Seguidores

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

LUIZ GONZAGA FERRAZ O MASSACRE DE SÃO JOSÉ DO BELMONTE

Por Sousa Neto
'Sinhô' em foto de Antonio Amaury
Ouvindo amiudadas vezes as gravações feitas pelo amigo Amaury Correa de Araújo com Sinhô Pereira e Cajueiro no final dos anos sessenta sobre esse episódio tão marcante na historia daquela cidade, fui algumas vezes averiguar “in loco” e extrair por mim mesmo determinadas conclusões.

É certo que os homens ricos do inicio do século passado, na ausência de estruturas financeiras formais com suficiente segurança, tinham que guardar o seu dinheiro e objetos de valor em suas próprias residências, despertando assim o interesse de todos os ripários.

Por essa época grupos de cangaceiros e salteadores infestavam os sertões nordestino roubando, assaltando, extorquindo e muitas vezes até sequestrando. A ausência do estado e o diminuto contingente de agentes da lei favoreciam essas ações.
Luiz Gonzaga Gomes Ferraz havia se destacado na região do Pajeú como próspero comerciante. Era alheio a guerra travada entre as influentes famílias Pereira e Carvalho por questões políticas naquela e em outras províncias da região. Até comentavam o interesse de Gonzaga de ingressar na política por anseio de algumas outras famílias amigas, mas Gonzaga Ferraz era mesmo um grande empreendedor.

Em março de 1922 o principal protetor de Sebastião Pereira e Luiz Padre, “major” Zé Inácio do Barro devido à austera perseguição do Governador do Ceará Justiniano de Serpa, seguiu os mesmos passos de Luiz Padre rumo ao estado de Goiás onde se homiziaram. Ficara ainda Sebastião Pereira (Sinhô Pereira) com os mesmos planos já frustrado uma vez.

Sem o auxilio do major Zé Inácio e do coronel Antônio Pereira em declínio financeiro, mantenedores do bando, Sinhô Pereira se obriga a pedir ajuda a outros parentes mais abastados, fazendeiros amigos e comerciantes afortunados. Manter um grupo armado naqueles tempos não era tarefa das mais fáceis.

No mês de maio daquele mesmo ano um comboio conduzindo mercadorias para Luiz Gonzaga foi interceptado pelo bando de Sinhô que saqueou todos os artigos. Sinhô Pereira já era avesso a Gonzaga por esse lhe negar ajuda financeira por varias vezes, inclusive recebeu certo dia como resposta da esposa de Gonzaga Dona Martina, “que se quisesse dinheiro, que fosse trabalhar como o seu esposo”.

Havia, entretanto um destacamento do Ceará sob o comando do Tenente Peregrino Montenegro, homem versado pelas barbáries cometidas em busca de arrancar qualquer informação a cerca do major Zé Inácio e seus asseclas, ultrapassando inclusive as fronteiras de seu estado para saciar o seu desejo e alcançar os seus intentos.

Nas cercanias do vilarejo de Belmonte havia a fazenda Cristóvão, pertencente a Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Yoio Maroto, casado no seu primeiro matrimônio com Maria Océlia Pereira, irmã de Luiz Padre. Ao ficar viúvo casa-se com a prima da primeira esposa por nome Francisca Pereira Neves e por ocasião do falecimento de Francisca, casa-se pela terceira vez com a cunhada de nome Generosa.
Ioiô Maroto era amigo e duas vezes compadre de Gonzaga
aonde o respeito era recíproco.
(Acervo Heitor Feitosa Macedo)

Por ocasião da passagem do tenente Montenegro a vila de Belmonte ficou sabendo por Gonzaga Ferraz das tropelias do bando de Sinhô Pereira naquela região e da amizade e parentesco entre o chefe cangaceiro e Yoio Maroto e rumou sem demora a fazenda Cristóvão. Ao chegar, ao finalzinho da tarde o perverso oficial já mostra a que veio e começa o seu interrogatório, como de costume a base de boas chicotadas nos criados da fazenda que acudiam pelo nome de Zé Maniçoba e Zé Preto. Foi uma noite de terror para a honrada família que ouviam palavrões dos mais alarmantes por parte da soldadesca embriagada que humilharam Yoio Maroto por algumas vezes. O ex- cangaceiro Cajueiro disse a Dr. Amaury que a sua mãe só não morreu por um milagre de Deus.

