Seguidores

quinta-feira, 28 de junho de 2018

HISTÓRIA DOS VOLANTES MAJOR OPTATO GUEIROS

Por David Gueiros Vieira 

Optato Gueiros era filho do delegado de polícia e alferes da Guarda Nacional João da Silva Gueiros, e de sua primeira mulher, Rita Cavalero. Nasceu em Garanhuns, no dia 2 de março de 1894. Cumpre talvez lembrar: nasceu dois meses antes da chegada de  Henry Jonh McCall, missionário calvinista escocês, que naquele mesmo ano converteu quase toda família Gueiros ao Evangelho. Não se sabe onde Optato Gueiros estudou.

Como filho de evangélicos, deve ter começado seus estudos em 1900, aos seis anos de idade, na escolinha paroquial da Igreja Presbiteriana de Garanhuns, fundada e conduzida por Martinho de Oliveira. Provavelmente continuou os estudos em Belém do Pará, para onde seu pai João da Silva Gueiros se mudara, em 1908. Sua educação não deve ter ido além do nível secundário, se tanto. Sem dúvida era um autodidata. Escrevia relativamente bem e era versado em assuntos de história, filosofia e direito, sem falar do seu conhecimento da Bíblia, lida diariamente "em inglês", assim assevera seu velho companheiro de lutas, o tenente Davi Gomes Jurubeba.

Seguindo a profissão do pai, sentou praça na polícia pernambucana, como soldado raso, como se fazia naqueles dias, antes de haver escola para preparação de oficiais. Galgou todos os níveis: de soldado raso a major. Sua carreira militar poderia ser melhor apreciada através dos documentos por ele guardados, se  esses ainda existissem. Parte dessa documentação cheguei a examinar, na minha juventude, pois o filho dele, João Gueiros Neto - meu colega no Colégio 15 de Novembro, em Garanhuns, Pernambuco - levava para a escola relatórios, documentos e fotografias do pai famoso, a fim de mostrá-los aos amigos.

Com a morte do major Optato, toda essa documentação ficara sob a tutela de uma de suas filhas, Zita Souza Gueiros, casada com um primo, o pastor Uziel Furtado Gueiros. Infelizmente esses documentos foram perdidos na grande cheia do Recife, em 1966.

Por falta de subsídios documentais, restou-me pinçar os eventos da vida do major Optato Gueiros através do seu livro de memórias; das poucas informações que seus descendentes ainda guardam de sua vida; e dos eventos guardados em minha própria memória. Foram também de grande auxílio neste trabalho as entrevistas que mantive por dois dias com o tenente Davi Gomes Jurubeba, em dezembro de 1999. Fui levado até Serra Talhada pelo filho dele, Olímpio Jurubeba. Davi Jurubeba, várias vezes citado no livro de Optato, vivia em Serra talhada - tendo completado 97 anos em janeiro de 2000. Na época, já cego de cataratas, no entanto era ainda pessoa de saúde admirável e de memória invejável, especialmente para assuntos do passado longínquo.

Não se sabe em que data Optato Gueiros "sentou praça" na polícia pernambucana. Sabe-se apenas que aos 27 anos de idade, em 1921, ele já era sargento. Em 1930, com 36 anos, casou-se com Maria Estela de Souza "Liquinha", sua parenta, nascida e criada na Fazenda da Barra, perto de Triunfo, Pernambuco. A noiva tinha doze anos de idade.

De acordo com os boatos familiares, ela trouxera consigo não apenas a babá, mas também suas bonecas de estimação. Evidentemente, esse não foi um casamento feliz, pois mais tarde vamos encontrar o major Optato Gueiros debatendo-se com grande fervor pelo divórcio no Brasil, através de um livreto de 78 páginas, de sua autoria, intitulado O Divórcio, a Igreja e o Estado (verdades nuas e cruas), publicado em São Paulo, em 1954. Aparentava lutar, em causa própria, em favor da aprovação do divórcio no Brasil.

Como militar, enfrentou cangaceiros do tipo Lampião; os jagunços de José Lourenço e Severino Tavares; os revolucionários da coluna Prestes; os revolucionários liberais de 1930 - aos quais mais tarde ele se irmanaria - e a rebelião paulista de 1932. Mais ainda, muitas vezes foi obrigado a enfrentar os próprios homens da volante pernambucana, a quem chamou de "verdadeiras feras".

