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sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

CONSTRUÇÃO DE AÇUDE NO SERTÃO DE ANTIGAMENTE.

Por Benedito Vasconcelos Mendes
Benedito Vasconcelos Mendes e a sua esposa Susana Goretti

O açude da Fazenda Aracati foi construído no final da década de 1950, barrando um riacho afluente do Rio Aracatiaçu. Meu avô contratou um agrimensor prático para fazer o levantamento topográfico e os projetos da parede e do sangradouro do açude. Com os projetos em mãos, sabendo, portanto o volume aproximado de piçarra que ele iria necessitar, ele contratou Seu Chico Mendonça, feitor de açude, para administrar a construção do mesmo. Toda a construção da parede e a escavação e transporte da piçarra, em lombos de jumentos, ficaria sob o comando do Mestre Feitor. Seu Chico Mendonça calculou a quantidade de jumentos, com seus caixões de carregar terra e a quantidade de homens com suas ferramentas de trabalho (picaretas, chibancas, enxadas e pás) que deveriam ser contratados para a construção do referido açude no prazo de oito meses. Tudo isto foi feito muito rapidamente no ano da grande seca de 1958, pois o DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas estava naquele ano de crise climática fazendo parceria com fazendeiros da região para fornecer, gratuitamente, a mão de obra para construir açudes e estradas carroçáveis, ao longo dos meses de estiagem. Caso a solicitação do meu avô fosse aceita, O DNOCS iria abrir, na Fazenda Aracati, uma nova frente de serviço, para absorver uma pequena parte do numeroso contingente de flagelados da seca. Era um tipo de assistência do Governo Federal aos nordestinos famintos, castigados pela terrível seca de 1958. O projeto da obra e os cálculos indicando a quantidade de homens que seria necessária para construir o referido reservatório foi levado ao DNOCS, para análise e posterior liberação dos operários. 74 homens (cassacos) foram cedidos ao meu avô para a construção da obra. No final do mês de junho de 1958, meu avô entregou ao Seu Chico Mendonça 100 jumentos, equipados com cangalhas e caixões de fundo falso, para transportar terra, e 66 homens pagos pelo DNOCS para construir o referido açude. A piçarreira escolhida situava-se a 100 metros do local onde deveria ser construída a parede. O Mestre Feitor escolheu os 30 homens mais fortes para cavar a piçarra, com picaretas e chibancas; 16 homens para encher os caixões de terra, utilizando pás; 4 cassacos (operários) para servir de tangerinos dos jumentos e 16 cassacos para esvaziar os caixões em cima da parede, abrindo as travas do fundo falso dos caixões e deixando cair a terra, totalizando, assim, 66 cassacos sob o comando do Seu Chico Mendonça. A primeira semana de trabalho não foi muito produtiva, porque os homens e os animais ainda não estavam afeitos à rotina das tarefas, mas a partir da segunda semana, com os homens e jumentos já treinados, o trabalho tornou-se sincronizado e rápido. Meu avô, comandando uma equipe de 8 homens, era o responsável pela alimentação dos operários e dos animais. Além do alimento volumoso (capim seco), cada jumento era milhado, em mochila feita de couro cru de boi, duas vezes ao dia, sendo um litro de milho pela manhã e um litro à tarde. À noite os animais eram soltos em uma manga com capim panasco seco, com acesso ao rio para beber água. 

A alimentação dos operários era à base de Feijão preto, apelidado pelos cassacos por feijão chumbinho (Phaseolus vulgaris), carne de charque, rapadura e farinha de mandioca. A carne de charque e o feijão preto eram importados da Região Sudeste do Brasil, pois a severa seca de 1958 não permitiu a produção destes alimentos na região semiárida nordestina. O desjejum era cuscuz de milho com carne de charque e café com bolacha. 

Era interessante se observar a passagem dos 100 jumentos, em fila indiana, carregados com terra, rumo à parede do açude em construção. Os quatro tangerinos, com seus chicotes de couro cru de boi, não batiam nos animais, pois o comando era feito com o sinal auditivo de parar “aííí ...” e o estalo do relho do chicote no chão, ordenando que caminhassem. Os jumentos, ao transportar a piçarra, faziam também a compactação da parede com os cascos, pois o pisoteio, provocado pela caminhada dos animais, fazia a compactação. Os jumentos subiam por uma das extremidades da parede e desciam pela outra ponta e isto facilitava o descarregamento da terra e a compactação do solo. 

O trabalho na piçarreira era estafante. Cavar com picareta, o solo duro e pedregoso, sob o sol inclemente é um trabalho para poucos. Os cassacos com camisas velhas rasgadas, exibindo as costas nuas queimadas pelo sol, chapéus de palha de carnaúba, descalços, cansados, suados e desnutridos traduziam o trabalho desumano que realizavam. No final do mês de fevereiro, o açude já estava pronto para receber as águas do próximo inverno (período chuvoso). Este açude teve serventia por 16 anos, pois ele foi arrombado pela violência das águas do copioso inverno de 1974. Este açude servia para dessedentar o gado, plantio de forragens e produção de peixes. A medida que o açude ia secando, plantava-se capim nas margens úmidas. Os formigueiros na parede do açude e os fortes períodos chuvosos, com muitas chuvas torrenciais, são as causas mais comuns de arrombamento de pequenos açudes na região.

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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