Por
Rostand Medeiros
Durante
estes mais de dez anos de estudos espeleológicos, nas inúmeras viagens pelo
sertão potiguar e nordestino, foi interessante perceber como a nossa região
possui na sua gênese situações sociais únicas em relação ao conjunto da nação
brasileira. Dentre estes fenômenos um é de especial destaque, que está sempre
presente nas conversas dos alpendres das casas simples e acolhedoras do sertão,
é utilizado para quebrar a sisudez dos sertanejos, funcionando como um método
simplificado para o início de um diálogo que culmina com a fatal pergunta: “tem
caverna por aqui?”. Este assunto é o cangaço.
O
flagelo das secas e as conseqüências deste fenômeno climático criaram ao longo
dos séculos acontecimentos que marcaram a região nordeste de forma dramática:
os retirantes, a fome, os conflitos sociais (como em Canudos) e, indiretamente,
o cangaço.
Instigados
pelo analfabetismo, pela fome, pelas injustiças praticadas pelos homens
poderosos (os coronéis), pela falta do sentido real de justiça e o descaso das
autoridades pelos menos favorecidos, fizeram muitos se voltarem para a pratica
do cangaceirismo. O palco foi os sertões da Bahia ao Ceará e o tempo ocorreu
desde 1765, com o temido Cabeleira em Pernambuco, até a morte de Corisco em
1940.
Em
meio a estas situações, no ano de 1844, nascia Jesuíno Alves de Melo Calado, no
sítio Tuiuiú, a sete quilômetros da cidade de Patu, na fronteira do Rio Grande
do Norte com a Paraíba. Homem simples que se tornaria, caçador, tropeiro,
vaqueiro, lavrador e, devido ao envolvimento em guerras de família, cangaceiro.
Entrou
para história do cangaço como o cangaceiro romântico, que rouba dos ricos para
dar para aos mais pobres, que mata em defesa do povo oprimido. Contudo, foi o
percussor do cangaço como ficou conhecido até hoje. Sobreviveu quase dez anos
na ilegalidade por que foi apoiado por ricos fazendeiros e aos quais respondia
a este apoio com a força do seu bando.
Até
1871 Jesuíno trabalhou como lavrador e vaqueiro, levando vida pacata e
sossegada, cuidando de sua família. Era casado e possuía cinco filhos. Porém
seus problemas tiveram inicio com o roubo de alguns de seus caprinos, roubo
atribuído aos seus vizinhos, a família Limão. Não bastasse o sumiço dos
animais, alguns dias após o acontecido, um irmão de Jesuíno foi agredido por um
elemento da família Limão na feira da então vila de Patu. Nos sertões do
nordeste, até os dias de hoje, um homem de bem que venha a matar um oponente
por motivo de vingança ou por buscar salvaguardar a sua honra ou de sua família
é, em muitos casos, perdoado ou implacavelmente caçado. Com Jesuíno não foi
diferente, ele matou o agressor de seu irmão e com poucas alternativas a sua
disposição, tornou-se o cangaceiro mais famoso do Rio Grande do Norte.
Existem
relatos que a família dos Limões eram ligados a políticos poderosos na região.
Sendo assim, não sobrando muitas alternativas a Jesuíno Brilhante, viu-se
seguindo pelo caminho das armas e utilizando os mesmos estratagemas dos seus
inimigos.
Vários
foram seus feitos na região. Em 1874 assaltou a cadeia da cidade paraibana de
Pombal, com a intenção de libertar seu pai e seu irmão, presos de forma
injusta.
Em
uma outra ocasião, no dia 30 de agosto de 1876, ele e seu bando lutaram contra
a policia de forma inteligente e corajosa em Imperatriz (atualmente Martins –
RN). Tendo ido a esta cidade, por volta das seis da noite, com o intuito de
resolver um problema na casa do Sr. Porfírio Leite Pinho, viu-se cercado e
passou a resistir tenazmente noite adentro com mais dez companheiros, sempre
cantando e fazendo o compasso de seus versos com latas. Finalmente decidem
abrir uma passagem de uma casa para outra, através das paredes e surpreendem a
polícia. Fogem incólumes por volta das quatro da madrugada aproveitando a
escuridão da noite. Todos os fatos ficaram eternizados pela mão do Juiz de
Direito José Alexandre de Amorim Garcia.
