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quarta-feira, 19 de março de 2014

A CAVERNA CASA DE PEDRA DO CANGACEIRO JESUÌNO BRILHANTE, EM PATU - RN

Por Rostand Medeiros

Durante estes mais de dez anos de estudos espeleológicos, nas inúmeras viagens pelo sertão potiguar e nordestino, foi interessante perceber como a nossa região possui na sua gênese situações sociais únicas em relação ao conjunto da nação brasileira. Dentre estes fenômenos um é de especial destaque, que está sempre presente nas conversas dos alpendres das casas simples e acolhedoras do sertão, é utilizado para quebrar a sisudez dos sertanejos, funcionando como um método simplificado para o início de um diálogo que culmina com a fatal pergunta: “tem caverna por aqui?”. Este assunto é o cangaço.

O flagelo das secas e as conseqüências deste fenômeno climático criaram ao longo dos séculos acontecimentos que marcaram a região nordeste de forma dramática: os retirantes, a fome, os conflitos sociais (como em Canudos) e, indiretamente, o cangaço.

Instigados pelo analfabetismo, pela fome, pelas injustiças praticadas pelos homens poderosos (os coronéis), pela falta do sentido real de justiça e o descaso das autoridades pelos menos favorecidos, fizeram muitos se voltarem para a pratica do cangaceirismo. O palco foi os sertões da Bahia ao Ceará e o tempo ocorreu desde 1765, com o temido Cabeleira em Pernambuco, até a morte de Corisco em 1940.

Em meio a estas situações, no ano de 1844, nascia Jesuíno Alves de Melo Calado, no sítio Tuiuiú, a sete quilômetros da cidade de Patu, na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Homem simples que se tornaria, caçador, tropeiro, vaqueiro, lavrador e, devido ao envolvimento em guerras de família, cangaceiro.

Entrou para história do cangaço como o cangaceiro romântico, que rouba dos ricos para dar para aos mais pobres, que mata em defesa do povo oprimido. Contudo, foi o percussor do cangaço como ficou conhecido até hoje. Sobreviveu quase dez anos na ilegalidade por que foi apoiado por ricos fazendeiros e aos quais respondia a este apoio com a força do seu bando.

Até 1871 Jesuíno trabalhou como lavrador e vaqueiro, levando vida pacata e sossegada, cuidando de sua família. Era casado e possuía cinco filhos. Porém seus problemas tiveram inicio com o roubo de alguns de seus caprinos, roubo atribuído aos seus vizinhos, a família Limão. Não bastasse o sumiço dos animais, alguns dias após o acontecido, um irmão de Jesuíno foi agredido por um elemento da família Limão na feira da então vila de Patu. Nos sertões do nordeste, até os dias de hoje, um homem de bem que venha a matar um oponente por motivo de vingança ou por buscar salvaguardar a sua honra ou de sua família é, em muitos casos, perdoado ou implacavelmente caçado. Com Jesuíno não foi diferente, ele matou o agressor de seu irmão e com poucas alternativas a sua disposição, tornou-se o cangaceiro mais famoso do Rio Grande do Norte.

Existem relatos que a família dos Limões eram ligados a políticos poderosos na região. Sendo assim, não sobrando muitas alternativas a Jesuíno Brilhante, viu-se seguindo pelo caminho das armas e utilizando os mesmos estratagemas dos seus inimigos.

Vários foram seus feitos na região. Em 1874 assaltou a cadeia da cidade paraibana de Pombal, com a intenção de libertar seu pai e seu irmão, presos de forma injusta.

Em uma outra ocasião, no dia 30 de agosto de 1876, ele e seu bando lutaram contra a policia de forma inteligente e corajosa em Imperatriz (atualmente Martins – RN). Tendo ido a esta cidade, por volta das seis da noite, com o intuito de resolver um problema na casa do Sr. Porfírio Leite Pinho, viu-se cercado e passou a resistir tenazmente noite adentro com mais dez companheiros, sempre cantando e fazendo o compasso de seus versos com latas. Finalmente decidem abrir uma passagem de uma casa para outra, através das paredes e surpreendem a polícia. Fogem incólumes por volta das quatro da madrugada aproveitando a escuridão da noite. Todos os fatos ficaram eternizados pela mão do Juiz de Direito José Alexandre de Amorim Garcia.