Logo de manhã cedo sem as informações almejadas a volante cearense tratou de sair da fazenda Cristóvão e talvez pela falta de caráter que lhe era peculiar, Montenegro afirmou que estava ali por informação e solicitação de Luiz Gonzaga. Para alguns uma justificativa herética e totalmente sem crédito.

O fato é que dali por diante a semente da desavença foi cultivada, Luiz Gonzaga jurando inocência e Yoio Maroto fingindo acreditar.

Sedento de vingança sempre triste e acabrunhado Yoio Maroto mandou avisar a Sinhô Pereira o ultraje sofrido juntamente com a família. Sinhô já decidido a seguir para Goiás pede então a Lampião que resolvesse essa questão de Belmonte. Sinhô Pereira tinha enorme gratidão e apreço a Yoio, que além de ser seu primo era casado com Maria, irmã de Luiz Padre.

Luiz Gonzaga Gomes Ferraz avisado de um possível ataque por parte de cangaceiros parentes de seu compadre contratou um efetivo armado para lhe garantir proteção. Semanas após resolveu deixar Belmonte retirando-se para a Bahia e depois Sergipe buscando se estabelecer quando foi convencido a voltar ao Pernambuco com todas as garantias, inclusive do governo do estado. Esse fato provocou ainda mais a ira de Yoio Maroto que começou a ponderar ser Belmonte pequeno demais para os dois, vez por outra murmurava: aqui ou um ou outro!
Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz
(Acervo Valdir Nogueira)

Entra em cena Antônio Maroto, irmão de Yoio que para conseguir um empréstimo de três contos de reis, convenceu Gonzaga a não acreditar na boataria de uma possível vingança por parte de Yoio e que se empenharia no sentido de convencer o seu irmão de sua inocência. O avisa da saída de Sinhô Pereira do sertão nordestino o que deixa Gonzaga exultante, e em uma demonstração de placidez despensa a sua guarda pessoal recolhendo as armas e munições. Acreditou que tudo havia acabado. Mero engodo. Ainda alertado pelos habitantes de Belmonte para não dar crédito a Antônio Maroto, alguns amigos diziam: “Gonzaga em cangaceiro não se pode confiar, Yoio está preparando o bote"!

É certo que todos tinham razão. Yoio Maroto ia pouco a pouco arregimentando homens para o ataque. Entre outros contou com Tiburtino Inácio (Gavião), filho do major Zé Inácio do Barro que tinha uma irmã casada com um primo de Yoio. Depois Cícero Costa e mais alguns familiares.

Em recente entrevista que fiz com o Sr. Vilar Araújo, filho de Luiz Padre no estado de Tocantins, esse afirmou que José Terto (Cajueiro) já se encontrava na região central do país há mais de dois anos ao lado de seu pai, quando da chegada de Sinhô Pereira lhe ordenando a voltar ao sertão nordestino comandar essa ação. Vilar conta que o seu tio Quinzão (Cajueiro) quando tomava umas doses de aguardente, sempre narrava esse episódio.

É certo que a mãe de Cajueiro D. Antônia Pereira da Silva foi ultrajada pela força volante de Peregrino Montenegro como ele mesmo narra. O que me causou mais curiosidade foi o fato do cangaceiro tão distante ser enviado para comandar uma ação já designada a outro.
Questionei com o senhor Vilar essa motivação de Sinhô Pereira e Luiz Padre. A resposta veio sem pestanejar: “Tio Chico (Sinhô Pereira) acreditava que Lampião pudesse não atender ao seu pedido”.
Cajueiro chega e se integra ao pequeno grupo liderado por Lampião e principia os preparativos para o ataque.

Yoio Maroto escolheu o dia ideal para o ataque. Belmonte estava em festa, outubro era o mês dos festejos celebrados ao Sagrado Coração de Jesus. Dia 19 de outubro o “noitário” ou patrono da festa era justamente Luiz Gonzaga Gomes Ferraz e o ataque teria que ser no dia seguinte logo cedo, pois com certeza Gonzaga estaria em casa.
Lápide do antigo túmulo de Luiz Gonzaga Ferraz 
exposta na casa de Cultura de S. J. do Belmonte
Foto: Sousa Neto

Ao romper o dia 20 de outubro o casarão de Gonzaga estava completamente cercado. O povoado é acordado ao som de machadadas, pernadas e várias outras formas de conseguir arrebentarem as portas da residência. As pancadas pouco a pouco iam despertando os vizinhos e outros moradores que logo perceberam se tratar de um violento ataque a residência do homem mais prestigiado daquele vilarejo.

