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terça-feira, 2 de agosto de 2016

DRA. LALY CARNEIRO MEIGNAN

Por Cid Augusto e Luis Juetê

Maria Laly Carneiro Meignan, 64, nasceu na cidade de Mossoró. Há mais de 30 anos reside em Paris, onde casou-se com um conde francês, mãe de três filhos, sendo duas mulheres e um homem, inclusive uma das suas filhas é atriz bastante conceituada na França, e há seis anos atua em uma minissérie dedicada ao público jovem, além de ter atuado em vários filmes veiculados na Europa.


Dra. Laly, que atualmente é diretora de Neurorreanimação do Hospital Sainte-Anne-Paris, é uma das mais conceituadas neurocirurgiãs da França, tendo sido citada em várias publicações científicas da Europa, além de ter cravado o nome de Mossoró no livro "Who`s Who in the World", tradução: "Quem é Quem no Mundo".


Filha de José Benevides Carneiro e Luiza Amélia Gregório Carneiro, dra. Laly é descendente direta da família Benevides Carneiro da cidade de Caraúbas, mas quanto a esse assunto, ela preferiu não declinar nenhum comentário, apenas confirmar a ligação familiar.


Dra. Laly Carneiro esteve recentemente na capital do Estado realizando trabalho de consultoria a hospitais da rede pública. Mesmo com a agenda bastante atribulada, ela dispôs de um tempo para nos conceder uma interessante entrevista onde fala sobre o perfil dos médicos do Estado, além de toda sua trajetória de jovem estudante de medicina da UFRN, presa política até chegar a PhD em neurorreanimação.


O Mossoroense – Pelo menos essa vez a senhora esteve em Natal, mas não veio a Mossoró, sua terra-natal. Alguma mágoa, ou as raízes desprenderam-se?


Laly Carneiro – De jeito nenhum. Eu adoro Mossoró, mas não tive convite de Mossoró. Meu tempo aqui foi um pouco curto, mas eu voltarei em dezembro para continuar o trabalho que comecei agora e tenho intenção de ir a Mossoró. Eu não fui convidada para ir a Mossoró, eu fui convidada para vir dar uma consultoria para o Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. Eu sou missionária pela França para dar uma espécie de consultoria sobre o problema das urgências, não só para o Walfredo Gurgel, mas também em outros hospitais da rede pública de uma maneira geral.


OM – Esse trabalho que a senhora veio realizar na capital do Estado, a cidade de Mossoró está incluída na segunda etapa do projeto?

LC – Certamente, porque eu fui convidada a visitar um hospital em Mossoró.


OM – Qual o hospital?

LC – Hospital Regional Tarcísio Maia.

OM – De que maneira a senhora, uma brasileira residente na Europa, vê o desenrolar da guerra entre Estados Unidos e Afeganistão, e suas conseqüências para o mundo, em especial para o Brasil?

LC – Eu acho que o terrorismo é uma coisa terrível e eu o condeno plenamente. Na Europa, nós ficamos sob um clima de vigilância. Mas a minha perspectiva é que este estado de violência termine.


OM – Fale um pouco sobre a sua participação no Movimento Ação Popular.

LC – O Movimento Ação Popular foi um movimento feito no Brasil inteiro com a intenção de fazer, através dos meios democráticos e regulamentares de reformas básicas que Brasil estava precisando.

OM – Quais?

LC – Reformas universitárias, agrárias e tantas outras reformas necessárias para o desenvolvimento do país. Participavam estudantes, professores, intelectuais, além da participação de agricultores e operários do Brasil inteiro.


OM – E quantos processos a senhora respondeu, pelo fato de se opor ao regime de 64? A senhora chegou a ser presa e torturada?

LC - Fui presa sim, e fiquei no 16 RI, em Natal. Eu fui a primeira mulher no Nordeste a ser presa por problemas políticos.


OM – E quanto a processos?

