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sábado, 1 de dezembro de 2018

FEITURA DE CERCAS NA FAZENDA ARACATI.

Benedito Vasconcelos Mendes

Na Fazenda Aracati tinha um morador especialista em fazer cercas, currais e chiqueiros. O ano inteiro, o seu trabalho era tirar, na mata, estacas, mourões, varas e paus de porteira para depois construir as cercas, currais e chiqueiros da fazenda. As estacas e mourões eram guardados em pé, escorados nos troncos dos pés de juazeiros, existentes no terreiro da casa grande. Meu avô exigia que os mourões fossem de aroeira, baraúna, pau d’arco ou imburana. Os mourões de imburana, geralmente, enraizavam e originavam uma fila de árvores de imburana, ao longo da cerca.

 A exigência era que as estacas fossem de litro (da espessura de uma garrafa de vidro de 1 litro) e a Madeira fosse de sabiá, Jurema preta ou mororó. O fazedor de cercas da Fazenda Aracati era filho do vaqueiro Sales e era conhecido como Tonho da Dona Lourdes. Rapaz forte, entroncado, trabalhador e conhecedor das plantas da caatinga. Sabia trabalhar muito bem com a alavanca, a foice, o machado e com o pé de bode. Para o remonte de cercas velhas e feitura de novas cercas e currais, meu avô só confiava no trabalho dele. Na Fazenda Aracati usava-se dois tipos de cerca: cerca de arame farpado e cerca de faxina. Lá não se usava cerca de pedras e o modelo de pau a pique só era utilizado na confecção de currais. 

Para fazer cerca de arame farpado, primeiramente, ele marcava o chão, utilizando um carretel de linha zero e piquetes de pau-branco. Depois de colocar a linha, ele riscava o chão com a ponta de um piquete. A cerca era feita por pedaços, ou seja, cada lance de cerca tinha 50 metros de extensão. Ele e seu auxiliar Chico Peba (apelido dado devido ele ser um exímio cavador de buraco à semelhança do animal da caatinga tatu-peba) faziam a visada, colocavam a linha, riscavam o chão e depois marcavam os locais dos mourões, que eram distanciados 10 metros um do outro. Cada buraco de Mourão tinha 50 centímetros de profundidade. O estaqueamento era feito depois de fincados os mourões. Os buracos para os mourões e estacas eram cavados com uma grande e pesada alavanca de aço e a terra era retirada com o auxílio de uma quenga de coco da praia. A alavanca, o machado e a foice eram, periodicamente, batidos pelo Tião Ferreiro, para permanecerem sempre afiados. Tião Ferreiro tinha tenda em Santo Antônio do Aracatiaçu (Distrito de Sobral) e era o único ferreiro daquela vasta região sertaneja. Os mourões e as estacas, depois de fincados e bem socados com um socador de madeira com ponta, eram aparados em uma mesma altura e depois recebiam os 7 fios de arame farpado (arame com rosetas), que eram esticados com o auxílio de um pé de bode e depois grampeados. Na Fazenda Aracati não se usava arame liso (arame 18) para fazer cerca, pois todas as estacas e mourões eram grampeados. Os grampos de cerca eram comprados em pacotes de 1 quilo, na bodega do Seu Raimundo Galdino, na Vila Caracará. Os grampos eram batidos com um martelo sobre o arame farpado, mantendo-o preso entre as duas pontas do grampo. As estacas e os mourões, antes de serem usados nas cercas, tinham a casca retirada, para evitar que a mesma, ao secar e se desprender da madeira, afrouxasse o arame farpado. Entre dois mourões situavam-se 8 estacas, pois as mesmas distanciavam-se um metro uma da outra. Os arames farpados eram esticados em cada lance de 50 metros de cerca e grampeados, primeiramente, nos mourões e depois nas estacas. A profundidade dos buracos das estacas era de 30 centímetros. As cercas eram bem alinhadas, os mourões e as estacas tinham a mesma altura e os arames bem esticados. As cabeças dos mourões e das estacas eram aparadas na forma de cone, com o auxílio de um machado, para facilitar a água da chuva escorrer e não se acumular na cabeça da estaca, evitando assim que ela apodrecesse. Depois de terminados os 50 metros de cerca, procedia-se a feitura de mais outro lance de 50 metros. Fazia-se nova visada, colocava-se a linha, riscava-se o chão, cavava-se os buracos dos mourões e das estacas, enterrava e socava bem os mourões e as estacas e, por fim, esticava-se os 7 fios de arame, pregando-os com grampos, primeiramente, nos mourões e depois nas estacas. Os mourões dos cantos da cerca eram escorados por estacas inclinadas, encaixadas neles, de modo a não ceder.

