Por João Rabelo
Sentando-se
numa pedra colocada entre as redes dos dois interlocutores, Joramor indaga:
- Alguém dos
senhores conhece, de vista, Lampeão?
- Passou
diversas vezes na nossa propriedade, fugindo dos “macacos”.
- Dizem ser ele
malvado, enquanto outros afirmam tratar-se de um sujeito temente a Deus,
caridoso, que tira do rico e dá aos pobres.
Olhando em seu
derredor, Joaquim, um dos interlocutores, voltou-se para o companheiro, na
outra rede, e disse:
- Conte você,
Zé, que tem mais jeito do que eu para estas histórias, é lido e corrido.
José Pequeno,
meio desconfiado, como demonstrou o companheiro, perguntou:
- O senhor não
é o que trabalha com o engenheiro?
- Sou.
-Quer dizer
que não é daqui e por isso não conhece a vida de Lampeão e dos seus bandos?
-Realmente.
Sou de fora e muito me interessa ouvir a respeito de tão discutido homem.
- A primeira
vez que vi Lampeão foi quando ele atravessou o Rio São Francisco, passando para
o lado de cá. A minha propriedade fica na beira da estrada que vai do Carira a
Cipó de Leite. Eu faço feira no Carira e duas ou mais vezes por semana vou à
Rua (cidade) comprar querosene, chumbo e pólvora para minha espingarda, ou
mesmo para beber uma pinga com os amigos.
“Aconteceu
que, numa destas vezes, já à tardinha, quando pensava em voltar para casa, ouvi
certo rebuliço na Rua e perguntei o que era aquilo...”
Joramor notara
que o Zé sabia fazer uma narração com tanta precisão, como se tivesse decorado.
Também observava que usava uma linguagem desenvolvida, naturalmente fruto de
convivência que tinha com os habitantes da Rua, como ele chamava.
- Me disseram: "- Então você não sabe ainda?” Não, respondi. – “É Lampeão que está no curral do
açougue.”
"Ainda que
muito falado, o nome de Lampeão não me pareceu tão grande como achavam as
pessoas que ainda estavam na bodega de Seu Zezé Martins.”
“Saindo da
bodega, acompanhei algumas pessoas que seguiam para a Rua Nova e escutava, de
vez em quando, alguém dizer: “Seu Felismino Dionísio, o Delegado, recebeu um
bilhete do Capitão, comunicando que ia entrar na Rua.”
“Quando
cheguei na casa do Delegado Felismino, encontrei lá muita gente e ele no meio,
mostrando a cada um o bilhete que recebera e que estava assinado por Virgulino
Ferreira. Estava escrito de lápis, num pedaço de papel do tamanho desta folha –
e mostrou uma folha seca, caída ao chão, de uns oito centímetros de tamanho,
por cinco ou seis de largura.
“A letra não
era feia não, moço. Eu li o bilhete todinho. Dizia que ia entrar, mas pedia o
consentimento do Delegado e este estava então consultando os amigos como
deveria fazer. Alguém aconselhou que primeiro devia falar com o comandante do
destacamento.
“Seu Felismino
foi até o quartel do destacamento, que contava com um cabo e cinco soldados,
mas quando chegou lá não encontrou ninguém. Tinham saído e levado o armamento e
munição. Com medo de que os soldados quisessem enfrentar os bandidos e estes se
vingassem na população, o Delegado consulta, novamente, os amigos.
“-Olhe,
Felismino - disse um - segundo a vizinha informou, os soldados seguiram na
direção da Baixa da Tapioca. Lampeão vem pelo outro lado. Acredito que os
soldados se ausentaram com o objetivo de deixarem a Rua livre.
“Verdadeira
procissão acompanhou o Delegado, naquela tardinha, bem clara, em direção ao
curral do açougue. Todos queriam conhecer o afamado Capitão Lampeão, autor de
muitas façanhas, todas elas causadoras de luto e lágrimas.”
“E assim foi a
primeira visita ao Carira e ao Estado, pelo grupo, que se compunha de oito
homens, inclusive o Capitão e Volta Seca, rapazola que não podia sequer com o
fuzil e, por isso, usava um rifle papo amarelo. Também Curisco, chamado de
Diabo Louro, fazia parte do grupo, de quem se contava agilidade e valentia.”
Permaneceram
até altas horas da noite, jantaram na casa do Delegado e beberam conhaque
Cavalinho nas diversas bodegas e, depois de arrecadarem pequena importância em
dinheiro, seguiram viagem para o incerto, o indeterminado, o mundo da aventura,
do crime.
- E a população
do Carira não sofreu nenhum dano físico ou Material?
O narrador
sabia, como bem o disse o companheiro, contar história e era mesmo inteligente
e versado. A pergunta de Joramor, respondeu prontamente.
- Não, nenhum
mal fez. Falou-se dias depois, que um certo negociante cogitara, com outros
companheiros, de atacar o grupo de surpresa, quando o estado quase de
embriaguez se manifestava. Isto não foi confirmado.
