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domingo, 8 de fevereiro de 2015

“O GLOBO”- 15/11/1958 - Capítulo X

Material do acervo do pesquisador Antonio Correa Sobrinho

COMO SE FORJA UM CANGACEIRO

O DIABO LOURO

Corisco chamava atenção pelo cabelo alourado e os olhos azuis – porque se Interno no mato – crueldades sem limites – O Ódio Crescia com o Tempo.

FISICAMENTE, Corisco era o mais interessante e curioso do bando, pois chamava a atenção. Entre tantos mamelucos, mulatos e até pretos, a figura de Corisco destacava-se, pois era forte, de boa estatura, corpulento, mesmo, louro e de olhos azuis. Era o único com aspecto europeu, mas, apesar disso, era um sertanejo, como qualquer de nós. Fortíssimo, valente, de uma resistência fora do comum e, mais do que tudo, mau e perverso ao máximo que pode atingir a espécie humana.

Quando eu entrei no bando, ele devia ter uns 26 anos de idade e já era veterano, pois ingressara no cangaço muito jovem. Era homem alegre e, conversando, não demonstrava do que era capaz, sendo mesmo possível, a quem não o conhecesse, passar por bom moço. Mas tudo aquilo era fingido, pois tenho quase a convicção de ter Corisco nascido criminoso, tal a sua disposição para matar. Era, porém, como Lampião, cínico nestas horas, pois, como seu chefe, formava entre os que são maus com calma, e o deboche aflorava sempre que a oportunidade de maltratar se apresentava.

Corisco tinha um predicado, que era o de saber chefiar. Aprendeu bem as lições de Lampião e, após a chacina de Angicos, em que Virgulino perdeu a vida, ele prosseguiu com outro bando, só parando quando bem quis. Para seu azar, porém, no dia em que deixou de ser cangaceiro, foi morto pelas balas da volante.

ARBITRARIEDADE PERIGOSA

EU nunca soube todo o nome de Corisco, mas o primeiro sei que era Cristino. Era baiano, e sua história é das mais curiosas, pois pertencia ao grupo dos “socialmente desajustados”. Não sei também por que o chamavam de Corisco, mas sua vida sempre foi na miséria. Trabalhava desde menino na sua cidade natal como camelô de feira, negociando com carne. Assim viveu até os dezoito anos, mais ou menos, e, apesar das necessidades, o que ganhava dava pra viver e ajudar os pais. Já devia, porém, ser homem violento, muito embora o negasse. É que a “grande oportunidade” não se apresentara ainda...

Essa oportunidade surgiu com a mudança de um delegado em sua cidade natal, que era Vila Nova da Rainha. O delegado chamava-se Herculano Borges e era um homem mau e pouco habilidoso, metido a valente, mas cuja valentia só se apresentava quando estava bem acompanhado. Esse homem resolveu modificar muitas coisas na cidade, mas como essas modificações sempre cambam para o lado dos mais fracos, acabou perseguindo os que negociavam na feira.

Um dos fiscais do delegado Herculano Borges foi cobrar certa vez o imposto a Corisco, que não se negou a pagar. É bom frisar que os impostos, nesse lugar e nesse tempo, não tinham recibo e não custavam mais do que quinhentos réis, uma quantia razoável para a época. O fato é que no dia seguinte passou outro fiscal e quis receber novamente o dinheiro do imposto. Corisco dessa vez negou-se a pagar, e o fiscal foi até a delegacia comunicar ao delegado, que, zangado, fez-se acompanhar de dois soldados e mandou prender Corisco, ofendendo-o com todas as palavras que lhe vieram à mente. Na entrada do xadrez, enquanto Corisco, seguro pelos dois soldados, protestava inocência, alegando já ter pago o imposto, o delegado deu-lhe um pontapé, empurrando-o assim porta adentro. Fecharam as grades e Corisco ali ficou, chorando de raiva, pois havia apanhado umas bordoadas da feira até a cadeia. Mas o pontapé do delegado foi o que mais o enfureceu. Chorando de ódio, disse: “Quando eu sair daqui, o senhor me pagará! Nem que eu tenha de viver cem anos, o senhor me pagará, seu Herculano!” O delegado não deu ouvidos ao que Corisco disse, e fez mal, conforme veremos adiante...

