Por Cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira
Nordeste
brasileiro 22 de junho de 1926 17:15h, Sabino Gomes liderava uma pequena tropa
de cinco cangaceiros montados, que se deslocavam precavidos por uma vereda estreita
e barrenta paralela à estrada principal que ligava as cidades de Canindé do São
Francisco à Poço Redondo, ambas no interior do estado de Sergipe, pois
cavalgavam com destino à um coito próximo às barrancas do Rio São Francisco.
Era por volta das 21:00h quando chegaram ao determinado lugar, e o coiteiro que
já lhes aguardava, acolheu e os abrigou em um casarão retirado quase oculto,
entre os arvoredos da propriedade, enquanto o vaqueiro foi saciar e alimentar
as suas montarias, eles se deitaram para descansar um pouco.
Havia chovido
muito naquela manhã, e durante o dia inteiro o tempo ficou nublado, vindo a
estiar só quando escureceu, e assim, o céu negro estrelado parecia um grande alvo
fixado no espaço sideral, atingido por inúmeros projéteis prateados de milhares
de mosquetes disparados rumo ao infinito no além. O vento gélido vindo lá das
bandas do Velho Chico, açoitava lá fora, como se fosse uma guasca gaúcha,
aumentando ainda mais a fome e o apetite, nisso chega de volta o tal coiteiro
junto ao empregado, trazendo um caldeirão de pirão quente e bem apimentado com
grandes nacos de carne seca cosida; também um garrafão contendo uns três litros
de pinga da boa, feita no próprio alambique da fazenda. Após os cabras
se fartarem com a comida e a bebida, Sabino montou uma guarda com os
cangaceiros, que se revezaram em turnos de duas horas cada um, até ao amanhecer,
e os demais adormeceram aconchegados sobre o capim seco e quente espalhado pelo
chão daquele estábulo.
No alvorecer
da manhã seguinte, quando o rei do terreiro anunciava cantando o despertar do
novo dia, Sabino Gomes reuniu seus cabras, e após tomarem um saboroso café
com broa de milho, arriaram suas cavalgaduras e partiram com o intuito de se
juntarem ao bando de Corisco, em um outro coito naquela mesma região. E assim,
eles cavalgaram o dia inteiro, e bem à tardinha, quando estavam próximos à uma
estalagem, isto é; venda de beira de estrada, foram surpreendidos, sendo
recebidos a tiros por um pelotão composto de vinte militares volantes que se
encontravam acantonadas naquele lugar. Formou-se então um tiroteio cerrado, que
durou cerca de vinte minutos, com baixas de ambos os lados. Os cangaceiros por
estarem em menor número, e ainda mais expostos, foram quase dizimados, sofrendo
três baixas e, um cabra que ficou gravemente ferido, foi cruelmente assassinado, tendo
a cabeça decepada ainda vivo, logo após ser preso pela implacável força policial
volante. O chefe Sabino e um cangaceiro novato por nome de Gitirana, lutaram e
resistiram bravamente
durante a maior parte do confronto, mas se vendo em desvantagem, para não morrerem,
ou serem capturados, debandaram-se, abandonando o prélio. Sabino e seu comparsa apartaram-se
ao escaparem, correndo ora rastejando como teiús pelas caatingas, com as balas
dos fuzis da polícia penteando seus cabelos, e mesmo assim, milagrosamente
lograram êxito ao fugirem.
Era plenilúnio
e Sabino Gomes andou quase a noite toda, mas foi por volta das 02:20h, que ele
chegou no terreiro de um ranchinho, às margens do Rio São Francisco, os cães
latiam ao seu redor, e o cangaceiro cauteloso, chamou por várias vezes,
mas, só após algum tempo, foi que o pescador tímido e desconfiado, respondeu oculto
lá de dentro da pequena habitação.
Sabino então
pediu ajuda, e até ofereceu dinheiro para que o homem o conduzisse até o outro
lado do rio, mas, o tal caboclo gaguejando e com muito medo, de dentro da
moradia, autorizou o cangaceiro que pudesse sim, pegar sua canoa e
atravessar o rio com ela, e chegando no outro lado; que a deixasse amarrada
junto com as demais, pois no dia seguinte, seu compadre traria a embarcação de
volta para o mesmo. Sabino estava cismado, com fome, muito frio e com as roupas
esfarrapadas, toda encharcada de orvalho, ainda encontra-se parcialmente inerme
isto é; encontrava-se somente com um velho facão que ficou na bainha, presa no
cinto em sua cintura, pois as armas de fogo; ele as perdera durante a fuga.