LC – Eu tive três processos. Um na Universidade, um processo do Estado e o processo Militar. Mas eu pedi um habeas corpus no Superior Tribunal Militar no Rio de Janeiro. Com o Ato Institucional, reintegrando os funcionários e as pessoas que foram penalizadas pelo golpe militar, eu fui reintegrada e fui aposentada porque eu era funcionária do Estado. Quanto ao processo da Universidade, eu pude terminar medicina em Natal, antes de ir para a Europa.


OM – Conte-nos sobre os momentos de exílio, as barreiras do idioma, o trabalho?

LC – Foi muito sofrimento, muita solidão. De uma hora para outra eu me vi em um país onde tudo era diferente, o clima, a língua, a maneira de viver e eu sozinha. Não tinha dinheiro, nem tinha nenhuma perspectiva. Eu comecei tudo de novo.


OM – A senhora tinha quantos anos à época?

LC – Eu tinha 26 anos.

OM – É verdade que a senhora precisou formar-se outra vez em medicina?

LC – Justamente. O meu diploma brasileiro não era reconhecido pelas autoridades universitárias francesas e eu tive que recomeçar tudo, pelo vestibular.


OM – Como a senhora é casada com um conde, certamente é uma condessa, mas fale-nos como foi que a senhora conheceu o seu marido.

LC - Eu conheci pouco tempo depois que eu cheguei na França, através de amigos latino-americanos que procuravam um lugar para ficar, um quarto. E ele tinha um apartamento e assim acabamos nos conhecendo. Eu o conheci em 66 e nós nos casamos em 67.


OM – A senhora sente vontade de voltar a morar no Brasil?

LC – Eu morro de saudade, mas eu tenho filhos, tenho agora um netinho, muito lindo, e eu fico completamente dividida em duas. Eu tenho uma grande responsabilidade na França. Eu participo de movimentos internacionais e eu quando chego aqui no Brasil eu me sinto em casa, mas eu não posso vir para cá definitivamente porque ainda tenho compromissos na universidade e no departamento, onde tem muitas pessoas sob a minha responsabilidade.

OM – O que a senhora pensa de Fernando Henrique Cardoso e o seu governo?

LC – Eu penso que o Brasil entrou em um processo de evolução como tantos países que durante muito tempo eram emergentes, mas não tinha condições econômicas de ultrapassar uma certa fase. Eu acho que esse governo federal participa de uma evolução que é mundial, que é técnica, que é econômica, que é social e eu acho que o Brasil entrou nessa mobilidade, nessa evolução, e eu acho que é formidável. Agora eu acho que tem muitas coisas que eu não estou de acordo. Mas a história não volta atrás, eu acho que a evolução do Brasil é nítida, porque nosso país tem muitas possibilidades.


OM – A esquerda de hoje tem pontos em comum com a esquerda de 64, ou as ideologias deixaram de existir na política brasileira?

LC – Eu acho que o homem ideológico é universal. Hoje, você sabe que não tem esquerda definitiva. A ideologia se democratizou. Existem partidos de esquerda, mas eu acho que o fato de uma democratização dos conhecimentos políticos, o que nós queríamos eu ouço hoje de pessoas que são absolutamente apolíticas. Houve uma democratização dos conhecimentos. Pouco a pouco a ignorância vai dando lugar aos conhecimentos, e com isso vai se tendo uma mudança na mentalidade.

OM – Quais os escritores brasileiros que mais chamam a atenção dos franceses?

LC – Guimarães Rosa, o sociólogo do Nordeste Euclides da Cunha, e atualmente o Paulo Coelho.

OM – De que maneira a senhora classifica a medicina no Estado e de que forma o modelo francês poderia nos trazer de contribuição?

LC – Eu acho que o modelo europeu de uma maneira geral, com suas especialidades. Por causa dessa mundialização, o conhecimento médico científico está ao alcance de todos os médicos que querem ler, estudar e que praticam seriamente a medicina. Eu acho que os médicos do Rio Grande do Norte, os de Natal em particular, porque com esses eu estou convivendo e são de ótima formação e com muita vontade de fazer o melhor.


OM – Em outra oportunidade a senhora declarou-se favorável a eutanásia. Hoje, qual a sua posição quanto a esse assunto? E com relação ao aborto?

