Tomislav R. Femenick – Jornalista
No final do século XIX e início
do século passado, as fronteiras dos estados brasileiros ainda eram fluídas e
indefinidas. Esse fato era relevante em muitos pontos do país, porém um dos
lugares em que isso mais se destacava era na linha divisória entre o Rio Grande
do Norte e o Ceará. A contenda se iniciou pela região salineira e logo chegou à
chapada do Apodi. Somente para se ter uma ideia da importância da disputa, o
grande jurista Rui Barbosa, a Águia de Haia, foi o defensor do nosso Estado.
Vencemos.
Nesse cenário houve um outro
litigio – esse não declarado. Tratava-se da conquista comercial de toda a
região. Os cearenses tinham, principalmente, o porto de Aracati e suas salinas.
Nós tínhamos o porto de Areia Branca, as salinas da foz do Rio Mossoró, algodão,
couros e peles de animais de todo o oeste potiguar, além de uma incipiente
exportação de gipsita (gesso), que faziam o porto de Areia Branca ser o sétimo
maior porto brasileiro. No rastro da movimentação portuária, se desenvolveu um
comércio importador de produtos elaborados pela incipiente indústria nacional e
também importados.
Em Mossoró, três grandes “casas de comércio” dominavam a exportação de produtos nativos e a importação de mercadorias de que a região necessitava: a Casa Mota (de meu bisavô, o Cel. Vicente Ferreira da Mota) e as casas pertencentes a Delfino Freire e ao Capitão Zeta (Manoel Tavares Cavalcante), que abasteciam os vales dos rios Assú, Mossoró e (parte) Jaguaribe. Tragadas pelas incertezas da debacle 1929, pela crise gerada invasão de empresas de Recife, Fortaleza e Natal e pela segunda guerra mundial, as casas de comercio mossoroenses fecharam suas portas. A última foi a Casa Mota, que permaneceu até a morte do Cel. Mota.
Somente o chalé de Delfino
Freire, o prédio de sua residência, sobreviveu ao esplendor daquela época.
Localizado na Praça da Catedral e com arquitetura francesa, mesmo fechado ele
se destaca entre as outras edificações.
Um dia, no início dos anos
cinquenta, meu avô (José Rodrigues de Lima, que vivia construindo casas para
alugar), me chamou para ir ver o chalé, que ia ser leiloado. Ele não queria o
prédio; queria o material de construção que estavam ali armazenados: material
elétrico e encanamentos ingleses, ladrilhos franceses, portas de jacarandá e
uma escada em caracol. Quando passávamos por essa escada, vimos que em baixo
delas haviam algumas caixas de madeira. Curioso como sempre, abri uma delas.
Eram apenas garrafas secas de água mineral; porém francesa. Li o rótulo de uma
delas: “Eau de Vichy. Magnésienne en plus”. Meu avô comprou o material de
construção que lhe interessava e nós voltamos para casa.
O tempo passou e eu não me
lembrava mais desse pequeno acontecimento, ocorrido durante um passeio com meu
avô. Até que, em meados dos anos 1970, estávamos eu, minha esposa Goreth e meu
amigo Lafayete Pondo, professor da Universidade de Lyon, viajando de carro pela
França quando paramos na pequena e bela de cidade de Vichy, para almoçar.
Imediatamente veio-me à lembrança aquelas garrafas de água mineral importadas
pela família de Delfino Freire. Comentei sobre o fato com minha mulher e, sem
pestanejar, pedi uma garrafa de água de Vichy e acentuei: ‘Magnésienne en
plus’. Meus Deus do Céu. Pense numa coisa ruim. O gosto era uma mistura de
Emulsão de Scott, Óleo de Rícino e leite podre. Sem me conter, joguei tudo
fora, ali mesmo na calçada do restaurante. Foi o maior perrengue; todo mundo
olhando para mim. Fui salvo pela improvisação da minha mulher; pôs a mão na
minha testa e fingiu que estava tomando a minha pulsação.
Hoje em dia a Água de Vichy é
vendida como produto de toucador; isso é, está catalogado como produto de
beleza e de higiene pessoal, indicada para hidratar a pele do rosto e de outras
partes do copo e pode custar até R$ 200,00.
Relendo a crônica, notei a grande
capacidade do celebro humano. Sai das lutas pela fronteira do Estado, fui bater
na França e terminei falando em produtos de toucador.
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