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sábado, 9 de agosto de 2014

Livros e Bilhetes - Tribuna do Norte

Jaime Hipólito Dantas

Puxo da estante o livro de Jaime Hipólito Dantas, De Autores e de Livros, edição da editora mossoroense Queima-Bucha, de 1992. É uma juntada de artigos que Jaime publicava na Tribuna do Norte e também em O Poti, exercendo a crítica literária.  Crítico exigente é bom que se diga; insaciável e incansável ledor, requintado ledor e também contista refinado. O prefácio é de Dorian Jorge Freire, outro craque, do mesmo tope de Jaime. O começo já mostra o jeito de Dorian, bem de Dorian: “Para que prefaciar livro de Jaime Hipólito Dantas? Para nada... Capricho besta do escritor. Ou vontade generosa de homenagear o velho amigo menor e em fim de carreira. Seja qual for o motivo verdadeiro, livro de Jaime não merece a chateação de um prefácio (...) dispensa as muletas. A apresentação.”

Mais adiante, na mesma passada, Dorian prossegue:

“Desde menino, Jaime é assim. Escreve bem e escreve limpo. Seu texto pode ser admirado por todos. Sua escrita é a última virgem do Brasil. Não lhe foi difícil, poir ser o maior e melhor do nosso grupo. Sempre. Da formação do grupo até agora, quando o grupo se desfaz pela morte inapelável de seus membros.

Sempre fui melhor jornalista do que Jaime. Escritor, ele me dá chineladas nos traseiros. É um prosador brilhante. Eu sou um reles prosador do caos. Daí ter de confessar aqui (Jaime queria um prefácio ou uma confissão?) minha antiga inveja de Jaime Hipólito Dantas. Queria escrever como ele. Ler como ele lê. Saborear com o seu gosto o material lido. Queria ser Jaime numa próxima encarnação. Quando recentemente publiquei meu livrinho “Os Dias de Domingos” e aceitei uma tarde de autógrafos, caminhei inocente para a revelação final. Escrevera para Jaime e comparecera àquela tarde de autógrafos para sentir a reação de Jaime. Quando ele elogiou uma das crônicas, mal sabia que me estava concedendo prêmio Nobel.”

Vou passando as páginas De Autores e de Livros, relendo seus artigos e descubro duas coisas importantes. A primeira é que o exemplar que eu tenho, ele autografou para Olavo de Medeiros Filho: “Ao Olavo de Medeiros Filho, grande historiador, homenagem do Jaime H. Dantas – Natal, 09/07/92”. A segunda é que, entre as folhas do livro tem um  cartão postal que ele me enviou de Zurique, datado de 12 de outubro de 1972:

“Meu caro Woden:

Depois de um giro para rever Paris, Londres, o País de Gales e outros lugares por cá, esbarro em Zurich. Tempo de outono, a paisagem é de árvores começando a pelar e, para chatear, aquela névoa espessa, que o sol não dissipa. Os jornais daqui não têm comentado a campanha política que se trava em Mossoró. Por isto de nada sei. De qualquer forma estarei de volta com o tempo para votar. Abraços do Jaime H. Dantas”

Tenho nas minhas pastas desarrumadas mais uns dois ou três  bilhetes de Jaime. Esta semana, remexendo nesses papéis (cartas,  cartões, bilhetes, postais), alguns com mais de 50 anos, encontrei um bilhete rápido e direto de Jaime. É datado de 6 de maio de 1982:

“Meu caro Woden,

Vai aí esse artigo. Eu não sei como vai ser a estratégia aí, face à (nova) posição de Dinarte. Escrevi esta matéria mais sobre indignação. Talvez não esteja dentro do que se vai adotar, como regras da luta. Enfim, publique-o, querendo. Não devendo ser publicado, não deverá. E da parte de cá, tudo estará como sempre.

Sincerely yours,
Jaime H. Dantas”

O sotaque de Mossoró

A última crônica do livro de Jaime Hipólito, que era nascido em Caicó, mas mossoroense convicto, trata da atividade literária da terra de Rafael Negreiros. “Livros de Mossoró” é o título. Começa pelo programa editorial da Fundação Guimarães Duque, invenção de Vingt-un Rosado, que acabava de lançar duas coletâneas de artigos: “Imagens de Mossoro” e “Novas Imagens de Mossoró”, sempre ressaltando, como destaca Jaime, “o tema Mossoró e seus valores culturais, sua história e seu povo”.

Ali, estão registrados os encantamentos mossoroenses de, entre outros, um Edgar Barbosa,  um Eloy de Souza,  um Nilo Pereira,  um Luís da Câmara Cascudo, um Othoniel Menezes,  um Newton Navarro, um Homero Homem, um Américo de Oliveira Costa. De Carlos Drummond de Andrade, também. O próprio Jayme mexe na panela: “Ninguém está imune ao fascínio de Mossoró. É um fascínio inexplicável. Intraduzível”.

Acompanhando o texto de Jaime, vou debulhando o entusiasmo dos admiradores da cidade que deu uma carreira em Lampião.  O que disse, por exemplo, Edgar Barbosa: “Eis uma cidade traçada desde o berço sob a mais viril concepção romana”. Bom mossoroense, Jaime esclarece que não houve exagero da parte do escritor natalense, nascido em Ceará-Mirim.  Como não houve também da parte de Nilo Pereira, outro ceará-mirinense ilustre, ao afirmar que Mossoró é “um centro de interesse cultural hoje nacional”. E acrescentou, ainda: “Chamem-na de Manchester ou Bagdad, ela será sempre a cidade heroica e liberal, onde o comércio e a indústria são tão grandes quanto a sua cultura.”

Lá adiante está o poeta Newton Navarro, olhando para o céu azul mossoroense: “Céu alto translúcido, aceso sempre por um sol de fogo que parece não acrescentar, mas reanimar, as coisas e as pessoas”. Luís da Câmara Cascudo foi bem cascudiano declarando seu amor a Mossoró: “Um orgulho para os olhos e uma saudade para o coração”. Do doutor Américo de Oliveira Costa, que foi meio macauense, meio mossoroense, meio parisiense e meio natalense, disse que em Mossoró teria se forjado “uma comédia diligente e numerosa, sob signos imperecíveis de liberdade, rebeldia cívica, tenacidade, espírito público, resistência”.

Jaime Hipólito diz na sua crônica que “a verdade é que ninguém fala de Mossoró senão com tais explosões de euforia. A razão? É que, garante-nos Dorian Jorge Freire, Mossoró ‘É mais fenômeno do que cidade. Mais bando do que população”.

Lampião que o diga. Bom, já é tempo de uma reedição dos livros de Jaime. De Dorian, também.

Poesia

“Na Areia Preta / o luar dormia do lado de fora / do bule de alumínio na cozinha / da casa-de-praia de Tia Araci. // Madrugava com o cuscuz no leite. / Com o banho de mar. E no chocalho / das vagas espumantes, que mugiam / como bois de curral, de patas de conchinhas / e chifres cacheados de alga verde / amarrados nos mourões da Lua cheia” (De Homero Homem, no seu livro O luar potiguar, Presença/FJA, Rio de Janeiro, 1983).


Enviado pelo pesquisador do cangaço José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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