Por José Romero de Araújo Cardoso
Vila da Pedra
(atualmente, município de Delmiro Gouveia, sertão alagoano), dia dez de outubro
de 1917. A noite começava a encher de estrelas o céu sertanejo, quando um homem
corpulento sentava-se à poltrona no alpendre do vistoso Bangalô que mandara
construir para ostentar sua proeminente posição social.
Cearense,
natural do Ipu, chegara à localidade fugido de perseguições implacáveis que lhe
foram impostas em Pernambuco, devido à audácia em desafiar ditames gananciosos,
referentes ao abastecimento alimentar no Estado, culminando com incêndio
criminoso de empreendimento mercantil estruturado no Derby, localizado na
capital pernambucana.
A
indispensável proteção do poderoso coronel Ulisses Luna lhe garantiu certa
liberdade em levar avante projetos ousados que marcariam indelevelmente a
História social e econômica do semiárido.
Lia revista
quando o silêncio foi quebrado pelo barulho dos disparos de cinco tiros
certeiros, saídos de rifles winchester calibre 44 manuseados por irresponsáveis
pistoleiros a serviço da maldição e da desdita. Esgueirando pelos cantos, o
empresário sertanejo falecia logo em seguida, deixando rosário de mistérios em
torno do seu assassinato, mas, principalmente, legado louvável de luta em prol
da redenção da sofrida zona castigada pelas secas.
Próximo ao
local de seu martírio, estava seu principal empreendimento, a fábrica de linhas
Estrela, símbolo maior do desafio ao imperialismo inglês e desmoralização
suprema às leis deterministas que pregam a impossibilidade de haver
desenvolvimento socioeconômico em áreas tenazmente castigadas pela inclemência
da natureza, como o semiárido brasileiro.
Delmiro
Gouveia apostou nas potencialidades nordestinas para montar verdadeiro império
econômico. Antes de adentrar o ramo têxtil, dedicara-se com afinco ao
contrabando de couro e pele caprino, selando importantes contratos comerciais
com poderosos grupos econômicos norte-americanos, garantia futura de sucesso em
seu objetivo de industrializar o semiárido, aproveitando a abundancia da
cotonicultura existente, quando a praga do bicudo ainda não tinha
desestruturado a economia local.
Devido à
violência da primeira grande guerra, sobretudo em razão do torpedeamento de
navios por submarinos alemães, as linhas produzidas na Vila da Pedra
conquistaram importantes praças sul-americanas com a marca Barilejo.
O produto de
primeira qualidade, fabricado com matéria-prima abundante na região, tornava-se
orgulho para o Nordeste e para o País, elevando o nome e a ação empreendedora
de Delmiro Gouveia a patamares indescritíveis.
Bem próxima,
estrategicamente localizada, encontrava-se ainda a usina de angiquinhos,
montada por valentes sertanejos e inspecionada em sua estruturação pelo próprio
Delmiro Gouveia, nas imediações da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São
Francisco, a qual era a segunda hidrelétrica instalada no Brasil, garantindo o
suprimento energético que fazia funcionar a imponente fábrica de linhas Estrela
e a iluminação da Vila da Pedra, verdadeiro luxo no sertão naqueles turbulentos
idos da década de dez do século XX.
Desafiara
inimigos poderosos para levar avante sonho de geração de emprego e renda em
bases capitalistas, primando por relações assalariadas em seu empreendimento,
bem como implementando conquistas sociais importantíssimas, como a instituição
de benefícios que só que seriam implantados no País muito tempo depois, a
exemplo do décimo terceiro salário e creche para as mulheres trabalhadoras
deixarem os filhos enquanto exerciam suas atividades.
A preocupação
com a natureza também integrou as preocupações de Delmiro Gouveia, sobretudo
com a fauna, embora a flora tenha sido bastante penalizada, pois seu
empreendimento fabril necessitou bastante de madeira, a qual era retirada em
profusão da caatinga.
Não fossem as
balas assassina que tiraram a vida de Delmiro Gouveia há cem anos,
provavelmente a História do Sertão tivesse sido outra, talvez não sendo marcada
de forma tão aviltante com o advento do cangaço, com Lampião catalisando ações,
atitudes, tendência, imaginário e modismo durante mais de vinte anos, levando em
conta que o próprio Virgulino serviu ao empresário, como tropeiro, fornecendo
algodão para abastecer a crescente produção de linhas de costura da fábrica da
Vila da Pedra.
Durante
quarenta anos o Nordeste, sobretudo a zona sertaneja, ficou atrasado, castigado
com a estagnação de suas forças produtivas, soprando ventos da esperança
somente quando resultados concretos, auferidos pelo Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste, coordenado pelo paraibano Celso Furtado, acenou
com a possibilidade de melhores dias, quando da criação da SUDENE, embora
saibamos que muitas ações nefandas tenham contribuído, através da observância
de corrupção e desvio de verbas, para a inoperância e efetivação de ideias bem
intencionadas em prol da região.
José Romero Araújo
Cardoso (2) – Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e
Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da
Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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