Segundo o cangaceiro Cajueiro na aludida entrevista, disse ser ele o primeiro a penetrar no interior da residência após escalar o muro do quintal. Ficou dando apoio enquanto os seus companheiros arrombavam um portão que dava para a rua dos fundos. Outro grupo tentava o arrombamento da porta da frente. Foi justamente nesse momento que Cajueiro assistiu a morte de Baliza, um dos que tentavam despedaçar o portão. A morte de Baliza ainda não está de tudo esclarecida, há mais razões para esse assassinato e em breves dias irei explanar. Isso é outra história.

Alguns moradores já acordados vieram em socorro de Gonzaga e assim começa o tiroteio.

Gonzaga que ao ouvir as pancadas e perceber que o bando sinistro havia penetrado na residência subiu a escadaria por um dos quartos que dava para o sótão da casa. Ainda segundo Cajueiro uma senhora apavorada pergunta quem é o chefe, ele responde: “nóis num tem chefe”, nesse momento um cangaceiro tenta contra uma jovem que parte em sua direção e lhe agarra dizendo: valha-me senhor pelo amor de Deus! Cajueiro manobra o rifle e diz: Agora você escolhe, ou solta à moça ou me mata ou morre. Então o seu companheiro a soltou e essa foi em direção a sua mãe que se encontrava na cozinha. Cajueiro então pergunta: - Cadê o “major” tá ai? Ela respondeu “tá ai dentro sim senhor”. Ato continuo Cajueiro tranca a família em um quarto e chama o cangaceiro Livino para nas palavras dele “dar uma busca na casa”.

Cajueiro dando boas risadas, confessa ao Dr. Amaury que Gonzaga havia caído do sótão e estava escondido atrás da porta.

Estive recentemente observando o sótão da casa de Gonzaga e pude perceber que a parte que compreende a sala de estar, bem como todos os quartos do lado esquerdo do grande corredor estavam forrados. O lado direito da casa, o sótão estava em construção. O detalhe é que a parte acima dos quartos por onde tinha a escada de acesso, eram de tábuas fornidas e pregadas de cima para baixo, ambiente propicio para armazenar objetos, alimentos etc. A parte da sala de estar era toda forrada de madeira fina, toda ela pregada com pregos de baixo para cima, apenas para adornar ainda mais o bonito recinto.

Luiz Gonzaga aterrorizado tentando se ocultar naquele ambiente escuro, caminhou para o mais distante possível da escada e foi para a parte da sala de estar. Penso haver ele esquecido que aquele adorno não suportaria o seu peso. Foi ai que o assoalho cedeu, ele caiu e tentou se abrigar atrás da porta, mas a casa já estava infestada de bandidos que pensavam apenas em passar a mão nos objetos de valor.

Ainda segundo Cajueiro Livino Ferreira foi quem fez o serviço, matou o “major” Gonzaga. Morreram nesse episódio o cangaceiro José Dedé “o Baliza”, Antônio da Cachoeira (sofreu um ataque cardíaco fulminante) e o soldado Heleno Tavares hoje homenageado com o nome da rua que combateu o bando nefasto. Saíram feridos do bando de Lampião, Yoio Maroto com um tiro no braço, o valente Zé Bizarria e Cícero Costa.
Essa é uma das primeiras imagens de Lampião. 
O Rei do Cangaço está sentado, é o segundo da esq. para a direita

Anos depois foi aberto um inquérito para apurar essa ocorrência e em 07 de outubro de 1929 todos os 42 implicados foram condenados.

Yoio Maroto refugiou-se no Barro, debaixo da proteção de Justino Alves Feitosa que dias depois lhe deu carta de recomendação endereçada ao Coronel Leandro da Barra, homem influente na região dos Inhamuns que o acolheu. Yoio passou a viver usando o nome fictício de Coronel Antônio Alves. Com muito esforço e trabalho adquiriu a fazenda Malhada Vermelha aonde veio a falecer em 19 de maio de 1953.

Fontes Pesquisadas:
 ARAÚJO, Vilar (Entrevista em julho 2013)
 FERRAZ, Marilourdes – O Canto do Acauã
 MOURA, Valdir José Nogueira (HISTORIADOR E ESCRITOR)
 CORRÊA, Antônio Amaury – LAMPIÃO Segredos e Confidências do Tempo do Cangaço.
 REVISTA - A Província – O universo pelo Regional – Fevereiro de 1998


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário