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quarta-feira, 20 de julho de 2016

BUDEGA VÉIA

*Rangel Alves da Costa

Dia desses, passeando pelas publicações do facebook, eis que encontro uma postagem de fotografia antiga, daquelas que os internautas postam para, saudosamente, reverenciar o passado. No retrato, a vista frontal de um pequeno prédio de duas portas, de cor amarelada carcomida de tempo, com o seguinte letreiro pintado na parede: Budega Véia, desde 1912. E mais abaixo, nas laterais, a informação de alguns produtos ali oferecidos: Avuador, Farinha, Rapadura, Cachaça, Carvão, Chapeu, Ponche, Ciquilho, Fumo de Rolo, Cachimbo e Brote. Tudo escrito assim mesmo.

Portas de madeira, divididas em duas partes, lá dentro, em meio às sombras da fotografia, se avista aquele tem de tudo comercial, bem característico das pequenas vendas e mercearias interioranas de antigamente. Ali também certamente um velho balcão tendo acima bacalhau e jabá, pois tais produtos ainda acessíveis às camadas mais humildes da população. E ainda os sacos de arroz, farinha, feijão e açúcar. Não podia faltar a lata de querosene, a lata de bolacha Maria, a goiabada legítima, a cajuína, a novidade chegada do sul do país.

Lá está escrito que a Budega Véia funciona desde 1912. O retrato é antigo e talvez não exista mais. E já não existem muitas assim pelas distâncias interioranas, muito menos nas capitais e grandes cidades. O tempo, os novos comércios e as exigências consumidoras, foram fechando as portas daquelas pequenas vendas que causavam verdadeiro prazer em entrar, escolher entre secos e molhados, prosear com os visitantes, bebedores e vendeirim, como se estivesse em ambiente familiar.

Na parede da frente da Budega Véia anuncia-se de produtos até mesmo desconhecidos aos consumidores modernos. Todo mundo, ou quase todo mundo, conhece a farinha, a rapadura, a cachaça, o carvão, o chapéu, o ponche, o fumo de rolo e o cachimbo, mas o que seria o avuador, o ciquilho e o brote? Pela escrita, difícil saber, mas pela pronúncia talvez uma luz.

O ciquilho, quem sabe, se referia a sequilho, que é um tipo de biscoito amanteigado e que facilmente se derrete na boca. Já o brote, certamente se referia a um pão feito de milho, em substituição ao trigo, podendo ainda denominar um tipo de biscoito ou de bolacha pequena. Por sua vez, o estranhíssimo avuador, que muito bem poderia aludir a uma espécie de cachaça que parecia fazer voar depois de uns goles a mais, na verdade se refere a outro tipo de biscoito preparado com tapioca. É a mesma bolinha de goma de mandioca que facilmente esfarela e é levada pelo vento, daí o nome de biscoito avuador.


Não só na Budega Véia como em toda mercearia interiorana antiga, principalmente pelos sertões nordestinos, o seu balcão representava a própria vida população. Sem mercadinho, venda chique ou delicatessen, tudo o que se queria adquirir tinha de ser ultrapassando as três ou quatro portas estreitas de cada venda. Já conhecendo a clientela, o vendeirim já colocava sob o balcão o usualmente adquirido, mas sempre com o cuidado de mostrar as novidades ali chegadas.

E quais as novidades naqueles tempos antigos? Novas fragrâncias nos sabonetes Lever, Cashmere Bouquet, Eucalol, Dorly, Gessy, Cinta-Azul, Alma de Flores, este ainda existente e muito utilizado pelos saudosos. Talcos de pó de marca Alfazema, Eucalol, Miss France, Ross, Regina, Palmolive, Gessy, Granado, dentre tantos outros cheirosos e perfumados. Leite de Rosas, Eau de Cologne, Alfazema Suíssa, Rastro, mas também outros perfumes famosos de então: Topaze, Charisma, Toque de Amor, Tabu, Lancaster, Contourê. E ainda as brilhantinas, os espelhos e os pentes “flamengo” de bolso.

Sim, perfumes, sabonetes, talcos e desodorantes, numa prateleira exclusiva, mais refinada e protegida, vez que a população também merecia aflorar suas vaidades interioranas. Mas tudo ao lado de bolachas, biscoitos, mariolas, nêgo bom, carretéis de linhas, agulhas, dedais, de um tudo. E não muito distantes os refrigerantes e as bebidas: Baré Tutti-Frutti, Mirinda, Grapette, Tubaína, Crush, Caninha Galo de Ouro, Serra Grande, Casa Grande, Pau de Arara, Capim Santo, Teimosinha, Genebra Gato, Pitu Caranguejo, e ainda Vinho de Jurubeba, Cangaceiro do Norte e diversos tipos de Catuaba.

Mesmo o dinheiro pouco, contado, ainda assim dava para levar um bom pedaço de jabá, de carne seca, bacalhau ou peixe defumado. Naqueles idos, os preços não tinham a exorbitância de agora e mesmo os mais pobres podiam chegar ao pé do balcão e escolher seu almoço ou jantar. E havia ainda as facilidades do velho e amigo caderninho, sempre útil nos instantes imprevistos e principalmente nas proximidades do final do mês. Pagar por semana, por mês, não importava. Ademais, pagando em dia não corria o risco de receber uma conta acima do comprado, e sem poder reclamar.

Hoje somente as fotografias da Budega Véia e outras bodegas. E saudade de um tempo aonde a cerveja vinha da geladeira a gás, espumava de se derramar pelo copo, mas bebida com um prazer sem igual. E sempre pedia mais uma, dessa vez com lascas de carne seca com um limãozinho por cima.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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