 As porteiras dos cercados e dos currais eram do tipo “porteira de paus corridos“, de modo que os paus corriam nos buracos das laterais da porteira de aroeira e depois os mesmos eram colocados de volta, para fechar o espaço. Invariavelmente, os paus da porteira eram de pau-branco e a estrutura lateral e superior eram de miolo de aroeira. Meu avô colocava, em cada porteira, a caveira de um touro errado, de chifres grossos e longos, que os vaqueiros acreditavam que era para espantar os maus espíritos. 

As cercas de faxina eram usadas para a confecção dos chiqueiros das cabras, das ovelhas e dos porcos e para o cercado dos bezerros, que se localizava vizinho ao curral, onde os mesmos eram enchiqueirados para a ordenha. O chiqueiro das galinhas era feito de varas de marmeleiro e coberto com palha de carnaúba. A cerca de faxina geralmente era feita de longas varas de pau-branco entrelaçadas, sustentadas por mourões de aroeira, fincados em forma de X. O encontro dos dois mourões se dava a um metro de altura, de modo que os dois mourões, fincados em X, serviam de sustentação aos paus horizontais entrelaçados. A cerca de faxina usada para a confecção de galinheiro e as cercas do quintal e do banheiro a céu aberto das casas de taipa eram feitas de varas de marmeleiro entrelaçadas. 

Dos dois grandes currais da Fazenda Aracati, um era feito de carnaubeiras deitadas e o outro de pau a pique. Ambos tinham um grosso mourão de miolo de aroeira fincado no centro. O mourão tinha um metro e vinte centímetros enterrados. O mourão, depois de colocado no buraco, era calçado com pedras e preenchido com terra, socada com um socador de miolo de aroeira com ponta. A parte externa do mourão media cerca de 2 metros de altura e tinha diâmetro de, aproximadamente, 40 centímetros. Segurava touro de qualquer tamanho e peso. As carnaubeiras deitadas eram montadas entre dois mourões paralelos. As parelhas de mourões se distanciavam 10 metros uma da outra. Nas extremidades dos dois mourões paralelos (parelha de mourões) era passado um arame grosso (arame 12), para que os mesmos prendessem melhor as carnaubeiras e não se abrissem. 

O curral de pau a pique tinha um metro e oitenta centímetros de altura e 40 centímetros enterrados. O curral era confeccionado de madeira grossa (sabiá de litro), tendo, a cada intervalo de 10 metros, um grosso mourão de aroeira. A quatro dedos da extremidade de cada estaca, passava um arame grosso (arame 12) circundando a mesma, de modo a amarrar toda a estrutura do curral. Este arame era grampeado em cada estaca. O leite das vacas era tirado neste curral de pau a pique. Os dois currais da Fazenda Aracati eram bem feitos, bonitos e seguros. O mestre cerqueiro caprichava na sua construção. Meu avô ficava admirado com a beleza e robustez dos currais, especialmente, da perfeição de como o arame grosso era dobrado para segurar a madeira do curral. 

Meu avô tinha orgulho em mostrar, para os fazendeiros amigos que lhe visitavam, os seus caprichados curais e as cercas da fazenda, quando ele chamava o Tonho da Dona Lourdes e o Chico Peba e fazia rasgados elogios aos seus trabalhos. Meu avô chamava o Tonho de Dona Lourdes de Mestre, pois ele admirava a habilidade e o capricho deste fazedor de cercas.

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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