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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

DELMIRO GOUVEIA: NOTAS E REFLEXÕES SOBRE O CENTENÁRIO DE MARTÍRIO DO GRANDE EVANGELIZADOR DO NORDESTE

Por José Romero de Araújo Cardoso

Vila da Pedra (atualmente, município de Delmiro Gouveia, sertão alagoano), dia dez de outubro de 1917. A noite começava a encher de estrelas o céu sertanejo, quando um homem corpulento sentava-se à poltrona no alpendre do vistoso Bangalô que mandara construir para ostentar sua proeminente posição social.

Cearense, natural do Ipu, chegara à localidade fugido de perseguições implacáveis que lhe foram impostas em Pernambuco, devido à audácia em desafiar ditames gananciosos, referentes ao abastecimento alimentar no Estado, culminando com incêndio criminoso de empreendimento mercantil estruturado no Derby, localizado na capital pernambucana.

A indispensável proteção do poderoso coronel Ulisses Luna lhe garantiu certa liberdade em levar avante projetos ousados que marcariam indelevelmente a História social e econômica do semiárido.

Lia revista quando o silêncio foi quebrado pelo barulho dos disparos de cinco tiros certeiros, saídos de rifles winchester calibre 44 manuseados por irresponsáveis pistoleiros a serviço da maldição e da desdita. Esgueirando pelos cantos, o empresário sertanejo falecia logo em seguida, deixando rosário de mistérios em torno do seu assassinato, mas, principalmente, legado louvável de luta em prol da redenção da sofrida zona castigada pelas secas.

Próximo ao local de seu martírio, estava seu principal empreendimento, a fábrica de linhas Estrela, símbolo maior do desafio ao imperialismo inglês e desmoralização suprema às leis deterministas que pregam a impossibilidade de haver desenvolvimento socioeconômico em áreas tenazmente castigadas pela inclemência da natureza, como o semiárido brasileiro.

Delmiro Gouveia apostou nas potencialidades nordestinas para montar verdadeiro império econômico. Antes de adentrar o ramo têxtil, dedicara-se com afinco ao contrabando de couro e pele caprino, selando importantes contratos comerciais com poderosos grupos econômicos norte-americanos, garantia futura de sucesso em seu objetivo de industrializar o semiárido, aproveitando a abundancia da cotonicultura existente, quando a praga do bicudo ainda não tinha desestruturado a economia local.

Devido à violência da primeira grande guerra, sobretudo em razão do torpedeamento de navios por submarinos alemães, as linhas produzidas na Vila da Pedra conquistaram importantes praças sul-americanas com a marca Barilejo.

O produto de primeira qualidade, fabricado com matéria-prima abundante na região, tornava-se orgulho para o Nordeste e para o País, elevando o nome e a ação empreendedora de Delmiro Gouveia a patamares indescritíveis.

Bem próxima, estrategicamente localizada, encontrava-se ainda a usina de angiquinhos, montada por valentes sertanejos e inspecionada em sua estruturação pelo próprio Delmiro Gouveia, nas imediações da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco, a qual era a segunda hidrelétrica instalada no Brasil, garantindo o suprimento energético que fazia funcionar a imponente fábrica de linhas Estrela e a iluminação da Vila da Pedra, verdadeiro luxo no sertão naqueles turbulentos idos da década de dez do século XX.

Desafiara inimigos poderosos para levar avante sonho de geração de emprego e renda em bases capitalistas, primando por relações assalariadas em seu empreendimento, bem como implementando conquistas sociais importantíssimas, como a instituição de benefícios que só que seriam implantados no País muito tempo depois, a exemplo do décimo terceiro salário e creche para as mulheres trabalhadoras deixarem os filhos enquanto exerciam suas atividades.

A preocupação com a natureza também integrou as preocupações de Delmiro Gouveia, sobretudo com a fauna, embora a flora tenha sido bastante penalizada, pois seu empreendimento fabril necessitou bastante de madeira, a qual era retirada em profusão da caatinga.

Não fossem as balas assassina que tiraram a vida de Delmiro Gouveia há cem anos, provavelmente a História do Sertão tivesse sido outra, talvez não sendo marcada de forma tão aviltante com o advento do cangaço, com Lampião catalisando ações, atitudes, tendência, imaginário e modismo durante mais de vinte anos, levando em conta que o próprio Virgulino serviu ao empresário, como tropeiro, fornecendo algodão para abastecer a crescente produção de linhas de costura da fábrica da Vila da Pedra.

Durante quarenta anos o Nordeste, sobretudo a zona sertaneja, ficou atrasado, castigado com a estagnação de suas forças produtivas, soprando ventos da esperança somente quando resultados concretos, auferidos pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, coordenado pelo paraibano Celso Furtado, acenou com a possibilidade de melhores dias, quando da criação da SUDENE, embora saibamos que muitas ações nefandas tenham contribuído, através da observância de corrupção e desvio de verbas, para a inoperância e efetivação de ideias bem intencionadas em prol da região.

José Romero Araújo Cardoso (2) – Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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