Eventualmente converteu-se ao Evangelho, e daí em diante passou a atuar como pregador leigo junto aos seus próprios soldados, bem como aos sertanejos nas caatingas. No entanto, assim nos conta Davi Jurubeba, Optato Gueiros, no começo de sua carreira, fora um grande farrista, não se comportando de acordo com as regras de vida geralmente seguidas pelos evangélicos. Pelos anos de 1928 ou 1930 - Jurubeba não conseguiu precisar a data - Optato converteu-se ao Evangelho, tendo então completamente mudado de vida.

A partir de então, vestindo o "uniforme" de couro das forças volantes pernambucanas, e com cartucheira, pistola  e punhal  ao cinto, lia a Bíblia e pregava o Evangelho nas ruas de Serra Talhada e outras cidades sertanejas. A razão da mencionada indumentária talvez tenha sido porque, como oficial das forças volantes não podia se desarmar, sem correr o risco de ser morto por algum bandido, razão pela qual mantinha as armas à mão em todos os momentos. Mais ainda, o clima antiprotestante no sertão era tão violento, que os  missionários evangélicos às vezes sequer podiam apear-se de seus cavalos, e já eram expulsos das cidades. Ninguém porém, jamais teve coragem ou ousadia de tentar expulsar Optato Gueiros de lugar algum, por pregar o Evangelho. Coisas da época.

Conta ainda Jurubeba que, na caatinga, cada vez que a tropa parava para repousar, Optato sentava-se "debaixo de um pé de pau" e lia a Bíblia em Inglês. Isso mesmo, "em inglês", afirmou Jurubeba. Ao ser inquerido pelo amigo Jurubeba a razão pela qual ele não mais farreava, como nos primeiros tempos, Optato explicava que no começo de sua carreira não fora realmente evangélico, mas apenas um "simpatizante" da causa. "Isso era estranho para mim", afirmou Jurubeba, "porque antigamente, quando Optato bebia, era um homem perigoso. Topava qualquer um. Isso no tempo antigo. Bebia cachaça e comia pimenta malagueta com farinha e um pedaço de carne  assada. Morreu de tanta pimenta que comeu, e sabia disso", concluiu o ex-companheiro de Optato.

Relatando maiores detalhes da profunda mudança ocorrida na pessoa de Optato Gueiros, após sua conversão, Jurubeba afirmou: "O que me lembro especialmente de Optato foi a batalha com Lampião, na Fazenda Caraíbas,. Optato recusou matar as pessoas, e atirava para o ar, só para espantar. Mas disse aos meninos nazarenos que matassem se quisessem, mas que ele não ia matar ninguém. Isso foi em 1928, eu creio. Isso era coisa estranha para mim, porque antigamente, quando Optato bebia, era um homem perigoso."

Símile ao seu tio Antônio Gueiros, Optato era um dentista do tipo tira-dentes, e "médico" da população sertaneja. "Uma coisa lembro bem dele", afirmou Davi Jurubeba, "é que ele era também doutor raizeiro. Por onde andava, nos vários postos que teve, sempre levava um montão de garrafas  e panelas, nas quais cozinhava e preparava suas garrafadas de cascas de pau e raízes, que apanhava na caatinga. E muita gente comprava as garrafadas dele".

Por amar o Sertão, e nele sentir-se "em casa", bem como por  também amar as batalhas com o banditismo, seu serviço militar, naquela região, foi todo voluntário. As forças volantes eram todas compostas por voluntários. Por terem escolhido esse tipo de serviço, tanto os oficiais quanto os soldados eram obrigados a pagar pelo seu próprio transporte do Recife até o sertão, e mesmo de um posto de serviço para o outro, um absurdo, evidentemente.  Escreveu Optato: "Viajei muitas vezes a pé, de  Vila Bela a Rio Branco e vice-versa. Houve tempo em que  as nossas próprias passagens pagávamos no trem, sob alegação de que era nosso gosto preferir o sertão à capital; não íamos contra a vontade, então 'pague seu transporte'."

Como não havia meios de transporte no sertão, e o Estado nem sempre provia montarias para os soldados. Frequentemente as volantes locomoviam-se a pé, por dezenas de quilômetros ao dia, às vezes até mesmo os oficiais tinham de caminhar. Quando tinham de  correr atrás de bandidos, então requisitavam cavalos ou mulas da redondeza, se os encontrassem. Porém o meio de transporte mais comumente utilizado era mesmo caminhar. Usavam mulas ou cavalos apenas para transportar os apetrechos militares, munição e comida.