No
interior da gruta encontramos estas duas estacas de baraúna. Segundo o pessoal
da região, estas estacas estão aqui desde o tempo do cangaceiro Jesuíno
Brilhante e serviam para armar uma rede. Posso garantir que desde 1998 elas
estão lá, mas se foram colocadas na década de 1870, aí é outra história. - http://tokdehistoria.wordpress.com/
Jesuíno
Brilhante tinha como seu principal refúgio uma caverna na Serra do Cajueiro, em
Patu, que se tornou conhecida com Casa de Pedra de Jesuíno Brilhante. Ali
habitavam Jesuíno, sua mulher e seus filhos, pois sua família sempre o
acompanhou, exceto nos combates. Esta caverna teria sido descoberta pelo seu
tio materno, José Brilhante, conhecido como “Cabe” (1824-1873). Sendo bastante
provável que Jesuíno Brilhante já deveria conhecer o local muito antes de ter
entrado no cangaço.
O
que a pouca bibliografia existente nos conta, é que o velho cangaceiro José
Brilhante, teria cortado um grande matagal para facilitar a sua entrada na
caverna e decidiu ocupa-la por ser um esconderijo muito bem localizado no
aspecto de defesa, devido à visão da região (a caverna situa-se em uma altitude
média de 260 metros) e ao fato de encontrar-se próximo uma fonte de água
potável.
Esta
caverna foi vária vez visitada por estudiosos do fenômeno do cangaço,
principalmente com a intenção de avaliar os elementos da paisagem, da
utilização da caverna como área de esconderijo e sua potencialidade como
baluarte de defesa.
No
ano de 1877 ocorreu a mais trágica seca que o nordeste brasileiro já sofreu,
Vários comboios de alimentos foram destinados aos necessitados, tendo Jesuíno
Brilhante assaltado alguns deles. Ficou a fama que distribuía os alimentos
entre os mais pobres e necessitados. Entretanto, outras versões afirmam que
estes alimentos eram exclusivamente para a sua “gente”.
A
família materna do ilustre escritor potiguar Luís da Câmara Cascudo foi
contemporânea do cangaceiro e o escritor, levado pelas histórias narradas em
sua própria casa, pesquisou sobre a sua vida do cangaceiro no ano de 1942. O
mestre Cascudo ficou particularmente impressionado com o depoimento, na cidade
de Caraúbas - RN, da então octogenária Maria Umbelina de Almeida Castro,
ouvindo-a dizer, convicta: “Jesuíno foi um homem, homem de caráter e de
vergonha, homem de palavra. No tempo de Jesuíno honra de moça donzela e de
mulher pobre tinham defesa“.
Jesuíno
Brilhante tombou lutando contra seus inimigos em dezembro de 1879, na
localidade de Riacho dos Porcos, em Brejo do Cruz, na Paraíba. Para o povo ele
morreu como um bravo.
Foi como uma
lembrança longínqua, trazidas pelos colonizadores portugueses, das antigas
narrativas de lutas medievais que eram cantadas em verso e prosa nas feiras e
fazendas do arcaico sertão nordestino. Criando de forma prática, um tipo de
código de honra, que empunha entre aqueles que o conhecia, que muitas situações
só poderiam ser resolvidas com sangue. Foi como o herói de “Carlo Magno e os
doze pares de França” ou da incrível historia contada nos versos de “Roberto
Bruce e a princesa Mangalona” que Jesuíno Brilhante seguiu a tradição do seu
tempo, a desonra seria perder as armas ou render-se.
Tinha apenas
35 anos.
No Rio Grande
do Norte, a lembrança de Jesuíno Brilhante, provoca atualmente uma situação que
coloca a visão do fenômeno do cangaceirismo com características diferenciadas
de outros estados nordestinos.
