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domingo, 25 de fevereiro de 2018

ORDENHA MANUAL DAS VACAS NA FAZENDA ARACATI


Por Benedito Vasconcelos Mendes

À tardinha, o sol se pondo, as vacas de leite com seus bezerros chegavam do pasto, para dormir no pátio da casa-grande. Os bezerros eram enchiqueirados em um curral de pau a pique, vizinho ao grande curral de carnaubeiras deitadas. Quando eu ia dormir, noite alta, o badalar ritmado dos chocalhos e o mugido das vacas paridas, soavam aos meus ouvidos, como cantigas de ninar. O cheiro do mato verde e do curral, aromatizavam o ambiente. Ao amanhecer o dia, no raiar do sol, os quatros vaqueiros da fazenda se preparavam para ordenhar manualmente as vacas. Cada vaqueiro, depois de lavar as mãos com sabão da terra (sabão preto), pegava seu banquinho de madeira, o arrelhador de prender o bezerro na pata dianteira da vaca, o relho de amarrar  as patas traseiras da vaca e uma das grandes cuias de cabaça, para receber o leite ordenhado. O gado  azebuado exige que a ordenha seja feita com o bezerro preso à vaca, em contato físico com ela. As raças europeias, como a holandesa, pardo-suíça, jérsei e outras, não exigem a presença do bezerro para ser ordenhada. O  vaqueiro colocava  um certo número de vacas para dentro do curral e depois iam botando, um por um, os bezerros para junto da mãe. O bezerro, ao entrar no curral, ia logo ao encontro de sua mãe, para mamar. O ordenhador forçava o bezerro a trocar de teta, fazendo com que ele apojasse os quatro peitos da  vaca. Para acalmar e evitar que a vaca  escondesse o leite, o ordenhador passava a mão sobre ela, chamando seu nome. Elas obedeciam quando chamadas pelo nome. Cada vaca  tinha um nome: Esperança, Sabiá, Lavradinha, Maracujá, Pretinha e muitos outros. As vacas mais ariscas tinham as patas traseiras amarradas, para evitar coices no vaqueiro. Depois de arrelhar o bezerro (prender o pescoço do bezerro na pata dianteira da vaca), o vaqueiro se sentava no seu banquinho de tirar leite e começava a ordenhar a vaca. Todos os quatro vaqueiros da Fazenda Aracati tinham habilidade para tirar leite com as duas mãos,  de maneira sincronizada. Quando a cuia enchia, o leite com espuma era despejado nas latas de 20 litros (vasilhame de querosene), que estavam enfileiradas sobre um robusto jirau de pau-branco, localizado fora do curral. Para despejar o leite na lata, era necessário subir em uma tosca e pequena escada de 5 degraus, presa às carnaubeiras do curral. Ao despejar o leite na lata, o mesmo era coado em um pano de algodãozinho.

Quando estávamos passando férias escolares na Fazenda Aracati, todos os dias, eu e minhas irmãs íamos tomar leite mugido na porteira do curral. Subíamos nos paus roliços da porteira e escolhíamos a vaca para nos fornecer o leite. A ordenha terminava com o sol já alto, oportunidade em que meu avô, com os demais membros da família, iam tomar o café da manhã. De pé, na cabeceira da grande mesa, meu avô fazia um rápido agradecimento a Deus, pelo alimento que íamos consumir. Coalhada adoçada com raspa de rapadura; cuscuz de milho com leite e carne assada; tapioca de goma de mandioca, com manteiga da terra e queijo de coalho e café com leite faziam parte da farta e saborosa refeição matinal. O café era torrado em casa, em um caco de barro, sobre a trempe do fogão à lenha, com os grãos de café misturados com rapadura. Quando a pasta preta (grãos de café com rapadura) esfriava, a mistura ficava sólida e quebradiça e era pilada no pilão de aroeira. Após o café, minha avó ia para a ampla cozinha, comandar a feitura  de queijo de coalho, manteiga da terra, doce de leite feito com rapadura, coalhada e nata. O doce de leite era escuro e muito gostoso.

Concomitante com a ordenha das vacas, as mulheres dos vaqueiros iam, munidas com uma cuité, para o chiqueiro tirar leite das cabras, para ser usado na alimentação de suas famílias. As mulheres dos vaqueiros que tinham poucos filhos faziam queijo de cabra para vender. Na ordenha das cabras, quando a cuité enchia, o leite era despejado e coado em um pano branco em uma panela.

Depois de tirar o leite das vacas, cada vaqueiro levava para casa, pendurados nos dedos,  dois litros de vidro, cheios de leite de vaca. Cada vasilhame de vidro tinha um barbante amarrado no gogó, formando uma alça, para facilitar ser transportado.
                                      
As vacas recém-paridas tinham seu leite esgotado, para facilitar o bezerrinho mamar e evitar mastite, pois os peitos e o úbere ficavam inchados, o que dificultava a amamentação do recém-nascido. Geralmente, vacas paridas ficam valentes e não permitem que ninguém se aproxime de seu filho. Para esgotar o úbere era necessário laçar a vaca e amarrar as patas traseiras. O colostro era dado para os cachorros da fazenda (cachorros de pegar boi). A ordenha manual de vacas é um trabalho cansativo, que exige prática, destemor e paciência.

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes.

http://blogodmendesemendes.blogspot.com

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