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segunda-feira, 13 de julho de 2020

POSTAGEM NÚMERO SEIS.- EU OUVI DE QUEM ESTAVA LÁ...

Por Charles Garrido

Deixemos a análise das imagens após à leitura, por gentileza.

Conforme havíamos prometido, hoje, quando completa setenta e cinco anos do último combate de Lampião, iniciaremos uma série de relatos referentes à esse episódio. E nada melhor do que começarmos, lendo o depoimento daquele que foi forçado à delatar o local onde o rei do cangaço, e seu bando, estavam escondidos na ocasião. Leiamos atentamente, pois estão inseridos vários diálogos, e assim teremos uma melhor compreensão.

Seu nome é Durval Rosa irmão de Pedro de Cândido o último coiteiro de Lampião. 

Aquele cinco de fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, ficará marcado para sempre em nossa memória.

Ele não era muito à dar entrevistas, mas tínhamos um trunfo, Jairo Luiz (o guia), que aliás muito nos ajudou, era casado com uma sobrinha dele, o que supostamente facilitaria nosso tento. Partimos do município alagoano de Piranhas, indo até a cidade sergipana de Poço Redondo, onde ele havia sido prefeito em alguns mandatos, e mesmo com seus oitenta e três anos (à época) ainda era um homem influente em sua região.

Para nossa "infelicidade", era uma tarde chuvosa, e exatamente o dia de um festejo religioso na cidade, o que supunha ser algo imperdível para um sertanejo envolvido com a política. Foi quando um de nossos colegas pesquisadores, falou:

- Está tudo perdido, ele não irá nos receber

Mesmo assim, decidimos seguir em frente.

Paramos os carros na praça, enquanto Jairo Luiz, seguiu até à porta e adentrou à residência.

Alguns minutos depois ele voltou, fazendo mais suspense do que um juiz de direito ao ler a sentença de um réu a ser condenado.

- Ele irá receber vocês, mas sejam breves, pois hoje está havendo um festejo religioso. (Jairo)

O primeiro passo estava dado, ficamos tímidos, pois éramos oito, no total.

Entramos.

Ele e sua família receberam-nos da melhor maneira possível, entretanto, percebíamos que não lparava de olhar para a igreja, que era exatamente em frente à sua casa. Tudo estava contra nós, até mesmo os santos.

Começamos nossa conversa, até então não tratávamos sobre o tema cangaço, só que; surpreendentemente ele falou:

- Como eu já imagino o que vocês querem, podem começar (Durval)

As perguntas começaram à surgir, porém nada de gravações, pois deixamos as câmeras dentro do carro, receosos que isso poderia assustar o senhor em questão.
Depois de quinze, ou vinte minutos de conversa, eu pensei:

- Meu Deus! O homem vai falar tudo e ninguém vai gravar nada.

Ninguém tinha coragem de pedir permissão a ele, pois diziam que nos últimos tempos era avesso à entrevistas. Até que em um certo momento, tomei a iniciativa e o solicitei:

- Sr. Durval, será que poderíamos gravar o seu depoimento?

* Pois não, meu filho (disse ele)

Meus amigos, quando ele falou isso meu coração disparou, eu fiquei parecendo pinto no lixo, quiçá, uma criança pequena, quando volta a energia depois de um "black out".

Fomos correndo pegar os equipamentos para a gravação.

Relatemos agora alguns trechos da entrevista do Sr. Durval Rosa, sem nenhum tipo de interferência, ou modificações. E para uma melhor compreensão por parte de nossos confrades:

DR = Durval Rosa

EQP = Equipe (pois as perguntas, foram feitas por todos nós, pesquisadores presentes)

Sigamos senhores:

EQP - O senhor poderia esclarecer uma dúvida, qual o correto, Grota do Angico, ou Gruta de Anjicos?

DR - o nome correto é Grota do Angico, eu nasci e me criei ali, sei até o local de todas as pedras que tem lá.

EQP - O nome do seu irmão era Pedro de Cândido, ou Pedro de Cândida ?

DR - Pedro de Cândido, pois era uma referência ao nosso pai, que se chamava Cândido.

EQP - O Angico, já era um coito antigo? O senhor era coiteiro?

DR - Eu nunca fui coiteiro, pois ainda era um menino. Já o meu irmão sim, pois era mais velho. E o Angico, já era freqüentado pelo capitão, pois tinha muita água, e muita comida por perto, já que naquela época, a gente tinha muita criação.

EQP - O senhor teve muitos encontros com Lampião?

DR - Tive. Inclusive, dois dias antes dele morrer, conversamos, e perguntei o porque dele continuar naquela vida de cão, ele respondeu que tinha que continuar pra vingar a morte do pai.

