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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

RETRATO DE CRIANÇA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

RETRATO DE CRIANÇA 

Quem visita o meu blog (blograngel-sertao.blogspot.com), ao percorrer o conteúdo encontrará, lá no finalzinho, uma junção de fotografias minhas que se entrelaçam. E quase no cantinho abaixo, em preto e branco, um menino sertanejo chupando um bico enorme, com o olhar para o mundo, mas certamente sem entendê-lo. Sou eu.

Talvez ali estivesse um menino feliz da vida, eis que naquela idade não poderia ser diferente. Espera-se em todo molecote a felicidade e o contentamento. Não sei bem se seis, sete anos ou pouco mais, mas na plenitude da meninice festiva, da criança arrelienta, da idade preocupada apenas com o carrinho de brinquedo, as traquinagens pelas ruas matutas do meu lugar, a vida criança dada por Deus.


Menino de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, menino sertanejo, traquina sergipano, criança amiga da macambira e do preá, da catingueira e da cansanção, molecote amante dos banhos em dias de trovoadas, cativo amante de tanto sol e tanta lua. E amigo do cavalo de pau, da velha muito velha que passava capengando e sempre chamando meu netinho.

Mas olhando bem a fotografia - e com o peito apertado pelas saudades dos tempos idos -, não posso deixar de fazer uma observação sobre o eu ali retratado, ou o eu que se mostra aos olhos do tempo. E contraditoriamente ao que sempre achei que fosse, aquele retrato mostra um menino de semblante entristecido. Será que eu já era triste naquele tempo?

Olho-me e me vejo, sinto não só a infância ali, mas todo o passado. Até esqueço outros momentos, outros percursos e outras idades, para criar uma distância imaginária, ponto a ponto, entre o agora e o momento daquela fotografia. E uma simples constatação: os sentimentos ainda são os mesmos, o filme permaneceu na criança que já não sou e no homem que ainda insiste em ser menino matuto.

Hoje não preciso mais de fotografias, apenas refletir no espelho as tantas marcas, os cabelos de repente com fios de algodão. Mas não posso fugir daquela fotografia. Nenhum outro retrato me mostra tão completamente, tão verdadeiro, quanto aquele já amarelado pelo tempo. E não é uma fotografia de corpo inteiro, mostrando o menino todo cheio de roupas para a pose talvez forçada, mas apenas o rosto de criança e seus afluentes.

Talvez o retrato fosse bem maior, completo, inteiro, mostrando a bermudinha e o sapatinho com meia, mas quando o encontrei num velho e esquecido álbum já estava desse jeito, recortado, mostrando apenas uma parte de mim. Pensei em perguntar à minha mãe sobre o resto. Impossível. Ela não está mais aqui. E o que se mostra é o que me faz imensamente pensativo toda vez que me olho e me encontro.

Alguns aspectos retratados são inconfundíveis, no rosto, no cabelo, mas principalmente na chupeta imensa que tenho à boca. Mentira não, mas só larguei de chupar bico depois de muito apanhar e muito castigo, e já com cerca de dez anos. Talvez por isso eu tenha os lábios grossos, salientes, ainda como vestígios de carregar por tanto tempo um bico na boca.


Contudo, o que realmente impressiona no retrato é o meu olhar ali fixado. Não creio haver motivo para a tristeza numa fase tão bonita da existência. Mas ali não há outro olhar senão o da tristeza. E um olhar apertado, molhado, distante, verdadeiramente expressando um sentimento profundo. Mas qual, naquela idade?

Olho novamente a fotografia e digo a mim mesmo que um dia encontrarei a resposta para aquele instante assim já tão desalentado. Talvez jamais encontre a resposta exata, vez que nunca deixei de olhar daquele jeito: triste, carregado de realidade. Os olhos mais cansados, turvos pelos mil sóis nas noites infindas, e de tão molhados que não mais reconhecem o brilho.

Os olhos são outros, mas os motivos do olhar são os mesmos daqueles tempos, retratados ali na fotografia. E por isso sei quem não puder encontrar meu retrato, basta me encontrar por aí. Os olhos mirando além, e sempre entristecidos, são os meus, mas também os olhos do menino. E quem procura motivos de alegria sou eu, e para dar contentamento aos olhos tristes do menino, e que também sou eu.
  
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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