O acima pessoalmente constatei, em 1937 ou 1938, quando pela primeira vez vi um pelotão de tropas volantes de Pernambuco, comandadas por Optato Gueiros. Vinha a pé, e tinha marchado os 75 km de Águas Belas a Garanhuns. Entrara na então poeirenta cidade de Garanhuns tão garbosamente quanto possível. Os soldados calçavam alpercatas e vestiam roupas de couro, trazendo ainda pistolas à cintura, bandoleiras cruzadas e fuzis aos ombros.

Os únicos cavalos que possuíam vinham atrás, carregando a matalotagem da  tropa. A poeira levantava pelas alpercatas ia ficando para trás, enquanto o povo nas ruas observava os soldados, silenciosa e, talvez, amedrontadamente. Parecia mesmo um grande grupo de cangaceiros invadindo a cidade.


Contava meu pai ter sido o próprio Optato Gueiros, quando ainda no início de carreira, quem se debatera pela necessidade da volante vestir-se com roupas de couro, como os vaqueiros sertanejos. Argumentava ser uma possibilidade os policiais embrenharem-se pela caatinga, no meio da vegetação xerofílica, do tipo "rasga bode", vestindo fardas de cáqui.

Os soldados da volante, em geral, comiam uma vez por dia apenas. Isso porque as tropas volantes, em consonância com sua denominação, estavam quase sempre se movimentando, e não havia como parar, a fim de comer três refeições por dia. Por essa razão, em geral comiam apenas à tarde, ou tardinha, um "jantar" bem reforçado. Essa refeição reforçada os deveria sustentar por vinte e quatro horas. Isso explicou Jurubeba, quando tinham tempo de parar e comer. O mais das vezes, quando estavam correndo atrás de bandidos, nem sempre tinham tempo de comer, de modo que às vezes passavam dias sem se alimentar regularmente, "chegando até mesmo a enfraquecer de tanta fome".

Contava a professora Noêmi Gueiros Vieira, prima irmã de Optato Gueiros, que quando este se converteu ao Evangelho, fez uma visita ao tio Antônio Gueiros, pastor da Igreja Presbiteriana de Garanhuns, a fim de alegremente comunicar-lhe esse fato auspicioso. Após uma longa visita - e quando o sobrinho já tinha ido embora - o pastor Antônio Gueiros chamou a mulher e disse: "Maroca, estamos muito mal. Optato contou-me que se converteu. Vai sair por aí dizendo que é crente. Que tipo de crente será ele? Espero que não nos envergonhe".

A razão para essa dúvida, explicou Jurubeba, era válida. A princípio, Optato fora "uma pessoa muito violenta e perigosa". Bebia muito. Fazia grandes farras, quando se tornava mais violento ainda. Porém, após ter-se convertido, mudou completamente e transformou-se em pessoa pacífica, a ponto de recusar a atirar nos bandidos quando estava em batalha. Atirava ao esmo, ainda que desse ordens aos soldados para atirar e matar. Ele mesmo, anteriormente, matara o corneteiro de Lampião com um tiro na cabeça, e depois dera um tiro no próprio Lampião, quando este fugia, chegando a traspassá-lo com uma bala de fuzil, ferindo-o pelas costas. Afirma ainda Jurubeba que, quando Lampião morreu foi constatado que ele levara um tiro que o trespassara e ninguém sabia explicar como o cangaceiro sobrevivera àquele tiro.

As atividades de Optato como "doutor raizeiro", e dentista do tipo tiradentes, são as mais folclóricas de sua vida. Sempre o conheci como "raizeiro", como o chamou Davi Jurubeba, pois quando visitava seu tio Antônio Gueiros trazia garrafadas, preparadas por ele mesmo, com aquelas misteriosas raízes e folhas do sertão, as quais receitava para tudo: nevralgia, dor de dentes, dor de barriga, "mal do fígado", fraqueza, "espinhela caída", vermes, e outra enfermidades mais.

