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domingo, 30 de março de 2014

O CANGACEIRO SABINO E O CABOCLO D’ÁGUA

Por Cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira


Nordeste brasileiro 22 de junho de 1926 17:15h, Sabino Gomes liderava uma pequena tropa de cinco cangaceiros montados, que se deslocavam precavidos por uma vereda estreita e barrenta paralela à estrada principal que ligava as cidades de Canindé do São Francisco à Poço Redondo, ambas no interior do estado de Sergipe, pois cavalgavam com destino à um coito próximo às barrancas do Rio São Francisco. Era por volta das 21:00h quando chegaram ao determinado lugar, e o coiteiro que já lhes aguardava, acolheu e os abrigou em um casarão retirado quase oculto, entre os arvoredos da propriedade, enquanto o vaqueiro foi saciar e alimentar as suas montarias, eles se deitaram para descansar um pouco.

Havia chovido muito naquela manhã, e durante o dia inteiro o tempo ficou nublado, vindo a estiar só quando escureceu, e assim, o céu negro estrelado parecia um grande alvo fixado no espaço sideral, atingido por inúmeros projéteis prateados de milhares de mosquetes disparados rumo ao infinito no além. O vento gélido vindo lá das bandas do Velho Chico, açoitava lá fora, como se fosse uma guasca gaúcha, aumentando ainda mais a fome e o apetite, nisso chega de volta o tal coiteiro junto ao empregado, trazendo um caldeirão de pirão quente e bem apimentado com grandes nacos de carne seca cosida; também um garrafão contendo uns três litros de pinga da boa, feita no próprio alambique da fazenda. Após os cabras se fartarem com a comida e a bebida, Sabino montou uma guarda com os cangaceiros, que se revezaram em turnos de duas horas cada um, até ao amanhecer, e os demais adormeceram aconchegados sobre o capim seco e quente espalhado pelo chão daquele estábulo.

No alvorecer da manhã seguinte, quando o rei do terreiro anunciava cantando o despertar do novo dia, Sabino Gomes reuniu seus cabras, e após tomarem um saboroso  café com broa de milho, arriaram suas cavalgaduras e partiram com o intuito de se juntarem ao bando de Corisco, em um outro coito naquela mesma região. E assim, eles cavalgaram o dia inteiro, e bem à tardinha, quando estavam próximos à uma estalagem, isto é; venda de beira de estrada, foram surpreendidos, sendo recebidos a tiros por um pelotão composto de vinte militares volantes que se encontravam acantonadas naquele lugar. Formou-se então um tiroteio cerrado, que durou cerca de vinte minutos, com baixas de ambos os lados. Os cangaceiros por estarem em menor número, e ainda mais expostos, foram quase dizimados, sofrendo três baixas e, um cabra que ficou gravemente ferido, foi cruelmente assassinado, tendo a cabeça decepada ainda vivo, logo após ser preso pela implacável força policial volante. O chefe Sabino e um cangaceiro novato por nome de Gitirana, lutaram e resistiram bravamente durante a maior parte do confronto, mas se vendo em desvantagem, para não morrerem, ou serem capturados, debandaram-se, abandonando o prélio. Sabino e seu comparsa apartaram-se ao escaparem, correndo ora rastejando como teiús pelas caatingas, com as balas dos fuzis da polícia penteando seus cabelos, e mesmo assim, milagrosamente lograram êxito ao fugirem.


Era plenilúnio e Sabino Gomes andou quase a noite toda, mas foi por volta das 02:20h, que ele chegou no terreiro de um ranchinho, às margens do Rio São Francisco, os cães latiam  ao seu redor, e o cangaceiro cauteloso, chamou por várias vezes, mas, só após algum tempo, foi que o pescador tímido e desconfiado, respondeu oculto lá de dentro da pequena habitação.

Sabino então pediu ajuda, e até ofereceu dinheiro para que o homem o conduzisse até o outro lado do rio, mas, o tal caboclo gaguejando e com muito medo, de dentro da moradia,  autorizou o cangaceiro que pudesse sim, pegar sua canoa e atravessar o rio com ela, e chegando no outro lado; que a deixasse amarrada junto com as demais, pois no dia seguinte, seu compadre traria a embarcação de volta para o mesmo. Sabino estava cismado, com fome, muito frio e com as roupas esfarrapadas, toda encharcada de orvalho, ainda encontra-se parcialmente inerme isto é; encontrava-se somente com um velho facão que ficou na bainha, presa no cinto em sua cintura, pois as armas de fogo; ele as perdera durante a fuga.

