Por Adriana de Paula
Conhecida como
“Tragédia da Piedade”, a morte de Euclides da Cunha tem traços que remetem às
tragédias gregas, marcadas por reviravoltas e muita dor. No dia 15 de agosto de
1909, o escritor, jornalista, engenheiro e professor Euclides da Cunha morria
baleado pelo amante de sua esposa, Dilermando de Assis, deixando o país chocado
e um rastro enorme de especulações e boatos acerca do que realmente aconteceu.
Euclides da
Cunha
Euclides da Cunha estava casado com Anna Emília Solon Ribeiro desde 1890. Em 1905, ele viajou para o Norte do país para chefiar a comissão de demarcação dos limites do Acre em Alto Purus. Sua esposa ficou no Rio de Janeiro e passou a viver em uma pensão com o seu filho mais novo, enquanto os dois mais velhos estudavam em um internato.
Certo dia, o
sobrinho das donas da pensão, Dilermando de Assis, vem passar uma temporada
ali. O jovem era aspirante do Exército e imediatamente despertara a paixão de
Anna, que o via como um “deus louro”.
Consumida pelo
sentimento que o rapaz lhe provocava, ela alugou uma casa em Humaitá e viveu
dias de intenso amor e desejo ao lado de Dilermando. O idílio, entretanto,
chegaria ao fim com o anúncio do retorno do marido. Vivendo com o esposo, mas
completamente fascinada por Dilermando, Anna torturava-se com a ideia de que,
se tivesse engravidado, sequer saberia quem era o pai de seu filho.
Euclides
recebeu um bilhete anônimo falando sobre a traição de sua mulher. Inquirida
pelo marido, Anna negou o caso, disse-lhe apenas que tinha tido pensamentos em
relação a Dilermando. O escritor disse-lhe, então, que não se importava com
seus pensamentos, desde que seu corpo não tivesse sido profanado.
Diante da
situação, Dilermando foi para o Rio Grande do Sul, seguir sua formação como
atirador do Exército.
Anna ficara
com o marido, mas carregava em seu ventre uma criança que poderia ser a prova
de seu adultério. A criança nasceu doente e faleceu sete dias depois. Há
versões que afirmam que o bebê teria morrido porque Euclides não permitiu que
sua mulher o amamentasse. Entretanto, Anna afirma em seu diário que a criança
nasceu doente.
Em 1907,
Dilermando voltou ao Rio de Janeiro para uma temporada de férias. A paixão
avassaladora dos dois viria à tona novamente e, dos encontros entre os amantes,
resultaria uma nova gravidez. Com o término de suas férias, Dilermando voltou
para o Rio Grande do Sul e os dois seguiram mantendo contato através de cartas.
Os rumores
sobre a traição de Anna chegavam com uma frequência enorme aos ouvidos do
marido. As pessoas cobravam-lhe que limpasse sua honra. Doente de hemoptise,
ele exigia que a mulher ficasse o tempo todo ao seu lado. Nessa época, nasceu
Luiz, filho de Anna com Dilermando. Apesar de ter registrado o menino como seu
filho, Euclides o chamava de “espiga de milho em meio ao cafezal” e sabia que
ele era filho do amante da esposa.
Cada vez mais
estafada com o casamento e ansiando pelo retorno do homem que amava, Anna
preenchia páginas e páginas de seu diário com as angústias que a afligiam e com
a esperança de viver com o amado. Estava decidida a romper o casamento com
Euclides, mas foi alertada por sua mãe de que aquela era uma ideia
estapafúrdia.
Pressionada
pela família, ela seguia tentando manter-se junto com o amado, questionando
sobre as interdições que impediam que uma mulher pudesse viver seus desejos. Em
meio a esse cenário, as brigas com o esposo se tornavam cada dia mais intensas,
Euclides da Cunha esperava uma mulher abnegada e obediente, Anna sonhava com
seu “deus loiro de olhos azuis”.
No dia 11 de
agosto de 1909, ela deixou a casa do marido e passou a noite na casa de sua mãe.
No dia seguinte, saiu para se encontrar com Dilermando. Após procurar a esposa
na casa da sogra e não a encontrar, Euclides da Cunha decidiu resolver aquela
situação.
Na manhã do
dia 14 de agosto, após ouvir de Euclides que sua mãe era uma adúltera, Solon
foi até a casa de Dilermando procurar por Anna. Dilermando, entretanto, pediu
que ele esperasse até o amanhecer do dia seguinte.
