Por Geraldo Maia do Nascimento
Assoprando a
poeira do tempo acumulada em velhos tabloides encontramos histórias pitorescas,
reminiscência longínqua sobre a Mossoró do passado, cuja leitura nos traz aos
olhos um quadro de beleza singela e pura. Numa dessas histórias tomo conhecimento
que existiu em Mossoró um estabelecimento comercial conhecido como “O Café de
Antônio Henrique”, destinado a venda de alimentação. Não era, o que podemos
dizer, um restaurante. Era mais um “mata fome”, frequentado por pessoas de
baixo poder aquisitivo, quando a Praça da Matriz fervilhava de comboieiros que
se abrigavam sob a copa frondosa do velho umarizeiro secular onde os cargueiros
de sal e os tangerinos de cereais permutavam os seus produtos.
Dentro havia só
uma mesa atravessada, separando a porta do fogão, onde a panela estava sempre
fervendo e o bule de café repousava, nas brasas, requentando a beberagem. Um
banco largo e sem encosto, deitava para o lado da rua. Os fregueses sentavam-se
ali, em número de três ou quatro, e uma em cada cabeceira da mesa, em posição
mais saliente, pois os assentos ali eram tamboretes cobertos de couro. Por cima
da mesa, onde se estendia uma toalha de quadriculado, suja, cheia de largas
manchas de café e de gordura, paravam arrumadas as xícaras e dois velhos pratos
de ágata, um com pão e outro com cocada. De frente, um pote grande, escuro, de
boca larga, sem tampa, cheio de água do rio, que matava a sede dos que
chegavam. Seu Antônio, o dono, era baixo, gordo, de uma gordura mole e amarela,
careca, sempre risonho, parecendo que não sabia o que era ter raiva. Também não
havia muita exigência ou reclamação, ou menos, dos que iam a modesta casa de
pasto. Ali a conversa de todos é que corria animada, sem qualquer sombra de
preocupação, que viesse turvar o ambiente alegre durante a hora da refeição. O
almoço de Antônio Henrique, que sempre estava pronto, não passava daquilo
mesmo: farofa, arroz e carne de criação, tudo misturado em prato bem cheio, que
vinha acompanhado de uma batata-doce, ou de um pedaço de jerimum caboclo, enxuto,
de entalar, e mais o caldo e o molho que ele derramava por cima, com a concha,
para dar gosto e despertar o paladar. Numa ponta da mesa ficava uma garrafa
branca com molho de pimenta malagueta. A colher de metal amarelo vinha
enterrada no meio daquela pasta gordurosa, que todos devoravam, avidamente,
lambendo os beiços, chupando os ossos, e que apenas custava um cruzado. Quando
era Dia Santo, ou de domingo, os que contavam com mais dinheiro, tornavam-se
importantes, pedindo coisas melhores, como ovos, um pedaço de lombo e até uma
tora de doce de lata, situação em que o freguês passava a ser tratado de modo
diferente, pois tinha direito a faca e garfo e a um copo d’água na mesa. O
comum, porém, é que cada qual, à proporção que ia acabando de limpar o prato
dirigia-se ao pote, enchia a lata que ficava emborcada, ao lado, perto da
parede, e bebia até matar a sede, até estourar o bucho. Aquele ponto de café de
Antônio Henrique centralizava um grupo que tinha maior afinidade entre si e que
era constituído, além dos mercadores já mencionados, dos que moravam para o
lado da Baixinha, dos Paredões ou do Bom Jardim, gente muito simples e
trabalhadora. Quem terá sido esse Antônio Henrique que mereceu crônica impressa
fazendo com que a história do seu simples estabelecimento chegasse até os
nossos dias, traçando o perfil da Mossoró do passado? Provavelmente nunca vamos
saber. São esses fragmentos que compõem a nossa história.
Se usar este material ponha o autor e a fonte que está abaixo
http://www.blogdogemaia.com/detalhes.php?not=1060
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Excelente postagem!
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