No interior da gruta encontramos estas duas estacas de baraúna. Segundo o pessoal da região, estas estacas estão aqui desde o tempo do cangaceiro Jesuíno Brilhante e serviam para armar uma rede. Posso garantir que desde 1998 elas estão lá, mas se foram colocadas na década de 1870, aí é outra história. - http://tokdehistoria.wordpress.com/  

Jesuíno Brilhante tinha como seu principal refúgio uma caverna na Serra do Cajueiro, em Patu, que se tornou conhecida com Casa de Pedra de Jesuíno Brilhante. Ali habitavam Jesuíno, sua mulher e seus filhos, pois sua família sempre o acompanhou, exceto nos combates. Esta caverna teria sido descoberta pelo seu tio materno, José Brilhante, conhecido como “Cabe” (1824-1873). Sendo bastante provável que Jesuíno Brilhante já deveria conhecer o local muito antes de ter entrado no cangaço.

O que a pouca bibliografia existente nos conta, é que o velho cangaceiro José Brilhante, teria cortado um grande matagal para facilitar a sua entrada na caverna e decidiu ocupa-la por ser um esconderijo muito bem localizado no aspecto de defesa, devido à visão da região (a caverna situa-se em uma altitude média de 260 metros) e ao fato de encontrar-se próximo uma fonte de água potável.

Esta caverna foi vária vez visitada por estudiosos do fenômeno do cangaço, principalmente com a intenção de avaliar os elementos da paisagem, da utilização da caverna como área de esconderijo e sua potencialidade como baluarte de defesa.

No ano de 1877 ocorreu a mais trágica seca que o nordeste brasileiro já sofreu, Vários comboios de alimentos foram destinados aos necessitados, tendo Jesuíno Brilhante assaltado alguns deles. Ficou a fama que distribuía os alimentos entre os mais pobres e necessitados. Entretanto, outras versões afirmam que estes alimentos eram exclusivamente para a sua “gente”. 

A família materna do ilustre escritor potiguar Luís da Câmara Cascudo foi contemporânea do cangaceiro e o escritor, levado pelas histórias narradas em sua própria casa, pesquisou sobre a sua vida do cangaceiro no ano de 1942. O mestre Cascudo ficou particularmente impressionado com o depoimento, na cidade de Caraúbas - RN, da então octogenária Maria Umbelina de Almeida Castro, ouvindo-a dizer, convicta: “Jesuíno foi um homem, homem de caráter e de vergonha, homem de palavra. No tempo de Jesuíno honra de moça donzela e de mulher pobre tinham defesa“.

Jesuíno Brilhante tombou lutando contra seus inimigos em dezembro de 1879, na localidade de Riacho dos Porcos, em Brejo do Cruz, na Paraíba. Para o povo ele morreu como um bravo.

Foi como uma lembrança longínqua, trazidas pelos colonizadores portugueses, das antigas narrativas de lutas medievais que eram cantadas em verso e prosa nas feiras e fazendas do arcaico sertão nordestino. Criando de forma prática, um tipo de código de honra, que empunha entre aqueles que o conhecia, que muitas situações só poderiam ser resolvidas com sangue. Foi como o herói de “Carlo Magno e os doze pares de França” ou da incrível historia contada nos versos de “Roberto Bruce e a princesa Mangalona” que Jesuíno Brilhante seguiu a tradição do seu tempo, a desonra seria perder as armas ou render-se.

Tinha apenas 35 anos.

No Rio Grande do Norte, a lembrança de Jesuíno Brilhante, provoca atualmente uma situação que coloca a visão do fenômeno do cangaceirismo com características diferenciadas de outros estados nordestinos.