Completamente
desnorteado e ainda tendo ouvido das tias de Dilermando que ele deveria matar a
esposa adúltera para lavar a sua honra, Euclides saiu de casa disposto a
colocar um fim em tudo aquilo. Sob o pretexto de que precisava se livrar de um
cão doente, ele pegou uma arma com um primo e se dirigiu à casa do rival.
Decidido a matar ou morrer naquela manhã chuvosa do dia 15, o famoso escritor
bateu na casa de número 214 do bairro da Piedade.
Recebido por
Dinorah, irmão de Dilermando, ele entrou gritando e anunciando o seu objetivo
ali. Enquanto Dilermando vestia a sua farda, Euclides arrombou a porta e
acertou-lhe um tiro na virilha. No momento em que o tenente tentava se
recompor, ele recebeu um tiro no peito. Dinorah tentou desarmar Euclides, porém
foi alvejado na nuca.
Dilermando
conseguiu pegar uma arma e atirar no pulso do escritor. Euclides conseguiu
efetuar ainda mais um disparo e ferir a costela direita de seu oponente. Nesse
instante, Dilermando atirou para matar. O famoso escritor caiu com o tiro e
faleceu minutos depois.
O crime chocou
o Brasil e ocupou páginas e páginas dos jornais da época. Euclides da Cunha era
extremamente admirado e respeitado, assim, Anna e Dilermando foram condenados
por grande parte da opinião pública e da imprensa.
A tragédia, no
entanto, não se encerrava ali. O ferimento de Dinorah, algum tempo depois,
viria lhe trazer sequelas, fazendo com que perdesse os movimentos. O jovem
seguia carreira na Escola Naval e destacava-se como jogador de futebol no
Botafogo. Ficar paraplégico foi um golpe muito duro, que fez com que ele
tirasse a própria vida alguns anos depois.
Dilermando foi
preso e julgado pela Justiça Militar, mas foi absolvido por legítima defesa. Em
liberdade, casou-se com Anna, entretanto, o final feliz não era possível para
essa história. No dia 4 de julho de 1916, enquanto estava no Cartório da Vara
de Órfãos tentando conseguir a guarda de seu filho que havia sido registrado
com o nome de Euclides da Cunha, ele foi atingido com um tiro disparado por
Euclides da Cunha Filho. O jovem estava ali para vingar a morte do pai.
Dilermando esperou que alguém o desarmasse, entretanto, isso não aconteceu e ele foi atingido por outro tiro nas costas. Ele, então, sacou o revólver e matou o filho de sua mulher.
Mais uma vez
absolvido sob a alegação de legítima defesa, Dilermando seguiu sendo execrado
por parte da opinião pública.
Mesmo tendo
perdido seu filho pelas mãos de Dilermando, Anna continuou casada com ele e só
o abandonou quando descobriu que havia sido traída. Ela saiu de casa dizendo
que ele era o único homem que não tinha “o direito de prevaricar”. Em meio ao
drama dessas famílias, os filhos de Anna, Euclides e Dilermando seguiram com
disputas e produziram livros nos quais tentavam apresentar as versões de seus
pais.
A trágica história continua sendo lembrada até os dias de hoje e várias versões dos fatos circulam por aí, variando conforme as predileções de quem as conta. O fato é que a tragédia abalou para sempre a família Cunha e a família Assis e entrou para a história como uma típica tragédia grega, marcada por sangue, conflitos familiares e por um grande coro que julga os acontecimentos. Conforme Monteiro Lobato, eles foram “vítimas da deusa da fatalidade” e não conseguiram escapar da tragédia que marcaria as suas vidas e provocaria as suas mortes.
Referências:
ANDRADE,
Jeferson. “Anna de Assis: história de um trágico amor”. Rio de Janeiro:
Codecri, 1987.
ASSIS,
Dilermando de. “A tragédia da Piedade: mentiras e calúnias de ‘A vida dramática
de Euclides da Cunha’”. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1951.
ELUF, Luiza
Nagib. “Matar ou Morrer: o caso de Euclides da Cunha”. São Paulo: Saraiva
Jurídico, 2009.
PRIORE, Mary
Del. “Matar para não morrer: a morte de Euclides da Cunha e a noite sem fim de
Dilermando de Assis”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
https://iconografiadahistoria.com.br/2020/12/04/fita-loka-a-tragedia-da-piedade-o-polemico-fim-de-euclides-da-cunha/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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