Em 1923, quando da passagem da Coluna Prestes por Pernambuco, em um dado momento, no lusco-fusco da tardinha, Optato Gueiros avançou com alguns soldados, buscando prender dois revoltosos. Deu-se então conta ter penetrado no acampamento de um batalhão da coluna, onde já se acendiam fogueiras para preparar a refeição noturna. "Vimos então que estávamos perdidos", escreveu ele. Pulamos dos cavalos e fizemos fogo para todo lado. Houve a maior confusão no meio dos rebeldes e da mesma forma fomos tratados com tiros à queima roupa. Conseguimos sair daquela situação, encontrando pela frente, pela direita e pela esquerda.

Após 25 anos de batalhas e lutas, a carreira de Optato Gueiros terminou da maneira mais prosaica possível. Nos próximos 10 anos, durante a década de 1940, passou algum tempo como delegado em Garanhuns, tendo depois ido para Caruaru, onde, após alguns anos de serviço, foi reformado.

Há várias histórias bem folclóricas sobre sua atuação em Caruaru, inclusive um enfrentamento que teria tido com o famoso Frei Damião. De acordo com as informações obtidas, o frade teria criado um complô e movimento popular, para física e violentamente expulsar os protestantes daquela cidade. A estória, como contada pelos netos de Optato Gueiros, é que o major teria dado até meio dia para o frade sair da cidade, ou seria preso, por perturbar a ordem pública. Frei Damião, afirmaram meus informantes, conhecendo a reputação do major delegado, imediatamente mudara-se para o interior do sertão, onde as autoridades, tando as religiosas quanto as policiais,  não interfeririam com ele. Não sei se essa história é verídica.

Após 35 anos de vida militar, foi reformado, em 1950, por ato do governador José de Barbosa Lima Sobrinho, cuja eleição fora duramente contestada por Nehemias e Esdras Gueiros, advogados da  UDN. A reforma de Optato não foi uma reforma. Foi uma punição sem dúvida por ser ele primo dos inimigos do governador. Foi reformado no posto de major, e não de tenente-coronel, como deveria ter sido, de acordo com a prática militar. Essa reforma seria questionada, em 1989, pelo jornalista do Jornal do Commercio, de Pernambuco, Hélio Alencar Monteiro. Esse jornalista era filho do oficial da polícia pernambucana Plínio Monteiro, companheiro de Optato Gueiros, em 1938, em Pau de Colher. Perguntava o jornalista por que ocorrera tal ato de reforma, ferindo tão frontalmente a prática militar. Apelava então para o governador Miguel Arraes, pedindo ao mesmo corrigir tal injustiça (Monteiro, 1989).

Morreu Optato Gueiros no Recife, em 1957, com 63 anos de idade. Porém antes de sua morte, esse guerreiro, que fora presbiteriano na juventude, tornara-se pentecostal. Consta ter-se convertido ao pentecostalismo, quando visitava uma irmã pentecostal, Clotilde Gueiros Cativo, residente em Belém do Pará.

Tornou-se então uma espécie de missionário entre os parentes, indo de um por um, tentando convencê-los de que o pentecostalismo era a verdadeira Igreja primitiva de Jesus Cristo. Fez uma viagem ao Rio de Janeiro, unicamente para pregar o pentecostalismo às irmãs - Rina, Sidrônia e Mirob - ali residentes, que aceitaram sua mensagem, tornando-se também pentecostais.

Debilitado pela  vida de privações enfrentadas nas caatingas, e depois de longa enfermidade - varado de úlceras estomacais - veio a falecer em três de março de 1957. Sua morte, ocorrida em casa,  foi presenciada por sua filha Abzag Souza Gueiros. O valente caçador de cangaceiros e beatos guerreiros exclamou em seus últimos momentos estar vendo, ao lado da sua cama, "dois varões vestidos de branco", chamando-o para uma viagem, tendo então exclamado: "esperem, vou com os senhores, vou com os senhores". Tentou levantar-se, para segui-los, vindo então a falecer. Curiosa morte, de um tão valente caçador de bandidos dos Sertões Nordestinos.

Fonte:
Vieira, David Gueiros, 1929
Trajetória de uma família:
História da Família Gueiros/ David G. Vieira - Brasília, 1ª edição
2008. 622 p.

Pesquei no Blog do Anchieta

Já eu pesquei no blog do pesquisador Kiko Monteiro: 

http://lampiaoaceso.blogspot.com/2018/06/historia-dos-volantes.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário