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segunda-feira, 26 de junho de 2017

O AMOR PELO JORNAL IMPRESSO

*Rangel Alves da Costa

Noutros tempos, se dizia que determinados jornais escorriam sangue acaso suas páginas fossem amassadas, assim pelos conteúdos de violência estampados nas manchetes e detalhados nos setores policiais. Também noutros idos, muito se dizia que a verdade dos fatos jornalísticos somente era conhecida se na mesma manhã fossem lidos dois jornais: o da situação e o da oposição. Mas mesmo com a violência escorregando entre as mãos ou o enraivecimento perante os acontecidos da política, mantinha-se fervorosamente a paixão pelo jornal impresso, aquele mesmo comprado nas bancas a cada alvorecer ou recebido além do portão residencial.
Hoje a paixão continua a mesma, o profundo amor continua o mesmo. Ao lado do rádio - do velho radinho de pilha colocado rente ao ouvido -, o jornal impresso permanece se constituindo em verdadeiro amigo inseparável, ainda que os olhos já não mais se espantem com as manchetes estampadas dias após dia: “A maioria dos congressistas responde a processos no STF”, “A Operação Lava Jato chegou às altas cúpulas partidárias”, “Corrupção, improbidade, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica: o cotidiano lamacento do poder”, “O Brasil já é considerado o país mais corrupto do mundo”. Manchetes rotineiras que em outros tempos causariam alvoroço, mas hoje apenas parecendo mais um capítulo de novela. Os capítulos seguintes estarão estampados nas vergonhosas manchetes.
O apego ao jornal é mais antigo do que se imagina. Não só na novidade surgida pelos idos de 1808, quando os primeiros jornais começaram a serem impressos no Brasil, mas pelas letras graúdas informando sobre um mundo novo até então desconhecido por muitos. E mesmo mais recentemente, manchetes como estas estampadas perante olhos atônitos: “Amplia aliança entre as potências do Eixo e o Japão” (Jornal do Brasil, 1940), “Jango asilado no Paraguai” (O Dia, 1964), “Goulart decreta a desapropriação de terras, encampa refinarias e pede nova Constituição” (Jornal do Brasil, 1964), “Matou-se Vargas!” (Última Hora, 1954), “Suicidou-se o Sr. Getúlio Vargas” (O Globo, 1954), “Decretado o recesso do Congresso Nacional - Governo baixa novo Ato” (Folha de São Paulo, 1964), “Não vai ter capa!” (Meia Hora, 2014).
O interesse pelo jornal era tamanho que muitos não davam por começado o dia sem que algum diário informativo fosse folheado ali mesmo à mesa, ao lado da xícara de café. O café chegado fumegante, logo ia esfriando ante a avidez pela leitura. Há de se considerar, contudo, que o jornal antigo não era apenas uma junção de folhas noticiosas, voltadas apenas para os editoriais, a política, o esporte e os fatos policiais. Consistiam em pequenas enciclopédias onde havia de tudo um pouco. Assim é que em suas páginas eram encontradas capítulos de folhetins, receitas de bolos, longos obituários, cartas amorosas, fofocas sobre os ricos e famosos, anúncios sobre tudo. Muito escravo já foi anunciado em jornal!
Algo realmente para os dias atuais, mas antigamente escravos bons, de porte atlético, de dentes sadios e brancos, eram oferecidos nas páginas dos jornais como um produto qualquer. No século XIX era constante que os jornais surgissem anunciando o aluguel, a venda ou a recompensa perante fuga de escravos. “Fugiram da Fazenda Pirassununga no dia 20 do corrente os ecravos seguintes: Gregorio 25 annos, preto fulla, sem barba, falta de dentes na frente, e pernas finas...”, “Precisa alugar uma criada que saiba cosinhar e fazer os arranjos de uma casa de família, e um moleque para recados, na rua da Princeza n. 1.”. Anúncios assim eram comuns em séculos passados, e certamente com muitas pessoas interessadas no indigno comércio.
Aquelas mocinhas lacrimosas que ansiavam pela semana seguinte para a aquisição do jornal e acompanhamento da incrível história dos amores separados pelo destino. E assim por que os grandes romances dos inícios da literatura brasileira, principalmente no romantismo, surgiram primeiro em forma de folhetins: Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Aluísio Azevedo, dentre tantos outros. Desse modo, romances famosos nasceram primeiro nas páginas dos jornais, a exemplo de A Moreninha, O Guarani, O Ateneu, Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Por isso mesmo que o velho e sempre novo jornal impresso é sempre amado, esperado e lido. As velhas máquinas tipográficas foram dando lugar a modernos equipamentos de impressão, a velha catação de tipos para formar nomes e nos nomes a junção das frases da matéria inteira, agora cedeu lugar às impressões digitalizadas. Mas o amor é o mesmo, tanto para quem faz o jornal como para o leitor. Para muitos, não há prazer maior que ouvir a voz do jornaleiro em bicicleta ou o barulho do papel caindo depois de arremessado portão adentro. E logo se imagina uma notícia boa. Mas não. Nos tempos modernos não.
Folheando o jornal, colocando as notícias diante do olhar, é como se a proximidade dos fatos fosse muito maior. E também a noção da maior veracidade do escrito no papel do que em qualquer outro lugar. É o prazer de tocar, de folhear, de ir lendo as manchetes e as chamadas, de ir dialogando com a informação. Muita gente continua cultivando esse amor imenso pela palavra escrita em papel, como se tudo ali fosse de sua posse e de sua fruição. E sempre o cuidado para que as letras não caiam ao chão. Acaso caiam, talvez não seja mais possível recuperar a República nem salvar o Brasil dessa putrefata corrupção.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

blogdomendesemendes.blogspot.com/

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