mesa
do jornalista, sorvendo um copo de whisky, Luiz de Souza Pereira narrou que
havia nascido em 1920, em uma fazenda dedicada a cultura do algodão, próxima a
São Luiz, capital do Estado do Maranhão. Era de estatura mediana, moreno e no
passado havia perdido o pai. Com a parte que lhe cabia na divisão de bens o
maranhense seguiu para Montevideo, capital do Uruguai, onde primeiramente
trabalhou no escritório de uma firma brasileira de seguros. Consta que devido a
negócios sem o devido planejamento Luiz perdeu muito dinheiro e decidiu não retornar
ao Brasil para ser chamado de fracassado e ter de pedir ajuda a parentes.
A capital
uruguaia na década de 1940
Para
sobreviver o maranhense arranjou um trabalho em um bar elegante na capital
uruguaia, mas logo se aborreceu deste serviço. Ele igualmente não gostou de
trabalhar em uma revendedora de automóveis de fabricação americana e na
representação de máquinas de venda de bebidas.
Sem muitas
perspectivas, mesmo com a guerra arrebentando com meio mundo, para não passar a
vergonha de voltar para casa com uma mão na frente e a outra atrás o maranhense
Luiz decidiu radicalizar. Partiu para trabalhar em uma atividade extremamente
arriscada naqueles dias conturbados; ele se incorporou a tripulação de um
mercante inglês que estava no porto de Montevideo.
PILOTO DA RAF
Sem declinar o
nome do vapor que trabalhou, Luiz narrou que a sua primeira viagem foi difícil,
tendo a nave de carga levado quatro semanas para chegar as Ilhas Canárias.
Antes de entrar em águas espanholas o navio cargueiro foi torpedeado por um submarino
do Eixo e Luiz conseguiu embarcar em uma baleeira com mais sete companheiros de
infortúnio. Três dias depois foram resgatados por um pescador espanhol.
O barco onde o
maranhense Luiz seguia foi afundado por um submarino, talvez alemão, como o
U-103 da foto – Fonte – Bundesarchiv
Nas Ilhas
Canárias foram presos por falta de documentos, tendo a barra ficado mais leve
com o apoio de diplomatas britânicos lotados naquelas ilhas. O próximo destino
foi a Grã-Bretanha, onde, mesmo sem nunca ter tido anteriormente a
possibilidade de pôr os pés em um avião, Luiz alistou-se na RAF através do
apoio do Comité do Rio de La Plata.[4]
Não foi
comentado maiores detalhes de como se deu a entrada do maranhense em uma das
forças aéreas mais profissionais, modernas e atuantes da época e nem como foi
sua ascensão naquela organização. Mas na época da entrevista a Sancha o
brasileiro já era piloto da RAF desde maio de 1941, o que o coloca nos últimos
momentos da famosa Batalha da Inglaterra. Mas em nenhum momento da reportagem
existe a afirmação que ele participou destes épicos confrontos aéreos.
Um caça
britânico Supermarine Spitfire – Fonte – BBC
Mas ele narrou
um confronto que teve com um caça alemão Messerschmitt, que o derrubou no Canal
da Mancha. Luiz se salvou milagrosamente, mas o inimigo também caiu em chamas
na contenda aérea. O maranhense passou então 14 horas flutuando em uma balsa
salva-vidas, até ser avistado por um bimotor Lockheed Hudson da RAF. Foi
recolhido por um barco caça minas da Royal Navy (Marinha Real Britânica), onde
foi muito bem tratado pelos marujos. Ao chegar ao camarote tomou sozinho uma
garrafa de conhaque, adormeceu e só acordou no porto. O maranhense Luiz de
Souza Pereira narrou ainda um episódio em que foi perseguido por três caças
alemães e outro em que atacou um grupo de caças que escoltavam bombardeiros.
Factoide
Criado Para Vender Jornal
Gostaria de
estar errado, mas em minha opinião o maranhense Luiz de Souza Pereira foi uma
criação da redação do periódico “Diário da Noite”. Este era um periódico muito
ativo, que possuía nos seus quadros grandes repórteres e chegou a ter uma
tiragem de 200 mil exemplares. Este jornal carioca foi fundado em 1929 pelo
controverso Assis Chateaubriand, dono da rede de jornais Diários Associados.[5]
Assis
Chateaubriand (1892-1968) – Fonte – escola.britannica.com.br
Ao longo de
sua vida Chateaubriand se caracterizou pela polêmica e controvérsia, não
obstante fosse um gênio para ganhar dinheiro e amealhar poder. Não podemos
esquecer que a época de Chateaubriand era uma época de
verdadeiros absurdos da imprensa brasileira. Jornais invadidos para que
matérias não fossem publicadas, reportagens falsas, tráfico de influências e
polêmicas que atualmente dariam cadeia, e que antes eram consideradas simples provocações.
E fevereiro de
1942 era um momento bem propício para a publicação de uma reportagem sobre um
pretenso maranhense na RAF. Como a guerra vinha cada vez mais chegando perto do
Brasil, nada melhor do que apresentar um pseudo herói brazuca lutando nos céus
europeus e isso tudo vendia jornais. Acredito que “Chatô”, como era conhecido
Assis Chateaubriand, na verdade comprou uma matéria feita pela “The
Atlantic-Pacific Press Agency”, sobre algum outro piloto voluntário lutando
pela RAF, colocou como sendo o maranhense Luiz de Souza Pereira e foi “dourando
a pílula” desta incrível história.
Aviões
britânicos Spitfire e Hurricane sobreviventes da II Guerra, sobrevoando os
rochedos brancos de Dover, as margens do Canal da Mancha.