Sabino desceu
até às margens do grande rio, e desamarrando uma das canoas, embarcou e remou
calmamente, fazendo a pequena embarcação deslizar suavemente na plenitude de
suas águas tácitas, enquanto a lua cheia deslumbrante, mostrava sobre elas todo
o seu esplendor. O cangaceiro estava quase atingindo o meio do rio,
quando escutou a poucas jardas de si, um assobio que lhe doeu os miolos,
mas pensando em ser algum pescador do outro lado ignorou e seguiu,
remando então mais algumas braças, viu emergir em sua frente sobre o lume
prateado no rio, um homem negro e barbudo, igual um bugio, tinha dois
olhos verdes flamejantes, dentes branquíssimos com grandes presas
pontiagudas, orelhas eretas e pontudas, de ventas bem expostas, e que
assobiando novamente para o seu lado, submergiu. Assustado e
com o corpo arrepiado os cabelos de Sabino, quase lhe derrubaram o chapéu, quando
ele viu o tal homem despontar mais lá na proa, agarrando e sacudindo a velha
canoa, rugindo como uma leoa, tentando virá-la de lado, para depois lhe matar
afogado, deixando assim seu destino selado. Diante do fato, Sabino atônito, não
sabia o que fazer, e quando o monstro já estava quase virando sua embarcação,
ele se lembrou do facão, e ágil igual a um furão, com a arma amolada na mão,
desferiu um golpe ligeiro, contuso e certeiro, atingindo e seccionando o braço
da fera. A besta então solta um urro de dor e foge, mergulhando para as
profundezas, deixando um vermelhão de sangue sobre as águas caudalosas e
prateadas do Velho Chico. Sabino então rema, rema e rema sem parar, até na
outra margem chegar, e na terra firme ao pisar; alivia-se ao respirar, e
amarrando a canoa em um tronco, junto com as demais, se embrenha em
seguida nas caatingas alagoanas, fugindo da perseguição de todos aqueles que são
seus inimigos.
No régio
crepúsculo lusco-fusco daquela fria manhã junina, antes que o socó sobrevoasse sereno
às barrancas do rio perene, os pescadores e demais ribeirinhos, ao saírem para
dar início às suas atividades do dia, encontraram amarrada em um tronco junto às
demais, uma surrada canoa de pau-caixeta, com um velho facão Collins, todo ensanguentado
cravado na sua borda; e mais abaixo em seu assoalho sobre um manto purpúreo de sangue coalhado, uma enorme mão negra e peluda com membranas entre
os grandes dedos que apresentavam descomunais garras curvas e afiadas, outrossim,
no espraiado; as pegadas que ficaram nas areias mostrando que alguém apressado
fugiu seguindo em direção à inóspita vegetação do sertão nordestino.
Amigo Mendes,
aqui vai mais uma das minhas “Historias que meu povo conta”. Se é real, caberá a
vocês leitores, analisarem e na mais sublime empatia, tirarem as suas
conclusões.
Cabo Francisco
Carlos “Saudações militares”.
Enviado por:
Francisco Carlos Jorge de Oliveira,
Cabo da Polícia do Paraná.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
http://jmpminhasimpleshistórias.blogspot.com
"Caboclo d'água", uma lenda? Existe mistérios como este que para os intelectuais não passam de idiotice, e para o mais bronco sertanejo; uma verdade que segue junto ás suas crenças, crendices e superstições.Um dia na faculdade, aula de literatura um velho e sábio professor disse: Tudo que sua imaginação lhe mostrar; e real.Não questionei mas meditei e cheguei a conclusão de que ele tinha razão.Agora lhe pergunto: Por que os carpinteiros esculpem carrancas na proa de todas as embarcações que constroem e que a séculos navegam nas águas do Velho Chico? Alguns dizem que é para espantar todo tipo de mal, e o negro d'água? Será que este ser mitológico um dia não afundou ou tentou afundar a embarcação de algum deles? Isto seria uma razão lógica para eles o temerem até nos dias de hoje, não é?
ResponderExcluirÉ verdade!
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