Por Sálvio Siqueira
A batalha da
Serra Grande, novembro de 1926, deu-se numa elevação geográfica no município de
Calumbi, PE, antes São Serafim, e é considerado o maior entre as Forças
Públicas dos sete Estados por onde o “Rei do Cangaço” estendeu seu reinado
sangrento. O bando de cangaceiros chefiados por Virgolino Ferreira da Silva, o
cangaceiro Lampião. A Batalha da Serra Grande qual se torna, na historiografia
cangaceira, a maior derrota da Força Pública contra bandos de cangaceiros em
toda a História do Fenômeno Social Cangaço, que teve seu princípio nos idos de
1756, com o famigerado Cabeleira, na Zona da Mata pernambucana e seu término no
fim da primeira metade de 1940.
Lampião
preparou o local para o combate, tendo feito ao mesmo tempo, anteriormente,
várias visitas e montado acampamento. Nela, na Serra, ele conhecia onde se
encontravam os ‘tanques naturais’, pias para alguns e ‘caldeirões’ para outros
(buracos enormes, naturais ou feitos pelo homem, nas grandes rochas, lajes,
onde se acumulam água das chuvas e permanecem por vários meses retendo o
líquido precioso num ambiente hostil, desabitado e desértico, servindo de fonte
para os homens e animais daquele habitat, terminando por escolhê-lo para uma
brigada contra as volantes após ter vindo do Juazeiro do Norte, CE, em meados
de 1926 com a patente de capitão do Batalhão Patriótico, força Federal criada
em vários Estados nordestinos para combater os “Revoltosos”, a Coluna Prestes.
Conseguindo formar um grande bando, cerca de 120 homens, mais ou menos, onde,
depois, de algum tempo, ao longo de algumas ‘visitas’, ter mando que fossem
construídas trincheiras de pedras na íngreme elevação da Serra.
Essas
trincheiras foram construídas da seguinte forma: a primeira em um determinado
local, mais no alto, e um pouco fora da linha da primeira, a segunda, mais alto
ainda a terceira... E assim sucessivamente, formando várias barreiras
sucessivas, onde seus homens, ao sair de uma em direção a outra, estavam
protegidos pelas pedras da que deixaram. Diferente dos homens da Força, pois teriam
sempre um campo aberto em a sua frente, sem proteção para seguir com seu
ataque.
Esse “monstro
natural” tem uma elevação enorme. Só tendo acesso fácil por determinada
posição. É nessa embocadura que ele divide seus homens deixando Luiz Pedro com
alguns ‘cabras’ em um determinado local elevado, assim como seu irmão, Antônio
Ferreira, o cangaceiro “Esperança”, com outra parte, em outro, estrategicamente
escolhido, onde do qual poderia socorrer tanto ele e os seus homens, na sua
posição principal, como a “Caititu”, alcunha cangaceira de Luiz Pedro, e os
seus, caso um ou outro ficassem em desvantagem no momento do ‘fogo’.
Lampião tendo
previsto o combate, e escolhido o local, espera pacientemente por uma
oportunidade para realiza-lo. Notamos que a ideia do chefe cangaceiro
concretiza-se depois que ele retorna do Ceará, onde fora receber a patente de
capitão do Batalhão Patriótico, e, principalmente, fardamento, dinheiro e
material bélico, dando aos seus ‘cabras’, maior poder e eficiência de combate.
O “Rei dos Cangaceiros” tinha uma grande ‘rede’ de informantes em todos os setores da sociedade, a qual mantinha a peso de ouro e medo. O ‘medo’ fora uma das armas mais bem usada pelo chefe cangaceiro contra a população civil, e mesmo a militar, para assegurar seus colaboradores ‘colaborando’. Em determinada data do segundo meado de 1926, Virgolino recebe a notícia que na cidade de Triunfo, PE, encontravam-se dois homens que representavam duas companhias importantes dentro do mercado financeiro nacional. Um, Benício Vieira, trabalhava representando a Souza Cruz, fabricante de cigarros e o outro, Pedro Paulo Mineiro Dias, que representava a Standart Oil Company (Distribuidora de Combustíveis ESSO). Pronto, a mosca caiu no mel, aparece à oportunidade que Lampião tanto esperava.
Junto a sua
caterva, Lampião segue para o município de Triunfo, PE, e vai alojar-se na
propriedade rural “Carro Quebrado”, que pertencia a seu protetor major Luca
Donato. Lá chegando, ordena que um de seus homens se ‘desarrei’ por completo,
depois vista roupas de paisana, e vá vigiar os dois homens na cidade serrana.
Assim fez o enviado, e logo depois retorna com a notícia de que os dois
desceram a serra em um automóvel. Já tendo o chefe alertado toda a cabroeira
para que estivesse pronta para tudo, mesmo assim, os ‘cabras’ estavam com os
nervos a flor da pele, principalmente, por a maioria não saber o que iriam
enfrentar.