Enquanto em Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, o mais comentado cangaceiro brasileiro, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1899-1938), é alvo de intensas controvérsias. No estado potiguar, grande parte da população, lhe aplica apenas uma denominação: bandido.

“Se Lampião foi ou não uma boa pessoa“, “se ajudou ou não os mais pobres“, “se era um bandido ou um injustiçado”, são temas dos inúmeros debates que ocorrem nestes estados. Criando, muitas vezes, uma imagem quase positiva deste controverso homem. Gerando margem para a criação de variadas interpretações de sua saga.

Entretanto, em Mossoró - RN, o povo comenta com orgulho a derrota do bando no propalado ataque realizado por ele e seu grupo de cinqüenta cangaceiros no dia 13 de junho de 1927.

Nas nossas pesquisas espeleológicas, principalmente quando trabalhamos nas áreas rurais das cidades de Felipe Guerra e Governador Dix-Sept-Rosado (região por onde o bando de Lampião passou em direção a Mossoró), comenta-se muito a série de atrocidades, roubos e seqüestros cometidos por este cangaceiro.

A rápida passagem de Lampião pelo Rio Grande do Norte criou, através de sua violência, uma situação muito diferenciada em relação às lembranças deixadas por Jesuíno Brilhante e a sua relação com a população local. Desde variados escritores, até as pessoas mais simples da região oeste do sertão potiguar, reconhecem Jesuíno Brilhante como uma pessoa extremamente cordial, homem de palavra, honrado. Que fazia o que fazia por que não havia justiça para os mais pobres.  

Este foi um dos principais vestígios deixado por um cangaceiro, morto há cento e vinte e três anos.

A realidade é sempre cruel nos seus fatos, podendo toda esta historia não ter sido tão romântica como está escrito nos livros. Contudo, persiste até hoje, lenda do cangaceiro romântico.

Não existem registros fotográficos de Jesuíno Brilhante, contudo a sua caverna-esconderijo esta muito bem conservada e é o símbolo mais importante de suas aventuras e desventuras.

A primeira literatura publicada que faz, inúmeras vezes, alusão a esta caverna, é a do escritor cearense Rodolfo Teófilo (1853-1932). Com o seu romance, “Os Brilhantes” de 1895. Depois vieram outros literatos, escritores e pesquisadores como Eloy de Souza (1873-1959), Gustavo Barroso (1888-1959).

Em 19 de janeiro de 1969, o escritor mossoroense Raimundo Nonato (1907-1993) visitou a caverna com a intenção de coletar dados mais fidedignos para a realização do seu livro “Jesuíno Brilhante - O Cangaceiro Romântico”. O escritor relata o quanto foi difícil o acesso e compreende a razão do cangaceiro haver resistido a várias incursões de forças do governo, dentre estas uma comandada pelo então oficial de policia e futuro senador e ministro Amaro Bezerra Cavalcanti.

O escritor comenta o aspecto assustador da caverna e sobre a existência de cobras cascavéis no seu interior. Várias pessoas estiveram presentes e a caminhada da sede da fazenda Cajueiro até a gruta, que durou três horas por razão da mata fechada.

A literatura de cordel versa muito pouco sobre o assunto, já que os poetas populares, fixaram-se na figura do cangaceiro e sua vida de lutas, deixando muitas vezes de referir-se ao seu esconderijo.

Em 1997, uma equipe espeleológica da SEPARN (na época ainda não constituída juridicamente) e membros da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (dentre eles o escritor e folclorista Gutenberg Costa e o jornalista Cid Rosado), realizaram uma visitação a área da caverna.

Nesta ocasião, os pesquisadores da SBEC, comprovaram sobre vários aspectos as características defensivas desta caverna. Em particular, a visão privilegiada que os cangaceiros possuíam da região a partir do topo da caverna, possibilitando o tempo necessário para uma adequada reação armada aos ataques das forças policiais. Dentro da caverna, é possível verificar que pedras foram deslocadas para melhor proteger a entrada e dar uma melhor visualização da área externa, visando uma melhor condição de disparo. O teto da caverna está com fuligem negra proveniente da utilização de fogueiras.