Enquanto em
Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, o mais comentado cangaceiro brasileiro,
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1899-1938), é alvo de intensas
controvérsias. No estado potiguar, grande parte da população, lhe aplica apenas
uma denominação: bandido.
“Se Lampião
foi ou não uma boa pessoa“, “se ajudou ou não os mais pobres“, “se era um
bandido ou um injustiçado”, são temas dos inúmeros debates que ocorrem nestes
estados. Criando, muitas vezes, uma imagem quase positiva deste controverso
homem. Gerando margem para a criação de variadas interpretações de sua saga.
Entretanto, em
Mossoró - RN, o povo comenta com orgulho a derrota do bando no propalado ataque
realizado por ele e seu grupo de cinqüenta cangaceiros no dia 13 de junho de
1927.
Nas nossas
pesquisas espeleológicas, principalmente quando trabalhamos nas áreas rurais
das cidades de Felipe Guerra e Governador Dix-Sept-Rosado (região por onde o
bando de Lampião passou em direção a Mossoró), comenta-se muito a série de
atrocidades, roubos e seqüestros cometidos por este cangaceiro.
A rápida
passagem de Lampião pelo Rio Grande do Norte criou, através de sua violência,
uma situação muito diferenciada em relação às lembranças deixadas por Jesuíno
Brilhante e a sua relação com a população local. Desde variados escritores, até
as pessoas mais simples da região oeste do sertão potiguar, reconhecem Jesuíno
Brilhante como uma pessoa extremamente cordial, homem de palavra, honrado. Que
fazia o que fazia por que não havia justiça para os mais pobres.
Este foi
um dos principais vestígios deixado por um cangaceiro, morto há cento e vinte e
três anos.
A realidade é
sempre cruel nos seus fatos, podendo toda esta historia não ter sido tão
romântica como está escrito nos livros. Contudo, persiste até hoje, lenda do cangaceiro
romântico.
Não existem
registros fotográficos de Jesuíno Brilhante, contudo a sua caverna-esconderijo
esta muito bem conservada e é o símbolo mais importante de suas aventuras e
desventuras.
A primeira
literatura publicada que faz, inúmeras vezes, alusão a esta caverna, é a do
escritor cearense Rodolfo Teófilo (1853-1932). Com o seu romance, “Os
Brilhantes” de 1895. Depois vieram outros literatos, escritores e pesquisadores
como Eloy de Souza (1873-1959), Gustavo Barroso (1888-1959).
Em
19 de janeiro de 1969, o escritor mossoroense Raimundo Nonato (1907-1993)
visitou a caverna com a intenção de coletar dados mais fidedignos para a
realização do seu livro “Jesuíno Brilhante - O Cangaceiro Romântico”. O
escritor relata o quanto foi difícil o acesso e compreende a razão do
cangaceiro haver resistido a várias incursões de forças do governo, dentre
estas uma comandada pelo então oficial de policia e futuro senador e ministro
Amaro Bezerra Cavalcanti.
O
escritor comenta o aspecto assustador da caverna e sobre a existência de cobras
cascavéis no seu interior. Várias pessoas estiveram presentes e a caminhada da
sede da fazenda Cajueiro até a gruta, que durou três horas por razão da mata
fechada.
A
literatura de cordel versa muito pouco sobre o assunto, já que os poetas
populares, fixaram-se na figura do cangaceiro e sua vida de lutas, deixando
muitas vezes de referir-se ao seu esconderijo.
Em
1997, uma equipe espeleológica da SEPARN (na época ainda não constituída
juridicamente) e membros da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço
(dentre eles o escritor e folclorista Gutenberg Costa e o jornalista Cid
Rosado), realizaram uma visitação a área da caverna.
Nesta
ocasião, os pesquisadores da SBEC, comprovaram sobre vários aspectos as características
defensivas desta caverna. Em particular, a visão privilegiada que os
cangaceiros possuíam da região a partir do topo da caverna, possibilitando o
tempo necessário para uma adequada reação armada aos ataques das forças
policiais. Dentro da caverna, é possível verificar que pedras foram deslocadas
para melhor proteger a entrada e dar uma melhor visualização da área externa,
visando uma melhor condição de disparo. O teto da caverna está com fuligem
negra proveniente da utilização de fogueiras.
