Do acervo do pesquisador do cangaço Raul Meneleu
Lampião, senhor do sertão: vidas e morte de um cangaceiro*
Um artigo do Diário de Pernambuco de 18 de dezembro de 1931 relata que, tendo assumido a direção do grupo de Sinhô Pereira, Lampião passou imediatamente a devastar o sertão do Nordeste, principalmente o de Pernambuco, de onde era natural.
Não esquecera tampouco sua inimizade com os nazarenos os quais enfrentou já em 1923, logo após sua entronização. Lampião decidira assassinar Antônio Gomes Jurubeba, o patriarca e chefe da numerosa família dos Jurubeba, mas se deparou com uma resistência "colossal": a comunidade inteira, incluindo as mulheres, envolveu-se num combate de mais de três horas que transformou o território dos nazarenos em "verdadeiro inferno".
Lampião teve de bater em retirada. A resistência daqueles valentes sertanejos foi seguida da incorporação de uma parte dos nazarenos às Forças Volantes, o que marca o início de uma luta sem trégua entre Lampião e os nazarenos.
Segundo o jornalista, em 1928 a família Jurubeba contava com vinte de seus membros incorporados à Força Volante do tenente José Belarmino Higino. O mesmo jornalista, que acompanhou de perto a luta entre os nazarenos e Lampião desde 1923, reencontrou o velho Gomes Jurubeba em 1931 que, cercado de seus dezesseis filhos e netos, declarava-se "sempre preparado a dar festiva recepção aos bandoleiros, a qualquer circunstâncias'. ("Sobre a ação do Bando de Lampião através dos Sertões Nordestinos, Narra ao Diário da Noite, do Rio, o Senhor Cícero Rodrigues de Carvalho", Diário de Pernambuco. 18/12/1931.)
A resistência dos sertanejos foi posta em destaque pela imprensa com muita frequência a partir dos anos de 1930, deixando bem claro que a população não estava incondicionalmente submetida a Lampião.
Na visão dos jornalistas do litoral, o sertão é uma região caracterizada por uma cultura violenta da qual o cangaceiro é o herdeiro natural, porém Lampião continua sendo, aos olhos dos sertanejos, não a figura tradicional do cangaceiro valoroso, mas um criminoso sanguinário.
Se um bom número de cenas de tortura, humilhações e violências descritas com pormenores escabrosos e cores carregadas na imprensa da época, nem sempre parece verídico, é certo que Lampião sempre se distinguiu por sua crueldade e pela extrema violência dos seus atos.
Eis o testemunho de Cícero Rodrigues de Carvalho, reproduzido na imprensa, que tem por objeto os começos de Lampião no cangaço à frente de um grupo em 1924:
Seguiu-se um período de horripilantes chacinas praticadas pelo bando lampionico contra indefesos agricultores. Foram, barbaramente, assassinados os srs. José Martins, João Cocô, José Capote, Belisário Zuza e José Calixto.
A ultima dessas vitima sofreu atrozmente. Sangraram-no lentamente, cortaram-lhe as orelhas. Sua esposa padeceu os maltratos mais vis, sendo obrigada a salgar as orelhas do marido, já morto para entrega-las, depois em mãos de Lampião. Cena das mais infames que registra a historia do cangaço.
Em fins de maio, em plena rua comercial da vila de Betânia, a legião da morte havia assassinado quatro pessoas, inclusive dois soldados pertencentes ao destacamento local. As vitimas foram friamente degoladas com facas de lamina larga, tendo os vampiros, para gáudio de suas taras abomináveis, introduzido, a coice de armas, um cartucho em cada olho das mesmas. ("Como Lampeão se Fez Chefe de Bando", Diario de Pernambuco, 18/12/1931)
Ressalte-se que Lampião pode ser visto de maneira negativa mesmo no sertão. Os versos de cordel de João Martins de Athayde, escritos quando Lampião ainda estava vivo, apresentam-no não somente como um indivíduo perverso e sanguinário mas, também como aquele que traiu certos princípios fundamentais próprios da cultura do sertão, a saber, o sentido de honra e o respeito a Deus:
De muita perversidade
No logar onde elle passa
Vai deixando a orfandade
E não pode ter conceito
Os crimes que ele tem feito
Fora e dentro da cidade
É ladrão assassino
E tambem deflorador
Fez do rifle um seu amigo
Consagrando grande amor
E desgraçado e perjuro
E mais sujo que o monturo
Que nada tem valor. *
*(Carlos Alberto Doria, O Cangaço, 1981. p. 59 (transcrição do cordel de João Martins de Athayde, Novas Proezas de Lampeão).
Pg 93 do livro Por Elise Grunspan-Jasmin
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