Lampião tinha
levado parte da sua cabroeira para as terras do sítio Baixio da Carnaúba, e,
quando já se aproximava o ocaso do dia 24 de novembro de 1926, escuta o ronco
do motor de um automóvel. Prepara a emboscada e intercepta o veículo na estrada
que ligava Triunfo a Vila Bela, hoje Serra Talhada, PE.
São pegos os
dois homens. O representante da Souza Cruz, alguns autores assim citam, que
levava consigo uma grande quantia em dinheiro, já o da ESSO, não tinha a mesma
quantia em seu poder. Lampião mantém Pedro Paulo Mineiro Dias como preso e
ordena a Benício Vieira que siga no carro até Vila Bela, procurasse os
comerciantes de lá e arrecadasse a mesma quantia, ou um determinado valor em
‘contos de réis’, que tinha tirado dele para pagar o resgate do amigo, e que
iria esperar por o resgate no sítio Varzinha, onde seria liberado o refém após
receber o dinheiro. Assim o funcionário da Souza Cruz se dispõe a fazer.
Virgolino
Ferreira sabia que assim que Benício vieira chegasse à cidade de Vila Bela e
contasse para todos o que aconteceu, haveria uma movimentação por parte das
autoridades, devido à importância do prisioneiro, do refém ser representante de
uma empresa multinacional. Estudando os acontecimentos políticos do Estado
pernambucano, naquele período, notamos que o governador de Pernambuco, Júlio de
Melo, havia nomeado o major Theófhanes Ferraz Torres como Comandante Geral das
Forças Volantes contra o banditismo no interior do Estado, na região do Pajeú
das Flores e, com certeza, através da sua ‘malha’ de informantes, o “Rei dos
Cangaceiros” estava ciente dessa nomeação, mesmo antes dela acontecer,
tornando-se, segundo o pesquisador/historiador Louro Teles, um
forte motivo para a preparação do embate na encosta da Serra Grande, em
novembro de 1926.
“(...) o
governador Júlio de Melo ( de Pernambuco), iria nomear o major Theófhanes
Ferraz Torres como comandante geral de todas as Forças Volantes em operação no
interior, com a missão de prender ou matar Lampião, o famoso cangaceiro
resolveu se vingar e desmoralizar o comando do major e logo que ele assumiu
esse cargo aconteceu o grande combate da Serra (...).”(“A Grande Batalha de
Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Pg 133. Paulo Afonso,
2017).
Notamos, nesse
princípio de estudos, a forma modificada de Lampião agir. Primeiro, liberando
um dos reféns com a incumbência de arrecadar entre os comerciantes e
autoridades de Vila Bela uma soma muito alta e, segundo, dizendo para o mesmo
onde estaria a esperar o resgate. Na verdade, Vigorlino Ferreira tinha
preparado a vara, amarrado a linha e nessa, o anzol, depois estava, quando
começa cedendo essas informações do local, atirando a isca para ver se a Força
cairia na armadilha.
O
representante da Souza Cruz sai rumo à cidade de Vila Bela, quando, ao mesmo
tempo, Lampião, com o prisioneiro, e seus ‘cabras’ partem em direção contrária,
procurando situar-se no pé da serra do Livramento, onde tinha deixado o
restante do bando acampado e, juntando todos, seguem, deixando vestígios claros
da sua passagem, por vários sítios até chegarem as margens do Rio Pajeú, no
sitio denominado Carnaúba, onde foram vistos pela patriarca do imóvel rural, a
qual conta para seu esposo, Antônio Vitoriano da Silva, e os dois correm e
escondem-se no mato, pois não sabiam se era Volante ou cangaceiro que estavam
chegando.
“(...) No
sítio Carnaúba, as margens do Rio Pajeú, morava o senhor Antônio Vitoriano da
Silva, vulgo Antônio Luzia. Sua mulher Ingrassa estava no terreiro quando
avistou uma tropa atravessando o rio e lhe disse:
- Antoin vem muita gente armada ali. É melhor nós sair de casa, porque não dá para saber se é força ou cangaceiro.
Antônio e a esposa se esconderam no mato e os cangaceiros entraram em sua casa, roubando um par de alpercatas “Xô boi” que estava no torno e também um chapéu de couro e ainda beberam toda água que tinha nos potes (...).” (“A Grande Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Paulo Afonso, 2017)
Após matarem a
sede, o bando segue rumando no sentido determinado pelo chefe, e continuam
caminhando mesmo estando o sol se pondo. Terminam por chegarem num local
chamado Alto dos Prazeres e acampam. Desmontando o acampamento na madrugada,
colocando novamente o pé nas veredas. Aproveitando a escuridão e a frieza da
madrugada, os cangaceiros caminham até chegarem à casa de um ex subdelegado de
Vila Bela, Silvino Liberalino. Silvino tinha sido vítima do “Rei dos
Cangaceiros” no passado, onde tinha tido que pagar uma quantia para escapar.