Apesar de
interessante o relato ele é extremamente falho, principalmente na ordem
cronológica referente a idade do maranhense, sobre a morte do seu pai, a ida
para as Ilhas Britânicas e outras informações. Para corroborar o que digo, veja
a extensa lista de pilotos que se tornaram ases sob as cores britânicas. Não
esqueçam que nos registros históricos os britânicos são Mestres – http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_World_War_II_aces_from_the_United_Kingdom
Infelizmente
nesta lista não temos nenhum Luiz de Souza Pereira, mas temos nomes de alguns
estrangeiros. Como o grego Basilios Michael Vassiliades (10 vitórias
confirmadas), ou do malaio Cyril Talalla (5 vitórias). Ou seja, se um
brasileiro nato fosse voluntário da RAF e tivesse abatido 5 aviões inimigos,
certamente os britânicos não criariam caso algum para colocar seu nome nesta
lista e ele seria ovacionado na terra de Sua Majestade.
[1]Nada encontrei sobre
o jornalista Thomas de Sancha. Mas aparentemente este era um pseudônimo
utilizado pelo jornalista espanhol Manuel Chaves Nogales. Este nasceu em uma
família de classe média Sevilha em 1897, foi autor de 14 livros, militante da
causa republica espanhola,cujos ideais eram muito firmes e claros, como
demonstrado em vários de seus editoriais. Ficou na Espanha até a derrota
republicana para os franquistas, seguindo para o exílio na França. Democrata
convicto, trabalhou incansavelmente contra o fascismo que ameaçava a Europa
durante o seu exílio em Paris. Diante do avanço das tropas nazistas, Nogales
seguiu para Londres, onde ele logo retomou sua atividade
jornalística. Dirigiu a The Atlantic-Pacific Press Agency, tinha sua
própria coluna no periódico “Evening Standard” e trabalhou na rádio
BBC, nos serviços radiofônicos estrangeiros. Morreu de peritonite em 1944, em
Londres. Ver – http://es.wikipedia.org/wiki/Manuel_Chaves_Nogales
[2] Em nenhum outro
momento da reportagem é comentado quem seria este outro piloto brasileiro amigo
de Thomas de Sancha, que vivia na Inglaterra. Já sobre este “Club”, realmente
existia na época da Segunda Guerra um estabelecimento com este nome. Era o “The
Embassy Club”, localizado na Bond Street, na região londrina do West End e sua
maior frequência era de oficiais. Ver – http://www.formerdays.com/2011/07/nightlife-in-london-blackout.html
[3] O londrino Henry
Roy, ou Henry Lipman, foi o líder do grupo musical Harry Roy’s Tiger
Ragamuffins e conhecido clarinetista. Na sua biografia existente no site
Wikipédia, temos a informação que ele tocava no “The Embassy Club” em 1942. Ver
– http://en.wikipedia.org/wiki/Harry_Roy
[4] Este comité foi uma
instituição criada para apoiar filhos de famílias britânicas nascidos na
Argentina, que decidiram seguir para as Ilhas Britânicas e lutar contra alemães
e italianos. Cerca de 500 a 600 destas pessoas decidiram se juntar à RAF como
voluntários, ou via Canadá, na RCAF – Royal Canadian Air Force e alguns eram
argentinos que não descendiam de ingleses. Estes voaram com britânicos,
canadenses, poloneses, tcheco-eslovacos, franceses e outros aviadores de muitas
outras nações sob a bandeira do Reino Unido. Eram tentas pessoas vindos da
Argentina que os britânicos criaram uma esquadrilha só deles. Este foi o 164
Squadron, cujo lema oficial era “Firmes Volamos” (escrito em castelhano). Para
melhor entender a questão não podemos esquecer que durante o período de 1939 –
1945, a República da Argentina manteve uma política de oposição aos interesses
de os Estados Unidos e seus aliados, tendo declarado simpatia para com a
Alemanha e Itália. No entanto, desde o início do conflito, por causa do
bloqueio de todo o comércio marítimo para os países do Eixo, a Argentina foi
incapaz de manter seus laços comerciais com Roma e Berlim. Nestas circunstâncias
continuou com negociações comerciais com os Estados Unidos e seus aliados,
especialmente a Grã-Bretanha, que dependia de suprimentos de carne que partiam
da Argentina para alimentar sua população. Mais sobre o tema veja a reportagem
televisiva “Fuimos Heroes” (em castelhano) https://www.youtube.com/watch?v=pJVxzgfHiBs
[5] Foi no “Diário da
Noite” que o dramaturgo Nelson Rodrigues escreveu folhetins usando o
pseudônimo de Susana Flag. O jornal funcionava no famoso Edifício da
Noite, construído pelo próprio jornal, na Praça Mauá, nº 7, onde sempre
funcionaram, no último andar, os estúdios da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Postado em Brasil, História, Segunda Guerra Mundial
Alemanha, alemães, Assis
Chateaubriand, Basilios
Michael Vassiliades, Batalha da
Inglaterra, Brasil,
Comité
do Rio de La Plata, Cyril Talalla,
Diário da
Noite, Diários
Associados, Espanha,
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Britânicas, Ilhas
Canárias, ITALIANOS,
Itália, Lockheed Hudson,
Luiz de
Souza Pereira, Manuel
Chaves Nogales, Maranhão,
Messerschmitt,
Montevideo, RAF, Royal Air Force,
Royal Navy, Segunda
Guerra Mundial, Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), Spitfires, The
Atlantic-Pacific Press Agency, The Embassy
Club, Thomas
de Sancha, Uruguai.
Extraído
do blog: Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand
Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/2014/04/06/um-legitimo-piloto-brasileiro-na-raf-fato-ou-mito/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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