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quinta-feira, 8 de março de 2012

O VELHO SÁBIO FILOSOFANDO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

O VELHO SÁBIO FILOSOFANDO

Como numa pintura de Rembrandt, o velho sábio está sentado perto de uma mesa com muitos livros grossos e antigos por cima, cujas páginas entreabertas demonstram que o mesmo andou pesquisando alguma coisa. Alfarrábios, brochuras, manuscritos, verdadeiro trabalho de copistas nos mosteiros medievais.
Ainda como numa pintura de Rembrandt, a sala onde está o velho sábio, de barbas longas e esbranquiçadas, rosto já desgastado pelo tempo, mas de olhos profundamente iluminados, é sombria e misteriosa. Não há nitidez naquele semblante antigo, apenas aparências, pois iluminado por uma luz amarela que entra pela janela entreaberta e vai avançando timidamente pelo ambiente.
A luz não vai muito adiante, porém observa-se uma escadaria curva, uma lareira de chamas chegando ao fim, uma janela fechada do outro lado e na parede uma equação indescritível, mas ao lado uma inscrição dizendo que o tempo é a soma dos anos, menos a vida, vezes a dor, acrescida de nada ao final. O vento que entra pela janela move as páginas, talvez fazendo a leitura que não será mais necessária ao velho sábio.
Certamente ele já leu alguma coisa, já pesquisou, pois os livros naquela posição deixam induvidosa tal assertiva. Contudo, não se sabe quando, não se sabe se aqueles livros estão abertos assim desde muito tempo, talvez anos. Ora, ficaram ali esquecidos porque o homem agora lê a vida com sua mente, seu olhar e suas indagações.
Chega um tempo que a sabedoria de um homem não é mais buscada nos livros, nas situações da vida, nas experiências, nem nos experimentos e constatações, pois tudo já formulado no próprio pensamento. O problema é que nesse estágio é que os verdadeiros problemas da humanidade surgem à mente para serem decifrados. E agora é a vez do pensamento encontrar as soluções, se encantar com o encontrado e entristecidamente se angustiar com as dores que afloram.
Talvez Nietzsche e Schopenhauer tivessem chegado a esse estágio de caminhar em busca de explicações mentais e terem encontrado somente a dor, a angústia, o pessimismo. Mas o velho não via o mundo, a vida e a realidade existente pelo seu aspecto mais negativo. Confiava no ser humano e na sua capacidade. Contudo, já há muito tempo que tentava fortalecer, através de exemplos dignos, tal confiança, mas sem conseguir. Como resultado uma frágil esperança.
Ah, como gostaria de continuar confiando no homem! Se o mundo evolui, o progresso vem chegando a passos largos, os benefícios que chegam são infinitos, ainda assim o homem não acompanha o seu tempo. Ao que tudo parece ficou estacionado à sombra de determinados períodos históricos onde imperavam a decadência moral, a brutalidade, a violência pela violência.
Nesse recostado sombrio, cujo muro jamais se abriu para tempos novos, apenas um vestígio do homem ultrapassou seus limites, porém para caminhar avante com o estigma da ignorância pelas suas próprias potencialidades. E ruim saiu das sombras e assim continuou.
Na verdade, a evolução da humanidade de nada parece ter servido para o homem viver e compreender o seu tempo. E eis um problema sério e grave a ser resolvido. Num tempo muito distante, quando a caverna era lar e o descampado a escola, o ser primitivo vivia sua ignorância sem culpa. E aí é que reside a grande diferença do homem primitivo para o que se diz evoluído. Aquele, se errou, o fez pelo desconhecimento e dentro do que a sua realidade permitia. E o que diria o homem moderno?
O homem moderno simplesmente regrediu para o estágio anterior ao primitivo do ser humano. Estágio este marcado pelo caos, pelo vazio, pelo nada, quando muito as sombras e seus arremedos. E isto porque não se pode admitir que o ser da caverna tenha vivido o seu inóspito e rudimentar mundo de forma consciente, e o indivíduo que se diz moderno não saiba viver potencialmente num mundo de incontáveis possibilidades. E o pior é que tal incapacidade de construir, cada vez mais se transforma numa capacidade descomunal de destruir.
Envolto em tais pensamentos, certamente que o velho sábio não precisaria mais daqueles livros sobre a mesa para pensar em respostas. Realmente não precisava, pois a cada nova indagação um espanto, uma tristeza, uma angústia.

Rangel Alves da Costa* 
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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