Outro
aspecto interessante relativo à maneira de sobrevivência do grupo de
cangaceiros é a existência da antiga fonte de água em uma resurgência no
granito a poucos mais de 200 metros da caverna.
Atualmente
a fazenda Cajueiro pertence ao Sr. Jorge Pereira de Castro (popularmente
conhecido como “Josa Baiano”) e fica localizada às margens da rodovia que liga
Patu - RN a Catolé do Rocha -PB. A propriedade localiza-se a 5,6 Km da área
urbana de Patu e durante o ciclo do algodão no Rio Grande do Norte (1860 a 1950)
chegou a empregar 150 pessoas na produção algodoeira. Atualmente ainda existem
no local benfeitorias desta época. Da sede da propriedade para a caverna
percorre-se uma distância de 1.800 metros.
Com
relação à geologia da área ela é formada de rochas magmáticas, ou seja, rochas
formadas pelo resfriamento e solidificação do magma. No caso de Patu, por não
haver uma comunicação com a superfície, o magma cristalizou-se quando ainda
estava em sub-superfície, formando as rochas conhecidas como granito, no
período geológico conhecido como proterozóico superior, que varia de 570
milhões de anos a 1,1 bilhões de anos atrás. Com o passar do tempo, a cobertura
rochosa que recobria os granitos, sofreu processos erosivos e foi retirada, de
tal forma que estas rochas altamente resistentes à erosão permaneceram com sua
forma pouco alterada, justificando a formação das serras da região, que possuem
altitudes variáveis de 500 metros a 800 metros, com relação ao nível do mar. Na
Serra do Cajueiro, desde a base até as altitudes mais elevadas, existem abrigos
criados pelo rolamento de blocos de granito. Estes blocos são formados devido
ao intemperismo e falhamentos que atuam na rocha. Um destes abrigos é a caverna
de Jesuíno Brilhante.
Durante
a visita conjunta SEPARN - SBEC, em 1997, foi realizada uma topografia
preliminar que definiu como área total de progressão da caverna de 60,46
metros, desnível de 6,72 metros, extensão norte-sul de 14,64 metros, extensão
leste-oeste de 14,22 metros e altura média de 2 metros. Sua localização em
coordenadas geográficas em UTM ficou definida em: área 24 648736E 9319399N.
Dentro
de critérios estritamente espeleológico a caverna de Jesuíno Brilhante seria
classificada como um abrigo de rolamento de blocos de granito. Contudo creio
ser positivo, pelo menos neste trabalho, manter o nome como o local é conhecido
pela população nativa.
Em
recente visita realizada pelos membros do CECAV-RN e SEPARN pode-se comprovar
que já ocorrem visitações desordenadas, existindo algumas pichações a base de
carvão e alguma quantidade de lixo. Este dado é preocupante, pois a caverna
possui poucas dimensões e qualquer atitude depredatória acarretará em uma perda
irreversível deste patrimônio.
As
cavernas são recursos naturais não-renovaveis, por esta razão é muito
importante que, para uma melhor utilização deste patrimônio
histórico-espeleologico dentro do âmbito do turismo ecológico, sejam
realizados estudo mais abrangente, não apenas na área especifica da
utilização da caverna como produto turístico, mas realizar toda uma gama de
pesquisas nas encostas da Serra do Cajueiro buscando novos abrigos relacionados
ou não com a caverna de Jesuíno Brilhante.
Rostand Medeiros é historiógrafo e pesquisador do cangaço.
Seu site: http://tokdehistoria.wordpress.com
http://ozildoroseliafazendohistoriahotmail.blogspot.com.br
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Mendes amigo: Ótimo e amplo texto do nobre historiador Rostand Medeiros. Estou lendo, mas irei estudá-lo cuidadosamente. Parabéns Mendes; Parabéns Professor Medeiros.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha - Bahia