Dessa vez,
devido à falta de claridade, sem saber de quem se tratava, após notar uma
grande quantidade de homens em frente a sua casa, Liberalino salta para o
terreiro com um rifle nas mãos perguntando quem estava ali. Na pergunta ele diz
querer saber se se trata da Força ou se era Lampião. Um dos homens do bando diz
tratar-se de uma Força e que a mesma estaria à caça do cangaceiro chefe, que
assombrava os rincões do vale do Pajeú das Flores. O infeliz baixou a guarda e,
indo pegar água no pote para dar de beber aos homens que tinham lhe pedido,
coloca a arma em pé escorada na parede, nesse momento, é pego e descobre que está
as voltas com o bando de Virgolino Ferreira.
Na casa, além
do dono, encontrava-se um genro chamado Laurindo, os quais, sogro e genro, são
insultados e agredidos. O bando encontra um bacamarte, juntando as duas armas
as levam, assim como os dois homens são levados prisioneiros. Após terem comido
o que estava preparado partem madrugada a dentro. Logo, logo, Lampião solta
Laurindo e diz a ele que se a Força chegar perguntando por ele, que ele estaria
naquela serra, aponta e mostra a Serra Grande, esperando por ela.
A horda segue
caminho afora, rumo a Serra Grande. Passando na casa do roceiro “Sinhozin
Estevão”, fazem a primeira refeição matinal e, em seguida rumam para a da viúva
de Antônio Estevão onde roubam o que acham ter valor. Ao deixarem a casa da viúva,
já pelo caminho, encontram “Zé Toinho”, meninote contando com seus treze anos,
o prendem e o obrigam a mostrar o caminho para chegarem à casa de Zé de
Esperidião. Ao chegarem bem próximo à casa de Zé, Lampião divide o bando em
três, ordenando que cada grupo fosse a residências de determinadas pessoas,
enquanto ele mesmo seguiu para a casa de Zé.
“(...) Após
localizar a residência o grupo se dividiu, uma parte foi para casa de Braz
Estevão (tio de Zé Toinho), a outra foi para a casa de Agostinho Bezerra e o
restante seguiu indo para o local que havia sido mostrado (...).” ( Ob. Ct.)
Naquele tempo,
muitos daqueles que entraram para o cangaço, fora por questões pessoais e/ou
familiares em busca de vingança, o mesmo, por inúmeras vezes, ocorriam o mesmo
com aqueles que entravam na Volante para combatê-los. Na ocasião, dentre os
cangaceiros de Lampião tinha um de alcunha ‘Jurema’. Esse havia passado a fazer
parte do bando com o objetivo de vingar-se, exatamente, de Zé de Esperidião,
por, há muitos anos atrás, Zé ter matado um parente do mesmo, ‘o velho João da
Serra Negra’.
Na manhã do
dia 25 de novembro de 1926, um dia antes da Batalha da Serra Grande, Zé de
Esperidião tinha vindo a sua casa, pois trabalha desde bastante tempo, em
outras terras de propriedade de Antônio Cazuza, para conhecer seu filho que
contava apenas com sete dias de nascido. Pois bem, a esposa de Zé, dona Rosa
Januária de Lima, estava a cuidar de alguma coisa fora da residência, quando...
de repente, avista alguns homens armados se aproximando da casa. Ela não faz um
cálculo perfeito da quantidade de homens e, achando que eram ‘apenas vinte’,
relata para seu esposo. Zé, homem duro, valente e de sangue no olho, diz não
ter medo nem ‘abrir’ para apenas vinte homens, seu erro fatal.
“(...) Por
volta das 8 horas da manhã, Rosa Januário de Lima, esposa de José, se
pronunciou:
- José, é
melhor tu sair de casa que vem uns 20 homens armados ali!
José
respondeu:
- Eu não tenho
medo de vinte homens não!
Ligeiro pegou o rifle e um revólver, encostou-se ao pé da porta e ficou esperando a aproximação daqueles homens. Próximos do terreiro alguns ficaram esperando e apenas cinco se aproximaram (...).” (Ob. Ct.)
Lampião,
raposa esperta, sabe da valentia a da disposição que Zé de Esperidião possuía.
Conhecia um homem valente só em olhar. Aproxima-se com cautela, seguido por quatro
‘cabras’. O restante da cabroeira ficou no aceiro do terreiro. Lampião, de
andar maneiro, apesar de manco, faz o cumprimento nordestino, dando bom dia e
estirando a mão para o homem que estava a sua frente. Nesse momento, no aperto
de mãos, o cangaceiro Jurema saca de uma arma de fogo curta, uma pistola,
provavelmente, com a intenção de vingar a morte do velho João da Serra Negra,
seu parente. Lampião não só...
CONTINUA...
Fonte Ob. Ct.
Foto Ob. Ct.
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