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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A EXPECTATIVA DA PRIMEIRA CHUVA DO ANO NO SERTÃO

Por Benedito Vasconcelos Mendes

Após um severo e longo verão, de oito meses de duração, sem nenhuma chuva, que se iniciou no mês de julho de 1961 e se prolongou até fins de fevereiro de 1962, meu avô ouviu no ”Grande Jornal Sonoro H 22”, da Rádio Iracema de Sobral, que já tinha começado a chover no Estado do Piauí. Com a notícia de chuvas no Estado vizinho, meu avô começou a observar a movimentação das nuvens chegando à região Norte do Ceará, vindas da Amazônia. O céu que antes era totalmente azul, sem nenhuma nuvem, de repente começou a exibir nuvens brancas, altas e estratificadas que, à medida que o tempo ia passando, iam sendo substituídas por nuvens mais escuras, mais espessas e mais baixas. De um dia para outro o tempo mudou de vez, apresentando nuvens de chuva, quase negras, volumosas e muito baixas. No dia anterior à grande chuva (a primeira do ano), meu avô tinha observado muitos relâmpagos e trovões para o lado do nascente. Antes da chuva, o dia ficou muito diferente, nublado e quase sem sol. À tardinha, com o tempo fechado anunciando muita chuva, meu avô ficou inquieto, reticente e, de instante em instante, ele se dirigia até ao alpendre, olhava para o céu e dizia...”vai cair uma tromba d’água”. Ele entrava em casa e rapidamente voltava ao alpendre, olhava novamente para o céu e vaticinava...“ a chuva vai ser pesada e daqui a uma semana o gado vai ter muita rama para comer” (ramas são brotos e folhas dos arbustos e árvores). Meu avô inseguro, com medo que aquele tempo bonito de chuva mudasse, ou seja, que o vento desviasse as nuvens pejadas de umidade para outro lugar, começou a rezar. Ele levantava os braços para o céu, clamava, em voz baixa, a São José para que as nuvens não fossem dissipadas e que a chuva fosse forte e começasse logo a cair. Sempre andando pela casa, agitado, sem querer jantar, ele voltava ao alpendre e lembrava que...“ faziam oito meses que não se formava um tempo tão bonito igual a este.” Foi um dia escuro, sem sol, com muitos relâmpagos e trovões e a noite escura, quase negra, sem lua, sem estrelas, com muitos relâmpagos e trovões, que culminaram, ainda cedo da noite, com o início da chuva forte e duradoura, com muitos estrondos de trovões e claridades cintilantes e intermitentes, provocadas pelos incessantes relâmpagos. Meu avô exclamava...“que céu lindo, totalmente negro, com lua e estrelas escondidas atrás das nuvens, onde a monotonia só é quebrada pelos incandescentes clarões dos relâmpagos”. Eu, muito jovem ainda, não achava aquilo nada bonito, ao contrário, eu sentia muito medo dos trovões e dos relâmpagos. O que eu achava airoso era o céu azul, sem nuvens, com lua cheia, estrelado e sem chuva. A chuva torrencial entrou madrugada a dentro. Enquanto meu avô agradecia a Deus a chuva benfazeja, eu pedia a São José que fechasse as torneiras do céu, pois o medo não estava me deixando dormir. 

Os meninos da fazenda, filhos e netos dos vaqueiros, ficaram com muita vontade de tomar banho na bica de zinco da casa grande, mas meu avô não permitiu, ele alegava que as telhas estavam sujas e somente após umas três chuvas elas ficariam limpas. Os trovões e relâmpagos só cessaram e a chuva só se tornou mais fina com a madrugada alta, mas o dia ainda amanhece As chuvas que se precipitam nas áreas norte e centro do semiárido nordestino (Nordeste Setentrional) sofrem forte influência da ZCIT - Zona de Convergência Intertropical, que ocorre nas proximidades da Linha Equatorial (Região Norte) e de lá as nuvens de chuva se deslocam em direção ao sul, daí porque, antes de chover no Ceará, chove no Estado do Piauí. 

Regionalmente, chamamos de inverno o período chuvoso, de três a cinco meses de duração, que ocorre no primeiro semestre do ano, nas estações Verão e Outono, e denominamos de Verão o período seco e quente, que geralmente dura de sete a nove meses e ocorre no segundo semestre do ano (inverno e primavera) e, frequentemente, também no início do primeiro semestre (verão). O Nordeste, por estar próximo do Equador, não apresenta as quatro estações do ano bem caracterizadas e sim um período chuvoso e outro seco, sem a ocorrência de frio. Como o Brasil se encontra no Hemisfério Sul e Portugal no Hemisfério Norte, as estações do ano ocorrem em datas diferentes nestes dois países. Quando aqui é inverno, lá é verão e vice-versa. Os portugueses que vieram colonizar o Nordeste seco não tinham noção que as quatro estações do ano no Brasil ocorriam em épocas diferentes das de Portugal. No Hemisfério Sul (Brasil), o verão corresponde ao período de 21 de dezembro a 20 de março, o outono começa no dia 20 de março e se prolonga até 21 de junho, o inverno vai de 21 de junho a 22 de setembro e a primavera de 23 de setembro a 21 de dezembro. Quando o Hemisfério Sul estiver no verão, o Hemisfério Norte estará no inverno. Os portugueses colonizadores, interpretando que as estações ocorriam na mesma época no Brasil e em Portugal, associaram o período de chuvas no Nordeste brasileiro à estação invernosa em Portugal. 

Em virtude de no sertão nordestino as chuvas serem reduzidas e incertas e a ocorrência de secas catastróficas serem muito frequentes, o sertanejo valoriza muito o início e a efetivação do período chuvoso e, anualmente, a esperança se renova em se ter um bom inverno, que possibilite boas safras agrícolas e forragens suficientes para a manutenção do gado. O principal motivador de alegria para o habitante do sertão é a ocorrência de um bom período de chuvas, daí este comportamento característico do sertanejo, aqui expressado pelo meu avô, diante das incertezas climáticas regionais. As chuvas são o sustentáculo das atividades produtivas e a fé e a esperança comandam a vida emocional e religiosa do homem do campo.

Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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