Sabino desceu até às margens do grande rio, e desamarrando uma das canoas, embarcou e remou calmamente, fazendo a pequena embarcação deslizar suavemente na plenitude de suas águas tácitas, enquanto a lua cheia deslumbrante, mostrava sobre elas todo o seu  esplendor. O cangaceiro estava quase atingindo o meio do rio, quando escutou a poucas  jardas de si, um assobio que lhe doeu os miolos, mas pensando em ser algum pescador do  outro lado ignorou e seguiu, remando então mais algumas braças, viu emergir em sua frente sobre o lume prateado no rio, um homem negro e barbudo, igual um bugio, tinha dois olhos  verdes flamejantes, dentes branquíssimos com grandes presas pontiagudas, orelhas eretas e  pontudas, de ventas bem expostas, e que assobiando novamente para o seu lado, submergiu. Assustado e com o corpo arrepiado os cabelos de Sabino, quase lhe derrubaram o chapéu, quando ele viu o tal homem despontar mais lá na proa, agarrando e sacudindo a velha canoa, rugindo como uma leoa, tentando virá-la de lado, para depois lhe matar afogado, deixando assim seu destino selado. Diante do fato, Sabino atônito, não sabia o que fazer, e quando o monstro já estava quase virando sua embarcação, ele se lembrou do facão, e ágil igual a um furão, com a arma amolada na mão, desferiu um golpe ligeiro, contuso e certeiro, atingindo e seccionando o braço da fera. A besta então solta um urro de dor e foge, mergulhando para as profundezas, deixando um vermelhão de sangue sobre as águas caudalosas e prateadas do Velho Chico. Sabino então rema, rema e rema sem parar, até na outra margem chegar, e  na terra firme ao pisar; alivia-se ao respirar, e amarrando a canoa em um tronco, junto com  as demais, se embrenha em seguida nas caatingas alagoanas, fugindo da perseguição de todos aqueles que são seus inimigos.

No régio crepúsculo lusco-fusco daquela fria manhã junina, antes que o socó sobrevoasse sereno às barrancas do rio perene, os pescadores e demais ribeirinhos, ao saírem para dar início às suas atividades do dia, encontraram amarrada em um tronco junto às demais, uma surrada canoa de pau-caixeta, com um velho facão Collins, todo ensanguentado cravado na sua  borda; e mais abaixo em seu assoalho sobre um manto purpúreo de sangue coalhado, uma enorme mão negra e peluda com membranas entre os grandes dedos que apresentavam descomunais garras curvas e afiadas, outrossim, no espraiado; as pegadas que ficaram nas areias mostrando que alguém apressado fugiu seguindo em direção à inóspita vegetação do sertão nordestino. 

Amigo Mendes, aqui vai mais uma das minhas “Historias que meu povo conta”. Se é real, caberá a vocês leitores, analisarem e na mais sublime empatia, tirarem as suas conclusões.

Cabo Francisco Carlos “Saudações militares”. 

Enviado por:
Francisco Carlos Jorge de Oliveira,
Cabo da Polícia do Paraná.

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http://jmpminhasimpleshistórias.blogspot.com

2 comentários:

  1. Anônimo00:29:00

    "Caboclo d'água", uma lenda? Existe mistérios como este que para os intelectuais não passam de idiotice, e para o mais bronco sertanejo; uma verdade que segue junto ás suas crenças, crendices e superstições.Um dia na faculdade, aula de literatura um velho e sábio professor disse: Tudo que sua imaginação lhe mostrar; e real.Não questionei mas meditei e cheguei a conclusão de que ele tinha razão.Agora lhe pergunto: Por que os carpinteiros esculpem carrancas na proa de todas as embarcações que constroem e que a séculos navegam nas águas do Velho Chico? Alguns dizem que é para espantar todo tipo de mal, e o negro d'água? Será que este ser mitológico um dia não afundou ou tentou afundar a embarcação de algum deles? Isto seria uma razão lógica para eles o temerem até nos dias de hoje, não é?

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