EQP - Seu irmão era um homem de confiança de Lampião?

DR - Sim, o capitão confiava muito nele.

EQP - O senhor poderia nos relatar o que aconteceu naquela noite do dia 27, para a madrugada do dia 28 de julho de 1938?

DR - A volante do tenente João Bezerra saiu de Piranhas, a noite, vindo em direção às nossas terras. Ele mandou dois soldados irem até a casa do meu irmão, que na ocasião disse que não iria, pois sua esposa estava grávida e poderia entrar em trabalho de parto a qualquer momento.

Os soldados voltaram sem ele, e o oficial ficou bravo, mandando que eles voltassem de imediato, e o trouxessem a qualquer custo.

Não teve jeito...ele teve que vir

Quando meu irmão chegou até a volante, João Bezerra perguntou:

- Pedro, cadê o homem? (Tenente João Bezerra)

- Sei não seu tenente (Pedro)

- Sabe sim. Só tem uma coisa a fazer contigo, ou você fala, ou morre. (Tenente João Bezerra)

- Sei não senhor (Pedro)

- “Peraí...me dá um punhal pra eu sangrar essa peste aqui sem ter que atirar pra não espantar os bandidos. (Tenente João Bezerra)

- Calma, tenente, eu vou falar... o homem taí... ele e a cabroeira toda do bando. Estão lá na subida da serra. Mas quem pode dar mais informações ao senhor, é o meu irmão Durval, pois antes de ontem, ele foi lá e levou uma máquina de costura da minha mãe, pra eles fazerem um “bornal” pra um sobrinho de Lampião, que havia entrado no bando há pouco tempo. (Pedro)

- Pois vamos agora até o seu irmão. (Tenente João Bezerra)

DR - Aí, já era madrugada, e eu tava sem sono, mesmo porque naquela época ninguém dormia, ainda mais sabendo que Lampião, estava no meu quintal.
Quando dei por mim, ouvi Pedro bater na porta:

- Durval...Durval...Durval (Pedro)

Quando fui atender, pensei:

Vixe Nossa Senhora!

Tinha uns quarenta soldados na calçada. Aí meu irmão disse:

- Durval, o que você souber diga, pois eu já estou aqui todo furado, e se a gente não falar, eles me matam. (Pedro)

DR – O meu irmão vinha andando, e sendo espetado pelos soldados à pontas de punhais.
´
Aí eu desci a calçada, quando pisei no chão, o aspirante Chico Ferreira, totalmente embriagado me empurrou, eu caí, ele colocou a metralhadora na minha cabeça e disse:

- Coiteiro, cabra safado! (Chico Ferreira)

A minha sorte, é que o tenente estava sóbrio, tomou a frente e falou:

Compadre, tenha calma, eu preciso conversar com esse rapaz, ele irá trabalhar por nós.

- Durval, não minta, cadê Lampião? (Tenente João Bezerra)

- Sei não, tenente

- Sabe sim, e diga logo senão eu mato você, e seu irmão. (Tenente João Bezerra)

Aí eu não tinha mais como negar:

- Tenente, os cangaceiros estão aqui perto. Mas eu não posso garantir ao senhor que eles ainda estejam no local. Pois o capitão, pediu pra eu ir lá hoje por volta das cinco horas da manhã, pra devolver a máquina da minha mãe, e pagar umas cabras que eles mataram pra comer.

- Pois ainda dá tempo. Vamos lá agora, e quando chegar no local, se abaixe, pois irá morrer muita gente. (Tenente João Bezerra)

DR - Seguimos subindo a serra, ninguém dava um pio, sempre com cuidado, pra não espantar os cangaceiros. Quando a gente estava se aproximando, ouvimos um barulho, aí eu pensei:

Valha-me nossa senhora, já estão acordados.

O tenente ouviu também, e me perguntou:

- O que foi isso? (Tenente João Bezerra)

- Tenente, cangaceiro não dorme.

Quando a gente foi chegando perto, eu parei e falei:

- Pronto, tenente, aqui ta bom ... (ora mais, eu queria era correr)

- Negativo, vamos continuar. (Tenente João Bezerra)

Aí, eu pensei: o pau quebra já, e vão matar a mim, e meu irmão também. Mas não tinha o que fazer, a não ser, seguir as ordens da volante.

Eu já sabia que estávamos a poucos metros do local, foi quando João Bezerra parou a tropa e perguntou de novo:

- Durval, Lampião está aí mesmo? (Tenente João Bezerra)

- Está, tenente. Não só ele, mas também toda a tropa. E fique certo que o negócio aí vai ser
duro.

