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sábado, 9 de agosto de 2014

O monarca selvagem dos sertões


“Não sou cangaceiro por maldade minha, mas pela maldade dos outros”


Disse Lampião quando foi entrevistado pelo jornalista José Alves Feitosa do Jornal “A NOITE”, de Recife-PE. Essa entrevista foi publicada pelo Jornal Cearense “O POVO”, no dia 04 de junho de 1928. Lá se vão 80 anos.

Claro que eu não poderia deixar esse fato histórico passar desapercebido aqui no Cultura Nordestina, então, fiz questão de reproduzir fielmente essa relíquia para vocês!

Vale à pena ressaltar na entrevista, o estilo do português da época e o modo de vida do cangaceiro mais famoso de todos os tempos.

Confira o arquivo original que foi publicado no Jornal O POVO. Episódios romanescos da vida do quadrilheiro famoso

A reportagem de profunda sensação, que hoje inserimos, vai proporcionar aos leitores do Jornal A NOITE a oportunidade de ouvir a palavra de um quadrilheiro famoso, terror das polícias e flagelo das populações sertanejas.

Os dados e as informações sobre que escrevemos nesta reportagem, foram colhidos do próprio Lampião pelo senhor José Alves Feitosa, que há semanas, no alto sertão, com ele conversou demoradamente.

Oferecendo à A NOITE essas notas interessantíssimas, o Sr. Feitosa, ofertando-las, nós, aos nossos gentilíssimos leitores, a quem não queremos mais poupar o prazer curioso de sentir um bocado da psicologia pitoresca e da vida romanesca do jaguar terrível dos sertões.

No pé da serra

Caia sobre o crepúsculo sobre o escampado árido e esbrazeado daquele recanto sertanejo do estado do Ceará, ao pé da serra do Araripe: o engenho de rapadura Boa-Vista, a cinco léguas da cidade de Missão Velha, quando o Sr. José Alves Feitosa ali chegou.

Um crepúsculo doloroso, sertanejo, manchando a paisagem de sombras e difundindo uma melancolia por tudo... Gentis e acolhedores, os senhores de engenho o receberam, prodigolisando-lhe o conforto de uma hospedagem, onde ele repousaria de uma viagem exaustiva.

Ali foi que se aproximou de Lampião. Este assomara, à porta, desarmado, fitando o recém-chegado, que o interpelou logo:

- É o Capitão Virgulino Ferreira?

- As suas ordens.

- Já o conhecia através de fotografias.

- Há! Foram esses retratos, de que o Sr. fala, que me inutilizaram. Se não tivesse deixado fotografar-me, seria desconhecido e já poderia ter desaparecido, sumindo-me no mundo, indo-me para longe, ganhar a vida tranquilamente, sem atribulação dessa angústia constante de ser perseguido...

- E o senhor é perseguido? Dizem na capital que a polícia...

- ... Não persegue porque sou amigo dos oficiais. É verdade, mas ainda assim, as traições, o Sr. compreende. No ano passado, 

Isaías Arruda

Isaías Arruda, meu grande amigo, político cearense, surpreendeu-me numa localidade deste estado com um cerco policial terrível, de que me livrei não sei como. Estas causas são o que magoam... Uma traição, o diabo! Gosto dos oficiais e odeio os chefes de polícia. Não é verdade que eu haja emboscado, para matar ao Dr. Eurico de Souza Leão. Ignorava que esse chefe de polícia viajava, naquele tempo, pelo sertão. Se soubesse, com franqueza eu teria aventurado...

Antonio Ferreira irmão de Lampião

- Como foi assassinado o seu irmão?

- É invenção, ele não foi morto. Está são, vivo e bolindo. Aquilo foi brincadeira, só pra atrapalhar.

O cangaceiro Sabino Gomes
- E Sabino?

- A mesma coisa. Está vivo no Riacho do Navio, á frente de alguns homens. Vou encontrar-me agora com ele.

- Disse-me a pouco que se pudesse abandonaria o cangaço...

- Sim, porque eu não vivo a vida do cangaço por maldade minha. É pela maldade dos outros, dos homens que não tem a coragem de lutar corpo a corpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias covardes.

Tenho que vingar a morte dos meus pais. Era meninote quando os mataram. Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a boca fria e morta, jurei vingá-la. É por isso que de rifle às costas, cruzando as estradas do sertão, deixo um rastro sangrento na procura dos assassinos de meus pais.

Não ficou no assassinato de meu pai e de minha mãe, a maldade dos homens, a quem deve a sociedade responsabilizar pelos seus crimes.

Os meus inimigos, que não tem coragem de matar-me, assassinaram cruelmente os meus parentes, como há pouco mataram uma tia minha e duas irmãs. É por isso que sou cangaceiro. Não sei quando hei de deixar os horrores desta vida, onde o maior encanto, a maior beleza seria extinguir a maldade daqueles que roubaram a vida de minha mãe, de meu pai e de minhas irmãs.

Dizendo isso Lampião afastou-se tomando o chapéu. Despediu-se de nosso informante. À porta, um seu companheiro o arreou, isto é, entregou-lhe as cartucheiras e o mosquetão, um fuzil Mauser cortado na extremidade do cano.

Apertando as mãos hospitaleiras de Rosendo, o dono da rústica engenhoca, o monarca sanguinolento dos sertões, tomou as estradas poeirentas para as incertezas de seu destino.

Diante da narrativa de Lampião cheia de episódios romanescos e impressionantes como aquele em que há a cena comovente e soberba do juramento sobre a boca morta de uma mãe, quem ousará atirar a primeira pedra sobre o quadrilheiro imortalizado nas crônicas sangrentas do sertão? A vida...
Adendo - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Lampião afirma que seus perseguidores mataram suas irmãs, mas até hoje eu não li sobre assassinato de alguma delas. E não posso duvidar, poderá ter sido assassinada e eu ainda não tive oportunidade de ler esta matéria.

Sua mãe ele sabe muito bem que não foi assassinada, e sim falecera por ter sido infartada, e sua morte ele mesmo deve entender que foi causada pelos seus feitos. Se ele não tivesse entrado para o cangaço, talvez os seus pais teriam vividos muitos e muitos anos. 

Mas sobre estas mortes de suas irmãs os escritores e pesquisadores do cangaço um dia chegarão com a verdade para nós estudantes do tema. 

http://culturanordestina.blogspot.com.br/2008/05/o-monarca-selvagem-dos-sertes.html

Postado e ilustrado por José Mendes Pereira
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo14:59:00

    Sim Mendes, quanto à genitora de Virgolino, sabemos que morreu (talvez) de um infarto. Creio não haver dúvida. Apenas, acredito que as circunstâncias a levaram a morte. Porém gostaria que os grandes pesquisadores respondessem em seu blog esta história, se houve mesmo a morte de irmãs de Lampião por assassinato, conforme o texto revela, e eu nunca ouvi falar em tais mortes.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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