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sábado, 2 de abril de 2016

A TEMERÁRIA TRAVESSIA DO RASO DA CATARINA

Por José Bezerra Lima Irmão

Uma das maiores provas de coragem e resistência de Lampião foi atravessar a pé o Raso da Catarina, tarefa impossível para a maioria dos mortais. Nem mesmo os moradores das beiradas do Raso se arriscam a penetrar nele, pois a partir de certo ponto a paisagem cinzenta estende-se plana e igual para todos os lados, sem pontos de referência, e não há caminhos, de modo que o aventureiro, desorientado, não sabe como voltar ao ponto de partida, e mesmo que queira seguir em frente, pois dessa forma teria de sair em algum lugar, nem isso consegue, porque tem de desviar-se dos obstáculos naturais que encontra, não conseguindo manter o rumo, desnorteado diante de veredas absolutamente idênticas que se irradiam em todas as direções, termina andando em círculos, e aí a morte é certa, de fome e de sede. Até mesmo o gado se perde: se uma rês se embrenha no Raso da Catarina, é dada como morta.


O Raso da Catarina, situado no norte da Bahia, tem a forma grosseira de um retângulo, que se inicia a noroeste de Jeremoabo, entendendo-se para o norte até o Juá, na altura de Paulo Afonso, dali alinhando para o oeste, passando por Salgado do Melão até as proximidades de Várzea da Ema, e descendo até perto de Canudos, fechando-se o retângulo pela trajetória do Vaza-Barris.


Denomina-se "Raso" devido à planura sem fim, que à distância parece um mar azul, sem nenhum acidente topográfico relevante, tendo em torno de 20 léguas em todos os quadrantes. Não há fontes d'água. Não se encontra uma sombra, pois a vegetação é baixa, espinhenta, quase sem folhagem, predominando favelas, catingueiras, juremas, gravatás, macambiras, côroas-de-frade, palmatórias, quipás, xiquexiques, facheiros, mandacarus. A caminhada torna-se mais difícil porque o terreno é arenoso, os pés afundam na terra, e quando se força a passada o pé desliza para trás, dificultando a marcha. Pior ainda: a partir de certas horas do dia, aquecidas pelas labaredas do Sol, a areia se transforma em brasas. Mesmo à noite continua quente por muito tempo, como quente é o vento que sopra devagar. A partir de certas horas da noite dá-se o oposto, vem o frio seco do sertão, sem orvalho, que regela até os ossos.

É uma região inóspita - não chove durante pelo menos durante nove meses do ano.

Naquelas terras semidesérticas, de atmosfera superaquecida e sufocante, somente resistem animais muito resistentes - cobras, camaleões, teiús, pebas, tatus, mocós, preás, capivaras, caititus, emas, seriemas, araras, gaviões, carcarás e, claro, urubus.


No início de novembro de 1929, Lampião, que se encontrava na região da Várzea da Ema, viajou com o bando com destino a Santo Antônio da Glória. Por erro ou intencionalmente, o matuto levado como guia, ao passar pelo arraial de São Francisco, em vez de pegar as veredas que dava para Salgado do Melão, à esquerda, passou direto, embrenhando-se no inferno cinzento do Raso da Catarina.


Lampião, acostumado a andar pelas caatingas pernambucanas igualmente inóspitas do Moxotó, percebeu que o guia estava atrapalhado e avisou:

- Mininos, esse sujeito meteu nóis no oco do mundo! Daqui pra frente acho mió voceis economizá água...

Mas, como economizar água naquele território, ainda mais se alimentando de farinha seca e rapadura? Cada cangaceiro viajava com duas cabeças de água. Por mais que poupassem, na tarde do segundo dia as cabaças estavam vazias. O solo arenoso dificultava a marcha. O Sol cozinhava-lhes os miolos. A sede era de tal ordem que faltava até a saliva para umedecer os lábios. Lampião compreendeu que tinha de aproveitar o frescor da noite, e assim o bando passou a noite toda andando. Já madrugada, passaram por lugares que havia moradores, já na fímbria do Raso, mas como viajavam no escuro não viram casas nem cacimbas. Ao amanhecer, extenuados, cambaleando, parecendo um magote de bêbados, os cangaceiros chegaram a umas "pias" nas imediações de Arrasta-pé, enormes caldeirões de pedras onde se acumulava água da chuva. Lampião recomendou que bebessem água aos poucos. Alguns, assim que beberam, deram para vomitar. Outros sofreram vertigens. Passado o pior, deitaram-se nos lajedos, para recuperar as forças. Só então se lembraram que estavam com fome.

Fonte: livro Lampião, a raposa das caatingas.
José Bezerra Lima Irmão

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Página: Agente Carvalho
Grupo: ‎O Cangaço

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