Outro aspecto interessante relativo à maneira de sobrevivência do grupo de cangaceiros é a existência da antiga fonte de água em uma resurgência no granito a poucos mais de 200 metros da caverna.

Atualmente a fazenda Cajueiro pertence ao Sr. Jorge Pereira de Castro (popularmente conhecido como “Josa Baiano”) e fica localizada às margens da rodovia que liga Patu - RN a Catolé do Rocha -PB. A propriedade localiza-se a 5,6 Km da área urbana de Patu e durante o ciclo do algodão no Rio Grande do Norte (1860 a 1950) chegou a empregar 150 pessoas na produção algodoeira. Atualmente ainda existem no local benfeitorias desta época. Da sede da propriedade para a caverna percorre-se uma distância de 1.800 metros.

Com relação à geologia da área ela é formada de rochas magmáticas, ou seja, rochas formadas pelo resfriamento e solidificação do magma. No caso de Patu, por não haver uma comunicação com a superfície, o magma cristalizou-se quando ainda estava em sub-superfície, formando as rochas conhecidas como granito, no período geológico conhecido como proterozóico superior, que varia de 570 milhões de anos a 1,1 bilhões de anos atrás. Com o passar do tempo, a cobertura rochosa que recobria os granitos, sofreu processos erosivos e foi retirada, de tal forma que estas rochas altamente resistentes à erosão permaneceram com sua forma pouco alterada, justificando a formação das serras da região, que possuem altitudes variáveis de 500 metros a 800 metros, com relação ao nível do mar. Na Serra do Cajueiro, desde a base até as altitudes mais elevadas, existem abrigos criados pelo rolamento de blocos de granito. Estes blocos são formados devido ao intemperismo e falhamentos que atuam na rocha. Um destes abrigos é a caverna de Jesuíno Brilhante.

Durante a visita conjunta SEPARN - SBEC, em 1997, foi realizada uma topografia preliminar que definiu como área total de progressão da caverna de 60,46 metros, desnível de 6,72 metros, extensão norte-sul de 14,64 metros, extensão leste-oeste de 14,22 metros e altura média de 2 metros. Sua localização em coordenadas geográficas em UTM ficou definida em: área 24 648736E 9319399N.

Dentro de critérios estritamente espeleológico a caverna de Jesuíno Brilhante seria classificada como um abrigo de rolamento de blocos de granito. Contudo creio ser positivo, pelo menos neste trabalho, manter o nome como o local é conhecido pela população nativa.

Em recente visita realizada pelos membros do CECAV-RN e SEPARN pode-se comprovar que já ocorrem visitações desordenadas, existindo algumas pichações a base de carvão e alguma quantidade de lixo. Este dado é preocupante, pois a caverna possui poucas dimensões e qualquer atitude depredatória acarretará em uma perda irreversível deste patrimônio.

As cavernas são recursos naturais não-renovaveis, por esta razão é muito importante que, para uma melhor utilização deste patrimônio histórico-espeleologico dentro do âmbito do turismo ecológico, sejam realizados  estudo mais abrangente, não apenas na área especifica da utilização da caverna como produto turístico, mas realizar toda uma gama de pesquisas nas encostas da Serra do Cajueiro buscando novos abrigos relacionados ou não com a caverna de Jesuíno Brilhante.

Rostand Medeiros é historiógrafo e pesquisador do cangaço.
Seu site: http://tokdehistoria.wordpress.com

http://ozildoroseliafazendohistoriahotmail.blogspot.com.br
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo13:58:00

    Mendes amigo: Ótimo e amplo texto do nobre historiador Rostand Medeiros. Estou lendo, mas irei estudá-lo cuidadosamente. Parabéns Mendes; Parabéns Professor Medeiros.
    Antonio Oliveira - Serrinha - Bahia

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