Antônio Corrêa Sobrinho
"A
resenha abaixo, publicada no Diário de Pernambuco em 1974, sobre o clássico Lampião,
seu Tempo e Seu Reinado, do padre Frederico Bezerra Maciel, faz parte
integrante da seleção de 550 textos jornalísticos, que reuni no e-book Lampião,
Maria Bonita e o Cangaço sob o olhar dos literatos nos jornais e revistas,
disponível gratuitamente no site www.antoniocorreasobrinho.com
UMA OBRA À PROCURA DE UM EDITOR
(Lampião, seu Tempo e Seu Reinado)
José Rafael de Menezes
Foi-me
confiada a leitura e revisão de um trabalho de proporções gigantescas: Lampião,
seu Tempo e Seu Reinado. Os dados do empreendimento são impressionantes: 1.000
laudas datilografadas; 62 capítulos; 526 notas; 120 fotos; 83 mapas... Será que
Lampião é tema para tanto material? Será que Lampião ainda é assunto? E o mais
questionável: o autor é um sacerdote. Padre mesmo de carreira paroquial, com
sua reverência e sua ortodoxia, seu zelo apostólico e sua perseverança
vocacional.
Nos muitos
anos de seu ministério no Sertão, o padre Frederico Bezerra Maciel foi
escutando notícias sobre as atividades dos marginais do cangaço; foi se
impressionando com a superioridade de um deles – Lampião. Observou a variedade
dos julgamentos. Viu-se aos poucos provocado para se definir. Procurou
esclarecimentos junto a vítimas e a protegidos. Por curiosidade visitou
cartórios, leu relatórios oficiais, correspondências particulares, bilhetes
passaportes, folhetos populares. Incursionou pela bibliografia pretensiosa. E
se sentiu obrigado a resumir e a rever... Daí a ideia do livro, já na metade
pelo que recolhera curiosamente. Decidiu-se então aprofundar a pesquisa e
consultou 30 mil exemplares de jornais. Traçou um roteiro histórico-social,
pluricultural, de uma obra muito além de biográfica, ecológica. De análise e
interpretação de toda uma área sertaneja, pouco estudada – a dos afluentes do
São Francisco, Pajeú e Moxotó; das cidades e dos costumes. Dos líderes. Dos
incidentes entre 1910 e 1940. Tudo se destinando a explicar o fenômeno Lampião,
mas transbordando do personagem e valendo na seriedade do expositor, como
estudo geoecológico, social, histórico. Para ser mais útil e original, no seu
imenso esforço, o padre Frederico traçou mapas, reconstitui áreas culturais,
desenhando casas, figuras humanas, animais, objetos – com pendores
excepcionais. De uma multiplicidade minuciosa. Sem dúvida com despesas, em
material, com riscos para se aproximar. E muitas horas, e muitos anos. Trinta
anos de pesquisa. Esses detalhes, esse esforço, essa paixão logo se me
impuseram. A um professor, a um intelectual, a um escritor, tanto trabalho e
tanta perícia, tanto empenho e tanta organização, modelavam-se: para registrar,
para divulgar, para exortar...
Após a leitura
dos primeiros volumes posso afirmar que a obra vale. Que toda essa peripécia se
compensa. O escritor existe e provoca. Haverá de esperar, de um homem erudito,
de um historiador, de um sacerdote à antiga, a verbosidade, o rigor clássico, a
abundância retórica. Pelo já lido há surpreendentemente uma linguagem
audaciosa. Uma abertura quase insólita, pelo conviver e pelo misturar – como
pelo inovar – termos e períodos, frases e conceitos, estrutura do ensaio
gigantesco. Nada pacífico. Nada bem comportado. Um desafio ao leitor. Como
sucedeu ao Os Sertões, de Euclides da Cunha, e à Pedra do Reino, de Ariano
Suassuna. Sem ter tido o propósito de seguir esses mestres, vindo
acidentalmente erguendo sua obra, o padre Frederico é pródigo como expositor. É
um escritor, com muitas complicações, mas um escritor... E sua documentação
resiste, conduz a segurança da responsabilidade do autor e se comprova, pelas
fontes exaustivamente referidas. Estamos então diante de um livro. De um
possível grande livro, só dependendo de um editor.
Na missão que
me foi confiada, de rever e sugerir uma reestruturação da obra, sinto-me
vencido. É impossível alterar um trabalho que foi se erguendo em etapas,
circunstâncias e que conduz a marca do seu autor, nada acadêmico. Limito-me a
ler com proveito e deleito, de sertanejo. Possuo motivos de discordâncias em
alguns pontos, mas na maioria das teses ou das versões, tenho me modificado.
Acredito que o livro poderia ser bem menor, desde que há excessivo zelo por
anotações, discrições, comprovações. Mas como já afirmei, é difícil alterar o
conjunto. É quase impossível podar. Um editor sem ambição de lucros. Um editor
público – de finalidade cultural, como a Universidade, como o Instituto
Nacional do Livro, como o Instituto Joaquim Nabuco, o Instituto Histórico.
O trabalho do
padre Frederico: Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado é grandioso e desafiante.
Polêmico, exaustivo. Mas de uma grandeza que abala o leitor dos originais e
exige um grande editor.
Diário de
Pernambuco (PE) – 04.02.1974
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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