POR PE. JOÃO MEDEIROS FILHO
Padre Cícero
“É inegável
que o padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma fé
simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi
compreendido e amado por este mesmo povo”. Estas foram palavras do Cardeal
Parolin, no documento de reconciliação do Patriarca do Juazeiro. Datada de 20
de outubro de 2015 (centenário da diocese do Crato), a carta foi enviada a Dom
Fernando Panico, pelo Secretário de Estado do Vaticano, em nome do Sumo
Pontífice. Recorda a incansável missão do padre Cícero no Nordeste e sua
dedicação aos pobres e sofridos. Suas virtudes eram bem maiores que as
limitações, sua fé e amor a Cristo suplantavam suas falhas, a misericórdia
divina transbordava em seus atos e palavras. Daí, o reconhecimento do povo de
Deus, que sempre o venerou ao longo do tempo, apesar da proibição da hierarquia
eclesiástica, passados mais de oitenta anos de sua morte. Somos de um tempo, em
que não podíamos batizar as crianças com o nome de Cícero. Não raro, tínhamos
problemas na pia batismal. Por ordem das autoridades diocesanas, devíamos
acrescentar um prenome (José, Francisco, Antônio, Manuel etc.) a Cícero.
Em 1964, Dom
José de Medeiros Delgado, então arcebispo de Fortaleza, lançou o movimento pela
reabilitação de Padre Cícero. Constituiu uma comissão composta dos padres
Azarias Sobreira, pesquisador e escritor, Murilo de Sá Barreto, pároco de
Juazeiro e os sociólogos: Francisco Cartaxo Rolim, frade dominicano e Eugênio
Collard, professor da Universidade de Louvain (este último serviu à
arquidiocese de Natal, durante três anos), auxiliados pelos historiadores Luís
Sucupira e Renato Cassimiro. Tal equipe tinha como missão estudar o fenômeno do
Juazeiro. O próprio dom Delgado dedicou-se à pesquisa e levantou a tese de que
Padre Cícero “foi um incompreendido e mártir da disciplina eclesiástica”. O
resultado de suas buscas consta de dois trabalhos publicados com os títulos:
“Juazeiro, Padre Cícero e Canindé” e “Padre Cícero, o mártir da disciplina”,
editados respectivamente em 1968 e 1970. O segundo tinha o intuito de comemorar
o centenário da ordenação do “Santo do Juazeiro”. A partir desses
levantamentos, começaram a aparecer estudos mais documentados, objetivos, menos
apologéticos e negativos, dentre os quais podemos destacar: a acurada pesquisa
do Monsenhor Sobreira “O Patriarca do Juazeiro” e a tese doutoral do
brasilianista Ralph della Cava, intitulada “O milagre em Juazeiro”, defendida
na Universidade de Columbia. Não é menos importante a dissertação de mestrado
da Professora Luitgarde Cavalcanti Barros, apresentada à USP, que resultou numa
valiosa obra: “Um estudo do movimento religioso de Juazeiro do Norte”. Padre
Cícero não foi um teólogo, ideólogo, cientista político, filósofo, intelectual
etc. Era, sim, um pastor do seu tempo sensibilizado com os problemas humanos e
sociais de seus irmãos na fé. Não podemos nem devemos ideologizar as ações e o
pensamento do venerável patriarca. É preciso fazer a leitura dos fatos e ver o
personagem com os olhos da época e dentro do agir da Igreja do seu tempo.
Uma carta de
padre Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva (que veio a ser o primeiro bispo
do Crato) a Dom Joaquim José Vieira, datada de 01 de julho de 1903, deu novo
rumo às pesquisas. Assim lemos no documento: “Tenho a honra de comunicar a V.
Exª Revma. que levei ao conhecimento do Revmo. Padre Cícero Romão Batista o
ofício de V. Exª. mandando aquele sacerdote suspender as obras da capela que
estava construindo perto da povoação do Juazeiro e ele me respondeu que obedeceria
prontamente a V. Exª, suspendendo o serviço, o que efetivamente fez”. Era a
prova inconteste do espírito de obediência do Patriarca do Juazeiro, vítima de
idiossincrasias, intrigas políticas e “invidia clericalis”. Segundo dom
Delgado, um dos motivos de controvérsias, contribuindo para a exclusão de Padre
Cícero, foi o seu desejo de criar uma diocese, no sul do Ceará, cuja sede não
seria no Crato. Dom Delgado chegou a propor à Nunciatura Apostólica a ereção de
uma prelazia eclesiástica na cidade de Juazeiro.
O Papa
Francisco não apenas reabilitou – tratando da recuperação das ordens sacras que
estavam suspensas – mas também o reconciliou, anulando qualquer oposição à ação
pastoral de padre Cícero. Esta decisão reconhece como autênticas manifestações
de fé cristã as romarias e devoção ao “Santo do Juazeiro”, possibilitando,
deste modo, maior aproximação dos romeiros com a Igreja Católica. Para os
devotos do Patriarca do Cariri, nada mais confortador. Neste tempo, conturbado
por agruras, seca, problemas de toda espécie, a reabilitação de Padre Cícero é
uma brisa do céu, um mimo e afago do Sumo Pontífice a nos mostrar a face da
ternura de Deus. Assim se expressa o Papa Francisco: “A atitude do padre Cícero
em acolher a todos, especialmente os pobres e sofredores, aconselhando-os e
abençoando-os, constitui sem dúvida, num sinal importante e atual” daquilo que
deve ser a Igreja, sacramento da misericórdia divina.
Fonte: www.tribunadonorte.com.br
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário