Benedito Vasconcelos Mendes
Na Fazenda Aracati tinha um morador especialista em fazer cercas,
currais e chiqueiros. O ano inteiro, o seu trabalho era tirar, na mata, estacas,
mourões, varas e paus de porteira para depois construir as cercas, currais e
chiqueiros da fazenda. As estacas e mourões eram guardados em pé, escorados
nos troncos dos pés de juazeiros, existentes no terreiro da casa grande. Meu avô
exigia que os mourões fossem de aroeira, baraúna, pau d’arco ou imburana. Os
mourões de imburana, geralmente, enraizavam e originavam uma fila de árvores
de imburana, ao longo da cerca.
A exigência era que as estacas fossem de litro (da espessura de uma
garrafa de vidro de 1 litro) e a Madeira fosse de sabiá, Jurema preta ou mororó. O
fazedor de cercas da Fazenda Aracati era filho do vaqueiro Sales e era conhecido
como Tonho da Dona Lourdes. Rapaz forte, entroncado, trabalhador e
conhecedor das plantas da caatinga. Sabia trabalhar muito bem com a alavanca, a
foice, o machado e com o pé de bode. Para o remonte de cercas velhas e feitura
de novas cercas e currais, meu avô só confiava no trabalho dele. Na Fazenda
Aracati usava-se dois tipos de cerca: cerca de arame farpado e cerca de faxina. Lá
não se usava cerca de pedras e o modelo de pau a pique só era utilizado na
confecção de currais.
Para fazer cerca de arame farpado, primeiramente, ele marcava o chão,
utilizando um carretel de linha zero e piquetes de pau-branco. Depois de colocar
a linha, ele riscava o chão com a ponta de um piquete. A cerca era feita por
pedaços, ou seja, cada lance de cerca tinha 50 metros de extensão. Ele e seu
auxiliar Chico Peba (apelido dado devido ele ser um exímio cavador de buraco à
semelhança do animal da caatinga tatu-peba) faziam a visada, colocavam a linha,
riscavam o chão e depois marcavam os locais dos mourões, que eram
distanciados 10 metros um do outro. Cada buraco de Mourão tinha 50
centímetros de profundidade. O estaqueamento era feito depois de fincados os
mourões. Os buracos para os mourões e estacas eram cavados com uma grande e
pesada alavanca de aço e a terra era retirada com o auxílio de uma quenga de
coco da praia. A alavanca, o machado e a foice eram, periodicamente, batidos
pelo Tião Ferreiro, para permanecerem sempre afiados. Tião Ferreiro tinha
tenda em Santo Antônio do Aracatiaçu (Distrito de Sobral) e era o único ferreiro
daquela vasta região sertaneja. Os mourões e as estacas, depois de fincados e
bem socados com um socador de madeira com ponta, eram aparados em uma
mesma altura e depois recebiam os 7 fios de arame farpado (arame com rosetas),
que eram esticados com o auxílio de um pé de bode e depois grampeados. Na
Fazenda Aracati não se usava arame liso (arame 18) para fazer cerca, pois todas
as estacas e mourões eram grampeados. Os grampos de cerca eram comprados
em pacotes de 1 quilo, na bodega do Seu Raimundo Galdino, na Vila Caracará. Os
grampos eram batidos com um martelo sobre o arame farpado, mantendo-o
preso entre as duas pontas do grampo. As estacas e os mourões, antes de serem
usados nas cercas, tinham a casca retirada, para evitar que a mesma, ao secar e
se desprender da madeira, afrouxasse o arame farpado. Entre dois mourões
situavam-se 8 estacas, pois as mesmas distanciavam-se um metro uma da outra.
Os arames farpados eram esticados em cada lance de 50 metros de cerca e
grampeados, primeiramente, nos mourões e depois nas estacas. A profundidade
dos buracos das estacas era de 30 centímetros. As cercas eram bem alinhadas, os
mourões e as estacas tinham a mesma altura e os arames bem esticados. As
cabeças dos mourões e das estacas eram aparadas na forma de cone, com o
auxílio de um machado, para facilitar a água da chuva escorrer e não se acumular
na cabeça da estaca, evitando assim que ela apodrecesse. Depois de terminados
os 50 metros de cerca, procedia-se a feitura de mais outro lance de 50 metros.
