*Rangel Alves da Costa
O jagunço Zeferino passou dois dias e meio entocado no mato. Mato fechado, de beira de estrada, sem que ninguém o visse acaso por ali passasse. Na solidão dos instantes, sua companhia era apenas o rifle. E pronto pra cuspir fogo. Mas em quem?
Caitité, um pobre coitado que não tinha onde cair morto, então foi se aproximando do lugar onde o jagunço estava. Sequer poderia imaginar que por ali estivesse alguém, quando foi surpreendido por um balaço. Um só e já caiu morto.
Motivo da morte: tinha uma nesguinha de terra, coisinha miudinha mesmo, bem ao lado do latifúndio do Coronel Cirineu Aroeira. Como não quis vender a preço de banana, o vizinho potentado então mandou matá-lo. E em seguida enxotaria da casinha a viúva com o filho de colo. Depois se apossaria do terreno.
Cachorrão, jagunço vesgo e de má-fama entre todos os matadores, prometeu ao coronel que nem precisava esperar muito pra jogar a seus pés a orelha de seu desafeto maior: o coronel Epaminondas dos Oiteiros. Sabia a hora que o inimigo de seu patrão iria passar com seu alazão na estrada. E foi só esperar o alazão virar a curva.
Epaminondas nunca andava sozinho, pois justamente pelas muitas inimizades que possuía. Um ou dois jagunços sempre estavam andando ou galopando ao seu lado. O problema é que tinha uma quenguinha bem perto de seu casarão e não gostava de para lá se dirigir em companhia. Ofereceu-se à morte.
Motivo: Desde muito tempo que os dois coronéis não se davam bem. Causas políticas, desavenças eleitorais. A honra de eleger prefeito era como elevar o nome do coronel ao pedestal. Quando o coronel Epaminondas vangloriou-se de ter eleito seu sobrinho, e dizendo que nunca mais nenhum candidato do coronel Titonho da Baraúna seria ao menos vereador, então comprou briga certa. E deu no que deu. Um jagunço de Titonho calou de vez a voz do inimigo.
O jagunço Fedorento era o mais astuto e cheio de estranhezas que podia existir. Franzino, um tiquim de gente, mas poucos sabiam que o homem já tinha derrubado mais de dez só em tocaia. Sua nefasta experiência em tocaiar para matar era tanta que ele mesmo dizia sentir de longe o sangue daquele que ia morrer por suas mãos. E parecia um bicho em ação.
Quando sentia o cheiro, então parecia um ser asqueroso em transformação. Lambia-se todo, lambia o cano do rifle, beijava a bala que ia ser usada. E só usava uma, pois nunca errava um tiro. Quando os olhos começavam a revirar, então aprumava a arma em direção à estrada. Sua vítima se aproximava.
Sua vítima mais recente havia sido Criméro das Goiabas. Motivo: Havia olhado e achado bonita a filha de Terto Tertuliano, que mesmo não tendo patente de coronel nordestino era afamado pelo número de vezes que havia mandado matar por vingança besta. Qualquer um podia ser vítima de seus desajustes. Daquela vez quem pagou foi Criméro, que recebeu um balaço na testa quando, ao anoitecer, virou na curva de casa.
Já o jagunço Queleléu era uma nojeira em pessoa. Mais que matador, um indescritível sanguinário. Possuía um modo de agir tão mórbido e repugnante que nem todo mundo tinha coragem de ver o resultado de suas investidas de morte. Não a forma como matava, pois sempre de tocaia, mas o jeito de anunciar o defuntismo.
Certa feita, tendo prometido ao coronel Elezim Taquara que não demoraria em trazer a orelha do metido a besta chamado Dente de Ouro, em menos de duas horas apareceu com a orelha entre os dentes. Doutra feita, perante o mesmo coronel, apareceu com dois olhos estendidos da mão. E depois disse: Aqui coroné, nunca mais aquele frebento vai oiá pa fia de coroné!
Assim vai o mundo da tocaia, da emboscada, da morte por encomenda. Mas sempre com o mesmo modus operandi: a matança vil, fria, à traição, tendo a vítima despercebida ou desprotegida, e nos escondidos, atrás de troncos ou de tufos de mato, um cruel e desumano matador. O jagunço, o matador, o assassino, o covarde, ou qualquer nome que se queira dar, faz parte desse triste tempo coronelista, sanguinário e na lei do mais forte.
Na história, qual a serventia da tocaia, da emboscada, da morte fria e traiçoeira? Apenas a demonstração de um tempo onde o poder, do latifúndio, da política ou do dinheiro, muitas vezes se mantinha por meio da fria mão do jagunço. O tiro do rifle, do bacamarte ou do mosquetão, era o código prevalecente para dizer quem mandava e quem devia obedecer. O coronel em seu pedestal de varanda e, pelos arredores, o sangue jorrando pelas estradas.
Carcarás, urubus, gaviões, carnicentos, tudo testemunhou esse tempo. Os voos rasantes sobre as vítimas estendidas nas estradas e as carniças apodrecendo sem que ninguém tivesse coragem de denunciar os mandantes. E todo mundo sabia quais eram os mandantes, os verdadeiros jagunços que semearam o medo, o ódio, o sangue e a inglória, pela aridez sertaneja e nordestina.
Escritor
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