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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Tia Jacosa avó materna de Lampião


A 15 de agosto de 1921 foi Lampião ao Poço do Negro, riacho próximo à casa de D. Jacosa, para visitas de cumprimento à avó materna, em seu aniversário natalício. 

Tia Jacosa, como era conhecida por seus familiares, no arrasto dos oitenta e tantos, tinha a cabeça encanecida e, desatados do cocó, fios de cabelo flocavam ao capricho da aragem matutina e doce, finos quiném algodão-seda, empoados de luz, com parença de auréola de santa... 

Quedou-se Virgulino, do lado de fora da casa e sem ainda ser notado, contemplando, por alguns instantes, aquela figura-símbolo de uma geração que alicerçou a economia doméstica sertaneja e lhe deu fama: a Mulher Rendeira!

A viveza do menino, agora crescido, sempre havia atraído as predileções da avó e madrinha. Assim, ao inteirar os cinco anos de idade, conseguiu ela levar o menino para a sua casa, aliás ali perto, a cento e cinquenta metros da casa paterna. 

A influência educativa dos pais, que não cessou, acrescentou-se a desta senhora - a "Mulher Rendeira" - a quem o menino embasbacado admirava quando ela, com incrível rapidez das mãos, trocando e batendo os bilros na almofada e mudando os espinhos nos furos, tecia rendas e bicos de fino lavor. Uma festa, a sua presença. Encontro braiado de contentamento e pesar no coração de todos: alegria de se reverem e mais ainda naquele dia feliz do aniversário de Tia Jacosa que não se cansava, toda ancha e enlevada, de espiar para Virgulino, seu filho de criação e neto de estimação; tristezas e lágrimas com as notícias das trágicas mortes dos pais e o expatriamento, sem destino, dos irmãos menores... 

Quando Virgulino, todo dolero e distinto, relatava outros assucedidos e as alentadas brigas que tivera, Tia Jacosa, sentada bem de perto na frente dele, teve uma visão -"um sonho acordado", conforme ela mesma declarou:

- "Nunca vi Virgulino tão grande!
Ele crescia...crescia...
Parecia o sertão interim!..."

Realmente, ali estava o próprio sertão encarnado num gigante da raça para dar resposta de protesto às injustiças dos poderosos e às condições miseráveis da terra abandonada. Tocado no momento seu espírito artístico por um lampejo de inspiração, prometeu Virgulino fazer uma música bem bonita em homenagem à sua querida avó.

Cinco meses depois, precisamente em 22 de fevereiro de 1922, estava outra vez Lampião no Poço do Negro. Desta feita trazendo uma grande novidade - a canção "Mulher Rendeira", música e letra de sua autoria - prometida homenagem à sua estremecida Tia Jacosa.

Não se teve de emoção a boa velhinha ao ouvir, pela primeira vez cantada e na voz de Virgulino, a sua canção. Comovida e admirando sem cessar a habilidade - "a arte" - de seu neto, disse:

- "Não é que ele aproveitou as palavras que eu costumava dizer a ele quando, menino reinador e desesperado, começava a embirrar com suas teimas?: 

"- Chorou? pru mim não fica,
saluçou? vai pru borná"

E repetia:

- "Ele nunca deixou de fazer arte!
Espie essa agora..."

"Ô, Ô, Mulé rendêra!
Ô, Ô, Mulé rendá!
Chorou? pru mim não fica;
Saluçou? vai no borná".

A alegria explodia de todos os peitos, todos cantando e aplaudindo com palmas e vivas, pois, mais do que da primeira visita, a casa estava cheia.

Tia Jacosa chegou mesmo a ensaiar, com Virgulino e devagarinho, uns bons passos trêmulos de dança que, no momento, inspiraram ao neto a criação da famosa dança cangaceiresca do Xaxado. Os demais, em roda, esquentavam o ambiente, cantando a canção e batendo, em ritmo, o pé e as palmas das mãos.

Em seguida, recordou ela, com saudade e entusiasmo - parecendo naquele momento ter rejuvenescido - seus tempos de mocidade... Dia inesquecível para toda a família, memorável pela apresentação dessa canção que se tornou hino de guerra do sertão e hoje pertencente ao cancioneiro popular nordestino e difundida internacionalmente. A famosíssima composição funcionava como condão mágico nas gestas lampeônicas. A seus acordes os cangaceiros vibravam, inflamantes, nos combates. E seu canto ressumava, entusiasta, nas vitórias alcançadas.

Tia Jacosa ainda viveu pouco mais de dois anos ouvindo sua canção divulgada por todo o sertão e fazendo seu neto crescer cada vez mais como "homem" e na "arte".

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2010/12/482597.shtml
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