LC – São dois assuntos difíceis de tratar porque engajam a ética. Eu sou cristã, sou católica e tenho uma ética médica a seguir, de maneira que para mim é um caso de consciência. A eutanásia tem várias classificações. Existe a eutanásia pacífica, a eutanásia ativa. Minha posição é a seguinte; quando não existe perspectiva de recuperação do paciente, recuperação onde ele seja capaz de recuperar a sua dignidade diante da sociedade e da sua família, que sofre e não tem nenhuma possibilidade de recuperação, eu acho que essa pessoa deve morrer na dignidade.

OM – Na Europa, a medicina está a anos luz de avanço diante da medicina brasileira e principalmente a medicina no Estado e de Mossoró, em particular?

LC – Os meios técnicos são realmente performáticos, mas é uma questão de economia e também uma questão de organização sanitária, regional, nacional. E também, especialização com bastantes performances dos médicos.

OM – Na Holanda, recentemente foi aprovado o uso da canábis ativa, popularmente conhecida como maconha, em pacientes de câncer e Aids. Isso se aplicaria aqui em Mossoró, por exemplo?

LC – Não. Depois houve um estudo científico retrospectivo dessa utilização da maconha nos doentes de câncer que eram altamente dolorosos e chegou-se à conclusão dessa droga, que é considerada droga doce, mas não é. Os doentes apresentavam, depois, sinais de esquizofrenia. Então essa indicação foi abandonada.

OM – A senhora participou do programa ‘De pé no chão também se aprende a ler’ , do ex-prefeito Djalma Maranhão. Quais as lições tiradas daquele momento?

LC – Foi um movimento popular, sobretudo um movimento de educação que era compatível naquele tempo com a pobreza e os desejos de trazer as crianças dos bairros bem pobres à possibilidade de alcançar o alfabetismo.

OM – Qual foi o ano?

LC - E acho que foi por volta de 72 a 74.

OM – A senhora publicou diversos trabalhos em revistas científicas, recebeu comendas importantes, faz parte da Academia Francesa de Ciências, mas é praticamente desconhecida na terra onde nasceu. Isso a incomoda?

LC – Perfeitamente (risos). Incomoda, mas saiba, por favor, que no livro Who’s Who in The World (Quem é Quem no Mundo) o nome de Mossoró está incluído. É um livro único e o nome da cidade que eu nasci está lá e eu sou muito orgulhosa disso.

OM – Com quantos anos a senhora deixou Mossoró?

LC – Com cinco anos de idade. Meu pai tinha intenção de ser seringueiro, mas nós ficamos em Natal porque eu adoeci no caminho. Nós partimos em um caminhão, com outras famílias pobres em direção a Amazônia.

OM – O seu sobrenome tem origem da cidade da família Carneiro de Caraúbas?

LC – Exatamente, aquela família...

Cronologia da condessa Laly Carneiro

1965 – Formou-se em medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Norte.
1966 – Laly Carneiro é auto-exilada na França.
1967 – Conhece um conde francês com quem se casa e automaticamente recebe o título de condessa.
1969 – Foi escolhida assistente substituta no Hospital Bicetre, na França, onde exerce o cargo até 1973.
1975 – Foi nomeada médica responsável pela Unidade de Reanimação do Centro Hospitalar Saint Anne.
1979 – Foi nomeada Chefe do Serviço de Anestesia-Reanimação do Centro Hospitalar Saint Anne.
Títulos e Condecorações
Membro da Academia Européia de Anestesia
Membro da Associação de Neuroanestesia-reanimação de Língua Francesa
Membro da Sociedade Francesa de Anestesia, Analgesia e Reanimação
Membro do Conselho de Administração da Associação Internacional de Anestesia-reanimação de Expressão Francesa
Vice-presidente do Colégio Nacional dos Pacientes Hospitalares em regime de tempo integral dos hospitais não universitários da França
Membro do Who‘s Who In The World (Quem é Quem no Mundo)
Condecorada com a Cruz "Pro Mérito Melitense", da Ordem Militar e Hospitalar de Malta
Considerada medica expert em anestesiologia pela diretoria de farmácia e do medicamento do Ministério da Saúde da França


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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