- Depois
voltaram a Carira?
- Sim, no mesmo
ano de 1929, meses depois. Só que desta vez não comunicou ao Delegado. Quando o
dia amanheceu, a população tinha o grupo pela frente, agora de dez homens,
dentro do povoado e por ele sabendo terem sido sangrados três pessoas nas
imediações de Serra Negra, e exibiam os punhais, de cerca de oitenta
centímetros, em forma de espeto de três quinas, ainda sujos de sangue.
- Dessa segunda
entrada, a população como se comportou?
- Mais
apavorada do que da primeira vez, sabendo o que ocorrera na véspera, em Serra
Negra. Não fizeram mal a ninguém. Comandava o destacamento policial um cabo,
preto, que gostava de caçada e era bom atirador. Quando os bandidos foram
embora, o cabo arrotou que fora impedido pelo comerciante Francelino Gordo, de
atirar em Lampeão, que estava sob a mira do seu fuzil, lá no fundo da bodega de
Balbino, no momento em que levava à boca um copo do seu preferido conhaque
Cavalinho. Francelino negou-se a confirmar a bravata e ninguém o vira em tal
local.
- Qual a roupa
e equipamento que traziam ou trazem consigo?
- É, compadre,
este moço ta querendo sabe de muita coisa!
- Não vejam,
meus amigos, outro desejo ou intenção de minha parte, senão conhecer tais fatos
e detalhes, pois não sou daqui e é esta a primeira vez que ouço falar a respeito
e com tal conhecimento, creiam-me.
- Acredito no
que você está dizendo. Mesmo porque não estou falando nada de mal. Estou
contando o que se passou.
- Bom, isto é
verdade. É que, compadre, como senhor sabe, a gente sofreu o que sofreu e ainda
temos gente nossa lá e temos de voltar um dia.
- Eles andam
vestidos de blusa de mescla azul, abotoada até o pescoço; usam culote do mesmo
pano ou de cáqui; calçam alpercatas de couro bem tratado e curtido; usam meias
de algodão. Como armas, o Capitão Lampeão carrega um mosquetão, com a
bandoleira enfeitada de medalhas e moedas de prata; usa dois parabenuns, um
punhal de quase um metro de tamanho, atravessado na frente, preso na
cartucheira da cintura. O equipamento se compõe de dois embornais de mescla
azul, enfeitados de sutaches brancas, formando artísticos desenhos, pesos aos
ombros por meio de largas tiras do mesmo pano e igual enfeites, ombros
protegidos com pequenos cobertores de lã. Metade dos embornais está cheia de
balas de fuzil, a granel. Sob a contura, uma cartucheira cheia de pentes de
bala de fuzil e outra, mais estreita, de balas de parabélum, artisticamente
bordadas com tiras brancas de pelica; uma bolsa de couro, também conhecida como
fogosa, muito bonita, com fechadura de metal, carrega, como dizem os filhos da
candinha, a fortuna em dinheiro e joias.
-Tal
equipamento deve ser muito pesado para um só homem conduzir, não é mesmo?
--realmente,
contudo eles estão acostumados. Tive ocasião de apalpar os embornais. Dizem que
o equipamento completo pesa mais de trinta quilos.
- Naturalmente
que, para dormir ou tomar banho, tem que tirar tudo.
-Geralmente só
tira quando estão em acampamento seguro. Fora disto, dormem assim mesmo,
encostados em árvores e nunca tomam banho. O mau cheiro do corpo, abafado muitas
vezes pelos perfumes que derramam na roupa, forma ou produz uma espécie de
inhaca.
- Ouvi falar
que as forças que os perseguem, em muitas coisas a eles se assemelham, é
verdade?
- Os trajes e
equipamentos, muitas vezes se confundem. Até mesmo o cabelo comprido, como de
mulher, muitos dos contratados usam. Posso até afirmar, aqui para nós e que
ninguém nos ouça: às vezes são piores do que os bandidos.
- Aqui em
Sergipe, quais outros lugares onde os bandidos passaram?
- Estiveram no
Carira duas vzes e se lá não voltaram mais, foi porque o povo resolveu reagir,
armando-se com o fim de não deixa-los entrar novamente. Tiveram no saco do
Ribeiro e, de lá, Lampeão telefonou para Seu Dorinha de Itabaiana; foi o que
ouvi dizer. Estiveram até na cidade de Capela, que fica na Cotinguiba e tem
estrada de ferro. Em outros lugares tentaram, mas o povo reagiu. Estiveram
ainda em outros, que assim não me recordo.
O fogo há
muito se tinha apagado; os dois filhos de José Pequeno dormiam a sono solto;
somente Joaquim bocejava, em luta com o sono, quando deles, Joramor se
despediu.
Almas
Torturadas. Rio de Janeiro, 1967. João Rabelo. Páginas: 75/80. Capítulo XIII.
Fonte: facebook
Página: Robério Santos
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário