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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

“LAMPIÃO ERA UM INFELIZ, UM CÃO”

Virgolino Ferreira da Silva o Lampião
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2016_07_11_archive.html 

Uma delas, aos 87 anos, nascida em Jeremoabo, até hoje teme represálias dos bandidos. Nascida em Jeremoabo, em uma família influente, considera Lampião “um infeliz que só fazia o mal”, pede para não ser identificada. Vale lembrar que Jeremoabo era a terra do coronel João Sá, um dos principais coiteiros de Virgulino.

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Em suas lembranças, histórias de crimes pavorosos, o julgamento do cangaceiro Labareda e o dia em que sua tia foi retida por dois bandoleiros.


O outro depoimento é de Elisangela Maria de Ribeira do Amparo. Ela conta como os pais de seu avô reagiram ao saber que Lampião estava próximo. A reação inusitada mostra como as pessoas sofriam no sertão só de ouvir falar o nome do cangaceiro.

E.O, 87 ANOS, DE JEREMOABO

“Eu era menina. A cidade vivia apavorada, todo mundo estava assombrado. Lampião e seu bando passaram pela Fazenda Almêcega e exigiu muito dinheiro do proprietário, Manoel Salina, ameaçando-o arrancar a língua dele se não recebesse o que queria. Manoel pagou e mandou avisar Jeremoabo que o cangaceiro estava próximo.

Tempos depois, Lampião voltou e pediu mais dinheiro. Seu Manoel não tinha toda a quantia e foi ameaçado de morte com a família. Resolveu vir para Jeremoabo (a fazenda Almêcega ficava a 18 km da cidade e tinha um grande contingente de volantes) depois que Ângelo Roque, o Labareda, cangaceiro nascido aqui na região, avisou que era melhor todo mundo sair porque seu chefe ia matar a todos.

Passou um tempo e Manoel, em dificuldades financeiras, reuniu cinco filhos, três sobrinhos e quatro vizinhos para colher a mandioca de suas terras rapidamente. Alguém avisou Lampião. Esse bandido foi na fazenda e matou cinco pessoas, diante de seu Manoel.

Um dos filhos, que estava no telhado, ao ver a família ser assassinada fugiu pelo mato e foi até Jeremoabo pedir ajuda. Duas filhas do fazendeiro também escaparam.

Lampião ainda mata três vizinhos de Manoel. Terminada a chacina, manda atear fogo em tudo o que ali existia. Pega Salina e corta suas orelhas, castra-o, arranca-lhe unhas, lhe fura os olhos e segue com ele para a casa de seu outro filho, o vaqueiro Ulisses, em uma fazenda próxima. Lá, mata o rapaz e Manoel, que tem o coração arrancado e deixado ao lado do corpo.

Lampião era um bandido miserável, que desassossegou todo mundo, esbagaçou com tudo. Passou pela Bahia em 1928 e ficou dez anos “infernando”. Se alguém tivesse que viajar, rezava pedindo para São João para voltar a salvo.

Um infeliz desse no sertão só fazia o mal. Na minha opinião, um bandido miserável que destruiu muita coisa, destruiu famílias, propriedades, gado lindo.

Meu avô contava que o coronel Pedro não seguiu os caprichos de Lampião e ele tocou fogo no curral  com o gado dentro. Gostei quando a família não deixou botar um busto desse bandido na cidade.

O cangaceiro Balão

Quando eu era menina, ficávamos com o coração na mão quando minha tia saía para trabalhar fora do município. Um dia, ela encontrou dois bandidos, um era filho de Várzea da Ema, o Balão, o outro era o Moita Brava.

O cangaceiro Moita Brava

Meu avô vinha com ela. Os cangaceiros pararam os dois, apontando fuzis. Fiscalizaram tudo, repararam no cabelo dela e disseram que quem tinha mulher devia mostrar logo e não tentar esconder. Os dois ficaram apavorados. Só depois de um tempo foram liberados.

Tempos depois Labareda se entregou e fomos ver o júri dele. Só crime horroroso, muita miséria, ninguém aguentou ficar ouvindo aquilo.

Lampião era um infeliz, um cão. Ele e a tropa dele”

Mulher marcada a ferro no rosto por cangaceiro

ELISANGELA MARIA, 38, DE RIBEIRA DO AMPARO

“Meu avô era um cabra valente, mas certa noite em meio a tantas conversas e prosas miúdas no terreiro da casa, sob uma esteira de tábua velha, eu tão pequenina e curiosa ouvi dele: “Minha filha, me escondi da tirania desse homem (Lampião).

Na realidade meu “pai avô” viveu até os 93 anos. Ele é meu amor eterno, o maior sertanejo que conheci. Matou minha fome no cabo da enxada e me contava suas histórias.

Ele nasceu no povoado de Várzea Salgada, em Ribeira do Amparo (BA). Eu, Elisangela, venho de dois lados. Os Canuto, por parte de minha mãe avó, estavam presentes em Canudos. Os da parte de meu pai avô foram os que se esconderam de Lampião. Sou valente de um lado e do outro, frouxa.

Meu pai avô contou diversas vezes que seus país, nesse caso meus bisavós, cavaram uma espécie de bunker (abrigo) e cobriram com palhas de licuri seca, após ouvirem relatos de terceiros que Lampião se aproximava daquela redondeza.

Meus bisavós e os filhos pequenos, um total de nove, ficaram escondidos por quinze dias comendo batata assada e melancias, arrancadas das plantações próximas ao esconderijo. A água era adquirida nas copas do gravatá, uma bromélia silvestre que dá no sertão – eu até já bebi dela nas catas dos cambuís (fruta nativa dos tabuleiros baianos, utilizada no tratamento de herpes, brotoeja, cólicas e diarreias) que dá nesse lugar.

Eles ficaram neste esconderijo até que o meu velho bisavô foi averiguar e ouviu de um conhecido que Lampião já havia passado. Deixaram a toca e tocaram a vida, normalmente.

Minha bisa faleceu quando eu tinha um ano de vida, isso foi em 1979. Dizem que ela ainda me colocou no colo. O meu bisavô foi primeiro, antes de eu nascer. Meu pai avô morreu em 2015, dois meses depois dele apreciar meu enlace matrimonial.

Cantei para ele no seu leito de morte e ele sorriu para mim como sempre. Nasceu na roça e faleceu na roça, no hospital da região, pois ele tinha receio da cidade grande.

Tudo o que sou devo a eles e ao sertão baiano que me fez mais humana. Se tiver um pedaço de charque, compartilha-se com todos; um vaqueiro não descansa antes de juntar sua boiada; se tiver um caju, um maturi, você não joga galho para tirar o fruto maduro em respeito ao maturi que ainda brota. Coisas simples, mas que me servem até o dia de hoje.
Obrigado foi o que disse a meu pai avô e vos digo também, como ele me ensinou.

Obrigado por se lembrar do sertão meu, seu, de Euclides e de quem chegar.

O sertão é assim, vai além de céu estrelado e das caçadas em noites de lua cheia. O sertão vai comigo até onde eu for nesse mundo de meu Deus”.

Paulo Oliveira

Jornalista, 55 anos, traz no sangue a mistura de carioca com português. Em 1998, após trabalhar em alguns dos principais jornais, assessorias e sites do país, foi para o Ceará e descobriu um novo mundo. Há dez anos trabalha na Bahia, mas suas andanças não param. Formou comunicadores populares nas favelas do Rio e treinou jornalistas em Moçambique, na África. Conhece 14 países e quase todos os estados brasileiros. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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http://www.meussertoes.com.br/2017/02/01/2756/

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