*Rangel Alves
da Costa
A cidade
apenas me acolhe, mas sou do mato. O centro urbano apenas me vê caminhar, mas
sou do mato. O asfalto apenas sente o meu passo entre ruas e esquinas, mas sou
do mato.
Meus pés
parecem não gostar do chão duro da cidade, pois acostumado com a terra solta do
mato. Meus passos parecem não se sentir confortáveis somente entre as ruas e
esquinas da cidade, vez que sempre em busca do mato.
De vez em
quando, de repente bate uma saudade danada das coisas do mato. Aquele cheiro
bom de cozinha matuta, aquela visão maravilhosa da fruta pendendo no pé, aquela
vontade danada de uma xícara de café torrado, de um pedaço de cuscuz de milho
raldado. Tudo coisa do mato.
Não nasci no
mato, em casa moldurada por catingueira e mandacaru, mas sou do mato. Minha
infância não foi pelos terreiros da fazenda, na malhada perto do umbuzeiro,
também não cresci abrindo porteira nem subindo na madeira de cancela, mas sou
do mato.
Mas então, por
que eu sou do mato? Sou do mato por amor, por carinho e devoção sertaneja. Sou
do mato por ter os afastados da cidade como casa maior, acolhedora, sublime e
cativante. Sou do mato porque é pelos seus caminhos que me reencontro e me
satisfaço.
Sou do mato
porque gosto de pisar no chão das veredas, porque gosto de falar com a pedra e
o bicho, porque gosto de avistar e bater à porta dos casebres e moradias
sertanejas. Por que sou amigo da cancela, do curral, do alpendre, da rede
armada em varanda.
Sou do mato
porque o mato me contenta e me satisfaz, porque o mato tem a paisagem que a
cidade não tem, porque a voz do mato chega como conforto e alento. Somente no
mato se está perto da lua, abraçando o sol, respirando as purezas do amanhecer.
Sou do mato
porque lá nas distâncias, nos beiras de arvoredos e tufos espinhentos, eu
avisto e proseio com aquele de viver autêntico no mundo sertanejo. Sou do mato
porque é no mato que encontro Seu João, Seu José, Seu Sebastião, Dona Carmosa e
Mãe Clotilde.
É no mato que
encontro Lampião, Corisco e Dadá, Bonita Maria e toda a cangaceirama. No mato
ainda ouço a bala zunindo, o grito lancinante, o fumaceiro da pólvora. A
volante tá ainda no mato, o coiteiro também.
É no mato que
leio as histórias antigas, que conheço as molduras e os retratos do passado.
Mato de gente humilde, de casebres envelhecidos, de barro e cipó nas moradas,
de moringa na janela, de água boa e fresca no pote.
Dói-me apenas
saber que o mato vai se urbanizar um dia, vai virar rua e avenida, como no
passado a cidade já foi somente a mata fechada. Vai ser tristeza demais. E para
as distâncias de outros matos, certamente seguirei em busca de paz e sossego.
Mas por
enquanto ainda consigo encontrar o mundo autêntico do mato, com candeeiro e
pilão, com tamborete e fogão de lenha, com galinha ciscando e cachorro
tocaiando preá. Por isso não estranhe se eu não estiver na cidade.
Quando eu não
estiver na cidade, certamente eu estarei no mato. E no meio do mato colhendo
uma lua, plantando um sol, bebendo da água da flor sertaneja. O mato é meu
mundo. Do mato sou!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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