O tenente dividiu os soldados, e deu as últimas instruções. Já eram umas quatro e meia da manhã...chuvinha fina...quando eu pensei que não...eu ouvi foi o estrondo:

“taaaaaaaaaaaaaa” (o primeiro tiro de fuzil)

Nunca vi tanta bala na minha vida. E eram uns xingado contra os outros:

- Macaco, traga sua mãe, seu filho da puta (vozes dos cangaceiros)

Foi quando eu vi Lampião, sair da barraca, e levar um tiro à altura do pescoço, e já cair morto. Ele não deu um tiro sequer, e se duvidar, nem percebeu que morreu. Logo depois, eu notei que já haviam, uns sete, ou oito corpos ao chão. Nesse momento, vi o tenente, que estava do meu lado, colocar a mão na perna. Aí eu pensei: ele está baleado.

- O que foi tenente?

- Nada, apenas escorreguei aqui numa pedra. (Tenente)

Porém, eu vi o sangue jorrando, e percebi que realmente ele havia sido atingido. Mas, como era o comandante, não poderia fraquejar, e assim esmorecer os soldados. Foi quando levantou-se e falou:

- Avança tropa...quero Lampião pegado à mão...quero Lampião pegado à mão. Não se dá um tiro perdido...não se dá um tiro perdido. (Tenente)

Aí eu vi o mundo se acabar. Mas, também não demorou muito...foi coisa rápida... mais ou menos, de quinze a vinte minutos.

E já no finalzinho, eu ouvi o grito de Maria Bonita:

- Chega Luiz Pedro, acuda que mataram Lampião. (Maria Bonita)

Logo em seguida ela foi morta também. E só se ouviam os últimos tiros.

Começaram a cortar as cabeças, a golpes de facão.
Até o momento havia dez mortos, e já decapitados. As cabeças todas em fila, uma ao lado das outras. Jamais esquecei daquela cena horrível.

Mas, um dos soldados, percebeu que ainda havia um cangaceiro baleado, e agonizando. Eu já sabia que o apelido dele era Elétrico, mas como não perguntaram seu nome, nem a mim, e nem ao meu irmão, ficamos calados.

O tenente foi até onde estava o cangaceiro caído, e perguntou:

- Bandido, qual o seu nome? (Tenente)

- Pergunte à sua mãe, pois eu dormi com ela essa noite. (Elétrico)

- É rapaz, pena que você não presta mais, senão eu ia lhe levar, pois um homem valente assim, não se mata. (Tenente)

- Não mata o que covarde? Me deixe vivo! Me deixe vivo, que vou lhe buscar debaixo da sua cama, seu filho da puta. (Elétrico)

- Atirem nesse homem aí (Tenente)

O soldado atirou nele, e acabou de matar.

Quando o tenente deus as costas, os outros meteram a faca no cangaceiro já morto.

Aquilo me doeu, pois ele não era bicho, e sim, gente.

O tenente viu, e ficou enfurecido com aquela cena, porém, não tinha mais jeito.
Como os outros dez, já estavam decapitados, João Bezerra falou:

- Corta a cabeça dele também (Tenente)

Aí eu virei o rosto, e não quis ver.

Quando acabou tudo, eu pensei numa maneira de fugir, pois sabia que eles podiam querer me matar, e já não estava mais vendo meu irmão, achava até que ele já estivesse morto.

Foi quando um dos soldados, que era meu primo, me chamou e disse:

- Durval, está na hora de você correr. Veja se consegue escapar de algum bandido que fugiu, pois todos aqui têm raiva de ti, e de seu irmão. Daqui a pouco, vai haver briga de soldado contra soldado, pra saber quem fica com o ouro, e o dinheiro dos cangaceiros.

Quando eu percebi que ia começar a discussão pela disputa dos pertences... fui saindo...saindo...saindo...aí eu corri mesmo... como nunca na minha vida.
E escapei, graças a Deus!

Fim do depoimento.

Analisemos a “foto-montagem”

1 – Durval Rosa, e eu, em sua residência no dia dessa entrevista, em 05 de fevereiro de 1999.

2 – As ruínas da casa de onde partiu a volante em direção ao combate. Ao meu lado, o guia local, Francisco, sobrinho-neto de Durval, e Pedro, em maio de 2004.

Amigo, o privilégio que tive ao estar presente no dia dessa entrevista histórica, não se compara à satisfação em dividir com vocês, esse momento único e inesquecível.

Obrigado a todos, e continuemos, pois temos muito ainda pela frente.

EU OUVI DE QUEM ESTAVA LÁ

Charles Garrido
Pesquisador - Fortaleza - Ce


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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