Fazia-se nova visada, colocava-se a linha, riscava-se o chão, cavava-se os buracos
dos mourões e das estacas, enterrava e socava bem os mourões e as estacas e,
por fim, esticava-se os 7 fios de arame, pregando-os com grampos,
primeiramente, nos mourões e depois nas estacas. Os mourões dos cantos da
cerca eram escorados por estacas inclinadas, encaixadas neles, de modo a não
ceder.
As porteiras dos cercados e dos currais eram do tipo “porteira de paus
corridos“, de modo que os paus corriam nos buracos das laterais da porteira de
aroeira e depois os mesmos eram colocados de volta, para fechar o espaço.
Invariavelmente, os paus da porteira eram de pau-branco e a estrutura lateral e
superior eram de miolo de aroeira. Meu avô colocava, em cada porteira, a caveira
de um touro errado, de chifres grossos e longos, que os vaqueiros acreditavam
que era para espantar os maus espíritos.
As cercas de faxina eram usadas para a confecção dos chiqueiros das
cabras, das ovelhas e dos porcos e para o cercado dos bezerros, que se localizava
vizinho ao curral, onde os mesmos eram enchiqueirados para a ordenha. O
chiqueiro das galinhas era feito de varas de marmeleiro e coberto com palha de
carnaúba. A cerca de faxina geralmente era feita de longas varas de pau-branco
entrelaçadas, sustentadas por mourões de aroeira, fincados em forma de X. O
encontro dos dois mourões se dava a um metro de altura, de modo que os dois
mourões, fincados em X, serviam de sustentação aos paus horizontais
entrelaçados. A cerca de faxina usada para a confecção de galinheiro e as cercas
do quintal e do banheiro a céu aberto das casas de taipa eram feitas de varas de
marmeleiro entrelaçadas.
Dos dois grandes currais da Fazenda Aracati, um era feito de carnaubeiras
deitadas e o outro de pau a pique. Ambos tinham um grosso mourão de miolo de
aroeira fincado no centro. O mourão tinha um metro e vinte centímetros
enterrados. O mourão, depois de colocado no buraco, era calçado com pedras e
preenchido com terra, socada com um socador de miolo de aroeira com ponta. A
parte externa do mourão media cerca de 2 metros de altura e tinha diâmetro de,
aproximadamente, 40 centímetros. Segurava touro de qualquer tamanho e peso.
As carnaubeiras deitadas eram montadas entre dois mourões paralelos. As
parelhas de mourões se distanciavam 10 metros uma da outra. Nas extremidades
dos dois mourões paralelos (parelha de mourões) era passado um arame grosso
(arame 12), para que os mesmos prendessem melhor as carnaubeiras e não se
abrissem.
O curral de pau a pique tinha um metro e oitenta centímetros de altura e
40 centímetros enterrados. O curral era confeccionado de madeira grossa (sabiá
de litro), tendo, a cada intervalo de 10 metros, um grosso mourão de aroeira. A
quatro dedos da extremidade de cada estaca, passava um arame grosso (arame
12) circundando a mesma, de modo a amarrar toda a estrutura do curral. Este
arame era grampeado em cada estaca. O leite das vacas era tirado neste curral de
pau a pique. Os dois currais da Fazenda Aracati eram bem feitos, bonitos e
seguros. O mestre cerqueiro caprichava na sua construção. Meu avô ficava
admirado com a beleza e robustez dos currais, especialmente, da perfeição de
como o arame grosso era dobrado para segurar a madeira do curral.
Meu avô tinha orgulho em mostrar, para os fazendeiros amigos que lhe
visitavam, os seus caprichados curais e as cercas da fazenda, quando ele
chamava o Tonho da Dona Lourdes e o Chico Peba e fazia rasgados elogios aos
seus trabalhos. Meu avô chamava o Tonho de Dona Lourdes de Mestre, pois ele
admirava a habilidade e o capricho deste fazedor de cercas.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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