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domingo, 11 de março de 2012

Respeito à história: Restauração da verdade a cerca de Lampião e Maria Bonita

Por: Voldi Ribeiro
Tomei conhecimento, por vários veículos da proibição, em pedido liminar, de publicação e a comercialização do livro "Lampião - o Mata Sete" de autoria do advogado e juiz aposentado Pedro de Moraes. Decisão do juiz Aldo Albuquerque, da 7ª Vara Cível de Aracaju (SE), na Ação movida por Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião e Maria Bonita. A Ação é preventiva e foi tomada pela família, a quem vou louvar a iniciativa, com um foco muito adequado: não se trata da CENSURA (capítulo negro da história brasileira) - se trata mesmo da reparação moral da intimidade da família - como bem arguída e acatada judicialmente. Acredito que quando se tem a liberdade de expressão garantida há também a possibilidade de ser dirimida qualquer contenda de interesses no nível jurídico e foi o que ocorreu.

No meu modo de ver o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes - pisou na bola - destratou a história e as pessoas - indicando inclusive que a Expedita não é filha de Lampião - as evidências afirmativas da paternidade já de muito tempo foram provadas - a imprensa da época foi testemunha - o irmão de Lampião de nome João Ferreira a criou e não há dúvidas pelos diversos depoimentos de cangaceiros sobreviventes da Saga do Cangaço.
Somente quem, de fato, tem conhecimento apurado acerca do comportamento moral das mulheres que participaram dos grupos de cangaceiros é que poderia ou poderá ainda tratar a questão da fidelidade e da infidelidade no Cangaço. Das quase 80 (oitenta) mulheres, mais ou menos, relacionadas na pesquisa que desenvolvo há mais de 08 anos, apenas Lydia de Zé Baiano, Cristina de Português, Lili de Moita Brava, foram mortas pelos seus companheiros por terem praticado ADULTÉRIO.

Prática social de restauração da HONRA considerada na época como legítima " apoiada, defendida, praticada e cobrada pela ampla maioria dos homens e mulheres rurais " herança da estrutura PATRIARCAL da família brasileira advinda de Portugal, mantida por quase 05 séculos. Já entre os índios brasileiros a infidelidade inexistia ou era tratada de outras maneiras. Há quem afirme ainda está em "voga" este formato de família patriarcal no Brasil. Em baixa é verdade. Ainda hoje ocupam páginas policiais de jornais importantes os chamados crimes passionais.

Há ainda o caso de Maria Jovina de Pancada (Lino de Zezé) que, embora também tenha praticado ADULTÉRIO, não foi morta pelo seu companheiro " foi deixada com a família em Santana do Ipanema pelo cangaceiro Moreno que era amigo da família (depoimento ao autor), e após a morte de Lampião (ocorrida em 28/07/1938), e após as chamadas "ENTREGAS" (ato de se entregar), o cangaceiro Pancada aparece em foto com seu grupo tendo Maria Jovina ao seu lado " se deduz que houve o perdão " caso exótico e diferente para os costumes da época.
Maria de Pancada, ao centro, por ocasião das entregas
O último caso de ADULTÉRIO envolvendo mulher cangaceira " foi o de Dulce do cangaceiro Criança " ocorrido após as "ENTREGAS", quando em companhia de Zé Sereno e Sila " já estavam a caminho de São Paulo capital. Bem retratado pelo pesquisador Antônio Amaury Corrêa de Araújo. Outro caso exótico " Criança apenas carregou os filhos e deixou Dulce já grávida do seu amásio (no caso era ex-policial e proprietário da fazenda onde se encontravam Sila e Dulce). Esperavam seus companheiros que haviam ido antes para criarem as condições de se estabelecerem.

Então no universo de 80 mulheres cangaceiras, mais ou menos, comprovadamente apenas 03 praticaram ADULTÉRIO, durante o período que antecedeu a morte de Lampião (julho de 1938) e todas foram mortas pelos seus companheiros, ou seja, 3,75% em estatística rasteira. Se acrescentarmos os 02 casos pós "ENTREGAS" ainda assim ficamos apenas na casa dos magros e raquíticos 6,25% - inexpressivos e confirmadores da regra social mantenedora da FIDELIDADE FEMININA nas uniões estáveis do mundo do Cangaço.

Outra coisa é querer, sem propriedade nenhuma de conhecimento, atribuir o comportamento ADÚLTERO à Maria Bonita. Da história da presença das mulheres nos grupos de cangaço, se deduz com muita clareza que os costumes rígidos do Sertão nordestino, quanto a Moral, o Respeito e o Recato exigido ao sexo feminino " foram ainda mais reforçados. Diferentemente das falsas notícias de jornais da época que atribuíam comportamentos promíscuos às mulheres cangaceiras. Isso também é, relativamente, dedutível " havia a necessidade de manter forte coesão e respeito à hierarquia dentro dos grupos de cangaço " o comportamento promíscuo, caso tivesse existido, resultaria em conflitos de honra que no Sertão sempre foram resolvidos por meio aniquilamento físico (morte) do transgressor (a).

A fidelidade e o amor de Maria Bonita por Lampião é flagrante nas cenas registradas em 1936, do filme feito por Benjamin Abraão Botto e, sobretudo, por depoimentos de cangaceiros e cangaceiras e soldados volantes que conviveram com a Rainha do Cangaço. Isso é assunto inquestionável na convivência marital entre os dois por quase 09 anos.