NÃO CONSEGUIA ESQUECER

DOIS dias Corisco ficou detido, alimentando-se mal e sendo maltratado. Naquelas dezoito horas, entretanto, seu cérebro não parava de funcionar e, segundo ele mesmo disse, não conseguiu dormir um minuto sequer.

Posto em liberdade, vendeu o que tinha, comprou um rifle e internou-se no mato, acabando por se tornar cangaceiro e “cabra” de Lampião. Tentou sempre encontrar o delegado Herculano, mas a oportunidade não se apresentava, pois nessa cidade Lampião não entrava, visto ser bem protegida por soldados.

Corisco foi um “cabra” conforme Lampião apreciava, pois era valente e gostava de matar. Era amigo de todos, mas quando se tratava de tirar a vida a alguém, ele não pestanejava. Era calmo, porém, e só se enfurecia quando se lembrava do delegado Herculano.

Quando entrei no bando, a lembrança da injustiça do Herculano ainda estava bem viva em sua mente, e ele sempre dizia: “Um dia eu acerto as contas com ele...”

Corisco gostava de usar faca para dar cabo de um desafeto. Era mesmo dos poucos que não deixava nunca de lado o seu longo punhal, que mais parecia uma espada e que trazia às costas, preso ao cinto. Quando queria desembainhá-lo, era só erguer a mão até o ombro.

SE O NEGÓCIO É DE CABEÇAS...

TINHA mulher, que chamavam Dadá e que o acompanhou até a morte, e ela ainda vive, se não estou enganado. Ele gostava muito de Lampião, e creio que essa amizade era recíproca, mas houve uma desinteligência entre ambos, depois que eu fui preso, e pouco tempo antes de matarem Virgulino. É que Corisco, na sua sede de dar cabo dos outros, acabou matando um dia um fazendeiro amigo e coiteiro do bando. Virgulino não gostou e reclamou a Corisco, que, vendo suas relações estremecidas com o chefe, resolveu abandoná-lo e formar um bando próprio. Mas parece não ter ficado com raiva de Lampião, pois seguidamente aparecia e esteve presente na chacina de Angicos. Depois da morte de Lampião pela tropa do tenente Bezerra, enfureceu-se e, com o seu bando, passou a caçar quem tivesse Bezerra no nome ou qualquer relação com o matador de Virgulino. Houve uma ocasião em que mandou ao prefeito da cidade de Piranhas (Alagoas), um embrulho grande. Quando a autoridade o abriu, deu com quatro cabeças decepadas e um bilhete, dizendo: “Se o negócio é de cabeças, vou mandar em quantidade...” Queria aludir ao “carnaval” que fizeram na Bahia com as cabeças de Lampião e seus “cabras”. Corisco ainda viveu como cangaceiro, chefiando sua própria gente, durante alguns anos, até que se cansou daquela vida e resolveu abandoná-la, indo com a mulher para outras paragens. A volante, porém, o surpreendeu e, em meio a forte tiroteio, matou-o e feriu gravemente sua mulher numa perna, que teve de ser amputada. Os soldados cortaram a mão de Corisco e a levaram para a cidade de Salvador, como prova de que ele havia sido exterminado. de qualquer forma, segundo me contaram, aquele homem mau morreu satisfeito, pois estava vingado! Sim, Corisco vingou-se de Herculano, e vou narrar agora a mais cruel e horrível vingança de que já tive notícia.

CONTINUA...

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho

Minhas inquietações:
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O cangaceiro Volta Seca conversou um pouco mais do que devia. Ele fala que o cangaceiro Corisco era baiano, quando na verdade era alagoano, lá de Matinha de Água Branca. E outras mais que ele deveria ter ficado calado, já que ele foi preso no início dos anos 30, a partir daí, ele perdeu todo contato com os cangaceiros, por isso, não devia ter falado tanto. Mas mesmo que ele tenha falado muito, continuo sendo o seu admirador. Não pelo que ele praticou, mas pela coragem que ele tinha de enfrentar volantes. 

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