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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

FEITOSA DOS INHAMUNS - PARTE I

Por Nertan Macêdo

"Quando ele chegou em casa/Seu pai botou-lhe a bênção./Deu-lhe um abraço e lhe disse:/Meu filho do coração,/Serás como teu avô/Que cento e tantos matou/E nunca foi à prisão."

"Histórias do Capitão Lampião" (Autor anônimo)

Se o parentesco com Antônio Silvino foi uma invenção do povo, não o era certamente e consanguinidade que vinculava os Ferreiras de Vila Bela aos valentes Feitosas do São João dos Inhamuns, no Ceará.

Um velho amigo e vizinho dos Ferreiras, cuja casa de morada não se distanciava cem braças da de Virgulino, como ele, também, afeito ao artesanato do couro, o vila-belense Venâncio Barbosa da Silva, sabia desse parentesco com os Feitosas. Venâncio morava numa fazendola, chamada Cipós, ao lado dos Ferreiras.

A crônica mais antiga corrente nas redondezas, rezava que o bisavô paterno de Virgulino viera de Tauá, na serra do São João dos Inhamuns, bater com os cortados em Vila Bela. Ali casara ou amancebara-se com uma parda, de nome 


Maria Jacosa, filha, talvez neta, de índios do sertão pernambucano. Trazia o bisavô um nome famoso, de guerra: Feitosa. E a tradição oral dessa descendência perdurou entre as gentes do lugar.

É provável mesmo que esse antigo Ferreira fosse um Feitosa bastardo, dos muitos nascidos nas índias preadas pelos poderosos senhores dos sertões cearenses. Ou fosse um Ferreira Ferro, fugido à sanha de um Monte ou da justiça do rei. De qualquer forma, um Feitosa, como se deduz do que a respeito desse ramo legou à possibilidade o doutor Pedro Théberge, do Icó.

Diz Théberge que o tronco Feitosa havia se passado do Engenho Currais de Serinhaém, Pernambuco, para os sertões do Ceará. Essa retirada se dera em virtude da participação profunda dessa gente de Serinhaém na Guerra dos Mascates, no Recife. 

Perseguidos ali, perseguição que se estendia no tempo a quantos brasileiros se houvessem metido naquele movimento, escaparam para o sertão cearense, fixando-se nas cercanias do Icó. O chefe, Lourenço Alves Feitosa, tomou, no Ceará, o título de Alferes Comissário. Ele havia casado com uma irmã do vigário de Goiana, no seio de uma família importante, Gondim. Outro seu cunhado era provigário do Recife.

Os Gondins eram aparentados com os descendentes de André Vidal de Negreiros e assinala Théberge, "com uns Ferreiras Ferro, moradores em Penedo, e por parentesco tão íntimo que um membro da família Feitosa sempre tomou até hoje este nome de Feitosa Ferro".

Fugiu Lourenço para o Ceará na companhia de três irmãos, Francisco Alves Feitosa, e coronel Pedro Alves Feitosa e Manoel Ferreira Ferro. No Ceará, radicou-se Lourenço numa fazenda denominada Cachoeirinha, a seis léguas do Icó, molhada pelas águas do riacho Cariuzinho.

A luta contra os Montes, com os quais se haviam ligado por um casamento, teve origem numa rixa, familiar, de cunhado a cunhado, acrescida mais tarde de uma disputa feroz por terras, situadas na ribeira do riacho Jucá, afluente do Jaguaribe. 

O caráter dos Feitosas era marcado de orgulhos altivez. Deles fala o doutor Théberge como sendo "ricos, não menos orgulhosos que os Montes, mais práticos, mais civilizados", acostumados que eram a corromper as autoridades reinóis, ante as quais sabiam todavia, curvar-se, quando achavam oportuno; muito unidos entre eles e dominando, com mão de ferro, os índios jucais, caiús e inhamuns.

Dá-nos o mesmo cronista notícias de um oficial das milícias do tempo, de nome João Ferreira da Fonseca, "que se reuniu aos parciais dos Feitosas e a um troço de oitocentos índios jenipapos, com os quais entrou a percorrer o interior roubado e massacrando os Montes e seus sequazes, praticando contra eles as violências as mais atrozes sem atenção nem a sexo nem a idades. Quase todo o ano de 1724 foi assinalado por estes atentados que estenderam por todo o interior da Capitania".

Com o passar dos anos, os Montes foram entrando me decadência, sepultando no esquecimento a crônica belicosa da família.

Os Feitosas, não. Continuaram, diz o cronista, "a viver a sós comigo mesmos, sem relação nem comunicação com o resto da população, e conservando sempre grande séquito de malvados, que acoitavam contra as perseguições da autoridade".

Tinham os Feitosas uma parentela numerosa, não apenas no Ceará, como em Pernambuco, principalmente no Recife e no Icó. Na vila de Penedo do Rio São Francisco moravam primos, célebres dessa gente, os capitães Manoel Feitosa Ferro e João Feitosa Ferro, "sendo todas pessoas ligadas por laços de consanguinidade ou de afinidade", escreve o doutor "Théberge, assim terminando a sua narrativa:

"A família Feitosa ainda existe nos Inhamuns, na mesma ribeira do mesmo rio Jucá, quase no mesmo pé que seus antepassados, ligando-se pouco com outras famílias, e conservando ainda quase sem alteração os seus costumes de prepotência, riqueza e valentia".

Virgulino Ferreira tinha assim por quem puxar. A ser verdadeira e doutrina tradicionistas, que afirma ser a alma uma transmissão genética.

Herdara do sangue português a coragem e o gosto pela solidão. Do índio,de língua geral, mais provavelmente de língua travada, ficou-lhe a astúcia, a rebeldia e o nomadismo guerreiro.(*) (**).

CONTINUA...

Fonte: Livro Capitão Virgulino Ferreira
Autor: Nertan Macêdo
Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro
Ano: 1970
Digitado por: José Mendes Pereira

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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