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quinta-feira, 5 de setembro de 2019

NO COITO DA PIA DAS PANELAS


Por Rangel Alves da Costa

Acredite seu moço, pois no alto dessa pedra e seus arredores, nas pias e nas panelas fincadas em suas entranhas, cangaceiro já se acoitou, já repousou, já se fez em prontidão de batalha, já viveu e já morreu. Localizado na região da Comunidade Areias, zona rural do município de Poço Redondo, no sertão sergipano, este era um dois coitos preferidos pelos cangaceiros em suas passagens sertões adentro.

O nome Pia das Panelas, contudo, tende a enganar o visitante, vez que o mais acertado seria que o local fosse denominado Alto das Pias das Panelas ou Coito das Pedras. E por uma razão simples. O que se tem na realidade são formações rochosas, algumas mais elevadas, e algumas pias (cavidades surgidas nas próprias pedras) e panelas (o formato das pias, de forma ovalado, de modo a receber e armazenar água de chuva) abertas, por força da natureza, adentrando as formações rochosas. Tudo como se tivessem sido cavadas por potentes ferramentas, vez que alguns destes fossos se mostrando bastantes profundos.

Tem-se, assim, a localização perfeita para um coito cangaceiro: a existência de pedras grandes para a proteção e defesa, a elevação do local permitindo ampla visão de tudo que se aproximasse ou se passasse ao redor, além da existência de água nas pias e de mata fechada, entremeada de catingueiras, mandacarus e facheiros, tufos de mato e labirintos. Não obstante tal configuração propícia ao cangaço, o coito da Pia das Panelas também era estratégico aos cangaceiros, pois em meio a um grande número de propriedades que os cabras de Lampião podiam ter rápido acesso. Alto Bonito, e Areias, dentre outras comunidades e fazendas, estavam bem próximas ao coito das pedras.

Há que se registrar, contudo, que nenhum confronto sangrento foi travado pelo bando e os soldados da volante. A violência maior se deu mesmo entre os próprios cangaceiros ou na perseguição e morte de sertanejos. Logo mais abaixo do coito das pedras, descendo em direção ao Riacho Quatarvo, então a história passa registrar um mundo de atrocidades. Conforme afirmei em postagem anterior:

“Exemplo disso foi a morte de Rosinha de Mariano. Após a morte de seu companheiro, e não mais desejando continuar naquela vida sofrida do cangaço, a então viúva pede permissão a Lampião para ir passar uma breve temporada com sua família. Mesmo relutando, o líder cangaceiro permite, mas sob condição de qual em tal dia e tal hora ela retornasse. E ela não cumpriu o combinado, só voltando ao coito depois da chegada de um recado medonho. Ora, Lampião não permitia que cangaceiro simplesmente deixasse o bando por desejo próprio. O cangaço possuía muito segredo que não podia ser revelado de jeito nenhum. O cangaço possuía código de conduta, era conduzido a partir de regras que não podiam ser quebradas. Temia-se que Rosinha, sendo mulher, abrisse a boca para revelações. E a ordem de retorno descumprida foi sua sentença de morte. Retornou sem saber que ia morrer, mas sua sina já estava traçada, e de forma impiedosa. A incumbência foi dada aos cangaceiros Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova. E foi aí nas beiradas do Riacho Quatarvo que a ex-companheira de Mariano tombou sem vida. Morta por companheiros do próprio cangaço e tendo um fim que jamais esperou para uma mulher já passada por tanto sofrimento. Nestas ribanceiras ocorreram nada menos que cinco mortes, dentre as quais a de Lídia de Zé Baiano, de Zé Vaqueiro e de Preta de Virgem. E dizem que também o cangaceiro Coqueiro, delator do pulado de cerca de Lídia. O Quatarvo é um riacho que junta água em época de chuvarada, mas o sangue ali também pode ser avistado em correnteza”.

Do alto do coito da Pia das Panelas se avista o Quatarvo abaixo, e tudo numa visão majestosa, até espetacular. Contudo, para quem conhece o passado da região e o que por ali ocorreu nos tempos cangaceiros, é como se os vultos ainda rondassem e os gritos ainda ecoassem por todo lugar. O sangue um dia jorrado ainda está por ali, as ossadas também. Fantasmas da história que ainda assombram.


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