Por Raimundo Cândido
O banditismo corria solto, o tropel dos cascos de cavalos na madrugada era motivo de inquietações. Essa violência incontida na velha Vila amedrontava o sertanejo corajoso, imagine o mais pacato. Era comum se ver um homem humilde andando com uma espingarda à mão ou uma longa faca do mato no quadril.
Famílias se digladiavam a ferro, fogo e sangue no estrondo do bacamarte ou no papouco das lazarinas, nas emboscadas armadas pelas veredas do sertão.
Não faz muito tempo, uma delegação de escritores de Academia de letras de Crateús foi à Teresina, capital do Piauí, em busca dos dados iniciais de nossa história. A surpresa ficou por conta de caixas e mais caixas com amarelados papéis, no antigo prédio do Instituto Histórico e geográfico- IHG, confirmando que a Villa Príncipe Imperial piauiense, já quase cearense, não passava de um caso de polícia. Leia um trecho do poemeto de Raimundo Cândido sobre o Cratheús de então: “Desde lá que se perdem as esporas / e ganham em incitamento e júbilo. / Aqui, subtrai-se o bridão e o estribo. / E nunca mais se reverenciou a Oeiras. // Nem a erupção da ira monárquica / reina mais na remota Príncipe Imperial, / a poeirenta Villa, que nunca se dobrou, / nem ao ferro nem ao fogo da lei.”
Naquela época, ano de 1849, sentiu-se a necessidade de uma Cadeia Pública para controlar os ímpetos, para dar ordem nos ânimos exaltados e silenciar o som apavorante dos bacamartes e da pólvora espingardeando vingança e espalhando mortes pela esquinas. E o presídio foi construído, na pedra e cal, nas proximidades do Largo da Igreja Senhor do Bonfim, com os fundos para a Caatinga inóspita, terras do Sr. Emanoel Cardoso. E confirmando o ímpeto arruaceiro da Vila, o primeiro a se hospedar atrás das grades foi um dos construtores da horrorosa cadeia que era rodeada por uma calçada de tijolos com sete batentes, com janelas guarnecidas por grossos gradeados de ferro de onde os curiosos ficavam a observas os presos trabalhando, batendo taxinha em chinelas de couros ou elaborando outros apetrechos, como forma de passarem o tempo e pagarem sua estadia naquela dura pensão.
Naquele mesmo ano de sua fundação foram presos os mandantes do bárbaro crime do Pe. Inácio Ribeiro de Melo. O recém chegado padre assume a liderança do Partido Liberal e se candidata a mandatário da Vila Príncipe Imperial. Vence as eleições com uma grande margem de votos, irritando os conservadores (Os Marretas), principalmente o Pe. Francisco Ferreira Santiago, seu opositor. Um perigoso conflito estava armado. O Pe. Inácio vai a Piancó-PB, de encontro a um Juiz, para lhe tirar do aperto. Os capangas de do Pe. Santiago o alcançam perto da cidade de Sousa e o padre foi abatido a tiro, juntamente com seus auxiliares e irmãos. O Pe. Santiago recebe os pistoleiros em Pelo Sinal (Independência), com uma grandiosa festa.
Tiveram o desprivilegio de se hospedar naquele ambiente nada aconchegante o primeiro intendente de Cratheús , Jacob de Melo, e o grande chefe político Cel. Jerônimo de Sousa Lima (Cel.Giló) por envolvimento no assassinato do Capitão Gregório Palhano, de Águas Belas, Ipaporanga. Episódio que ficou conhecido como o “Crime das Águas Belas”.
Quem se aquartelou no Prédio da antiga Cadeia foi o futuro patrono da Infantaria Brasileira, o Tenente Antonio de Sampaio, futuro Brigadeiro Sampaio, com o Tenente Felix Bandeira, quando em perseguição ao “capitão” Alexandre da Silva Mourão IV, um caráter belicoso que atraía para si todas as atenções numa época de desenfreado cangaço. Um bandoleiro cantado em versos e prosas por Nertan Macedo, em Bacamarte dos Mourões, e pelo poeta Geraldo Melo Mourão, no Livro O País dos Mourões. Quem sofreu anos de prisão no velho Prédio foi o Ten-Cel José de Barros Melo, o Cascavel, local aonde chegou a falecer. De 1849 a 1851 enfrentam-se Mourões e Melos nos Sertões de Crateús por questões de sobrepujanças. Nestas intrigas, estavam envolvidos os Feitosas do lado dos Melos e membros da família do Francisco Fernandes Vieira, Visconde de Icó (o Carcará) que bafejavam do lado dos Mourões. As celas da cadeia de Cratheús viviam abarrotadas de malfeitores confessos.
As imundas celas do velho cárcere de Príncipe Imperial receberam muitos clientes ilustres. Quando a viúva Liberalina foi enjaulada, pelo cruel assassinado de sua nora, rezou desesperadamente e bem alto, dia e noite, enquanto durou sua sentença, até perder o siso.
Aquartelava-se, em 1926, no Prédio da cadeia Pública o capitão Peregrino Montenegro para combater os revoltosos, parte do 2º Batalhão da Coluna Miguel-Prestes. Nas ruas havia muita tensão, pavor e medo pela iminência de uma guerra, que na realidade aconteceu. Perambulava, por ali, um mendigo estudando a situação e tudo culminou numa batalha feroz onde caíram dois combatentes revoltosos: o soldado Antoninho Cabeleira e tenente Tarquino.
A velha cadeia segue na difícil missão de readaptar os delinquentes e inseri-los na estrutura coletiva “saldavel”. E quem passava pelo calçadão da prisão, rumo ao Mercado Público, sentia o odor forte da imundice, percebia as baratas e os ratos que por ali também se alojavam e ouvia as ordens que emanavam de dentro: “- Mete o Juca nos couros deste imbecil, cabo! Que ele para de reclamar.” “- Oh, soldado, cutuca nos couros deste vagabundo para ele trabalhar direito!” “– Cabo, vá lá fora e bota esse povo pra correr. Ficam passando fumo de rolo para esses malandros. Eu num digo mesmo!”.
No dia 1 de maio de 1931 a velha Cadeia Pública fecha seu portão principal para dá vez ao novo Quartel de Polícia de Cratheús, uma obra do digníssimo prefeito Pe. Juvêncio, que se apiedou de tanto sofrimento visto ali. Hoje, há quem passe no Prédio da Prefeitura Quadrada e escute os lamentos e os gemidos dos antigos condenados, até rogos da viúva Liberalina pedindo a Deus perdão pelos seus crimes, há quem ouça. Duvida? Então passe por lá e apure a audição!
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