Quanto ao "triângulo amoroso" entre Lampião, Maria Bonita e Luis Pedro " essa é outra falácia que não se sustenta na história do Cangaço. Senão vejamos: Luis Pedro tinha sua companheira chamada Neném, morta em combate e vandalizada sexualmente pelos seus algozes " além do sentimento de perda por não ter conseguido proteger sua mulher da morte em combate, este foi também um dos motivos pelo qual Luis Pedro não mais se deixou acompanhar permanentemente por outra mulher.

Se verdade fosse o "triângulo amoroso" na esfera do alto comando do Cangaço, então como poderia ser abaixo do mesmo? Na visão distorcida do ex-juiz Pedro de Moraes " seria então um ambiente completamente promíscuo. NÃO O ERA. Pelo contrário: era de extremo respeito entre cangaceiros e cangaceiras. Isto está revelado nos anais da história por várias pessoas que conviveram dentro e fora dos grupos de cangaço.

Então a restauração do respeito e da verdade pode e deve prevalecer sobre a mentira, já que temos a liberdade de expressão garantida em Lei. Quando alguém intencionalmente ou não, denigre moralmente pessoas e fatos históricos distorcendo verdades já verificadas, a esfera judicial é a GUARDIÃ para todos os efeitos e julga limitando o autor ou mesmo o punido. Essa novela apenas está iniciando. Pena que o público veja tudo isso apenas como um fato JOCOSO - isso sim é homofobia ou heterofobia.
Tânia Alves a bonita Maria da televisã

A LIBERDADE DE OPÇÃO E PRÁTICA SEXUAL DEVE SER SEMPRE DEFENDIDA - isso é uma coisa - A OUTRA É SE TER OPÇÃO HOMOSSEXUAL E QUERER FORÇAR A BARRA AFIRMANDO QUE PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA TIVERAM A MESMA OPÇÃO.
Aliás, pergunta-se, quem é mesmo o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes? Nunca vi ou li do mesmo, algum livro publicado sobre o Cangaço que atestasse seu conhecimento acerca da temática. Muita gente que leu alguns livros se diz especialista. Poucos são aqueles que tratam o assunto com a seriedade que o mesmo requer.

Outra falsa abordagem é opor os adjetivos "BANDIDO ou HERÓI" para qualquer personagem real do cangaço " tenha sido cangaceiro ou volante policial - essa falsa oposição cega a análise isenta e leva o pesquisador a distorcer a realidade para enquadrá-la neste esquema. Houve uma época, um contexto cultural, jurídico-político, social e econômico que propiciou o aparecimento do Cangaço, bem como do Messianismo - como foram os casos do CALDEIRÃO, PAU de COLHER e CANUDOS.

Para este último a recém fundada República propagou para a NAÇÃO que era um aglomerado de fanáticos em torno da liderança de um LOUCO. Denegrindo Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro. Essa ideologia impregnou o povo das capitais. E a guerra de 1894 a 1897 exterminou algo em torno de 35 mil vidas humanas de sertanejos pobres - que desejaram viver por conta própria " até hoje uma VERGONHA.

Voltemos ao tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes: contemporizar é algo que devemos fazer quando a intenção tem razões nobres e válidas. Não é o caso do citado senhor.

Não tenho dúvida que logo-logo o tal ex-juiz venha a estar em algum programa de televisão para, em cadeia nacional, apoiar mais e mais a visão degenerescente das nossas tradições nordestinas e sertanejas. Obras e Novelas tem sido levadas ao público e, em nome de uma palavrinha mágica, "FICÇÃO", roteiristas e diretores tem adotado quase sempre o tom jocoso e depreciativo - como se o povo do SERTÃO nordestino fosse somente essa coisa que casa risos e diverte a Nação.

Penso que o SERTÃO do nosso Nordeste seja a única área verdadeiramente definidora de um caráter BRASILEIRO - há várias razões para se propor tal afirmação. Ainda estamos por aprofundar a nossa "chamada identidade nacional" a antropologia cultural brasileira ainda é devedora disso.

Vejamos: onde ocorreram mais conflitos e por longos períodos na formação brasileira? O que mesmo significaram tais conflitos na nossa formação moral e ética? Antes do Cangaço, envolveram: índios (levantes de Tapuias - vários), negros (os quilombos como foi o de Palmares e suas muitas ramificações pelo Sertão - há evidências históricas comprovadas) e, as chamadas revoltas sociais - ex. o Quebra-Quilos dentre outras.

Eis a pobreza com qual nos deparamos na história brasileira - o fato de termos a mais rica cesta de expressões culturais e artísticas (música, pintura, dança, artes do couro, do metal, do barro e da madeira, rituais, crenças religiosas, a literatura cordel acessível ao povo simples e a literatura erudita, etc., e nelas se encontrar o lado divertido e inteligente de zombar com a própria desgraça é que, decerto, pode ter influenciado este desprezo NACIONAL.
Finalizo meu comentário crítico com uma breve observação quanto ao debate: enquanto há aqueles que inventam ABSURDOS no afã do sucesso fácil e outros que apenas riem e fazem pouco caso do assunto ou até o desmerecem " atitude infantil e leviana, felizmente também há aqueles que por sensatez conseguem ver o lado importante da nossa história e não costumam empurrar a poeira para debaixo do tapete tentando escondê-la, ao contrário buscam a VERDADE e seu desvendamento como forma de provar o que somos hoje como POVO.

Voldi Ribeiro - Sociólogo e Pesquisador de Paulo Afonso-BA -
Fonte: 
http://www.folhasertaneja.com.br
Cariri Cangaço

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