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sábado, 24 de fevereiro de 2018

O CAFÉ DE ANTÔNIO HENRIQUE

Por Geraldo Maia do Nascimento

Assoprando a poeira do tempo acumulada em velhos tabloides encontramos histórias pitorescas, reminiscência longínqua sobre a Mossoró do passado, cuja leitura nos traz aos olhos um quadro de beleza singela e pura. Numa dessas histórias tomo conhecimento que existiu em Mossoró um estabelecimento comercial conhecido como “O Café de Antônio Henrique”, destinado a venda de alimentação. Não era, o que podemos dizer, um restaurante. Era mais um “mata fome”, frequentado por pessoas de baixo poder aquisitivo, quando a Praça da Matriz fervilhava de comboieiros que se abrigavam sob a copa frondosa do velho umarizeiro secular onde os cargueiros de sal e os tangerinos de cereais permutavam os seus produtos. 


Dentro havia só uma mesa atravessada, separando a porta do fogão, onde a panela estava sempre fervendo e o bule de café repousava, nas brasas, requentando a beberagem. Um banco largo e sem encosto, deitava para o lado da rua. Os fregueses sentavam-se ali, em número de três ou quatro, e uma em cada cabeceira da mesa, em posição mais saliente, pois os assentos ali eram tamboretes cobertos de couro. Por cima da mesa, onde se estendia uma toalha de quadriculado, suja, cheia de largas manchas de café e de gordura, paravam arrumadas as xícaras e dois velhos pratos de ágata, um com pão e outro com cocada. De frente, um pote grande, escuro, de boca larga, sem tampa, cheio de água do rio, que matava a sede dos que chegavam. Seu Antônio, o dono, era baixo, gordo, de uma gordura mole e amarela, careca, sempre risonho, parecendo que não sabia o que era ter raiva. Também não havia muita exigência ou reclamação, ou menos, dos que iam a modesta casa de pasto. Ali a conversa de todos é que corria animada, sem qualquer sombra de preocupação, que viesse turvar o ambiente alegre durante a hora da refeição. O almoço de Antônio Henrique, que sempre estava pronto, não passava daquilo mesmo: farofa, arroz e carne de criação, tudo misturado em prato bem cheio, que vinha acompanhado de uma batata-doce, ou de um pedaço de jerimum caboclo, enxuto, de entalar, e mais o caldo e o molho que ele derramava por cima, com a concha, para dar gosto e despertar o paladar. Numa ponta da mesa ficava uma garrafa branca com molho de pimenta malagueta. A colher de metal amarelo vinha enterrada no meio daquela pasta gordurosa, que todos devoravam, avidamente, lambendo os beiços, chupando os ossos, e que apenas custava um cruzado. Quando era Dia Santo, ou de domingo, os que contavam com mais dinheiro, tornavam-se importantes, pedindo coisas melhores, como ovos, um pedaço de lombo e até uma tora de doce de lata, situação em que o freguês passava a ser tratado de modo diferente, pois tinha direito a faca e garfo e a um copo d’água na mesa. O comum, porém, é que cada qual, à proporção que ia acabando de limpar o prato dirigia-se ao pote, enchia a lata que ficava emborcada, ao lado, perto da parede, e bebia até matar a sede, até estourar o bucho. Aquele ponto de café de Antônio Henrique centralizava um grupo que tinha maior afinidade entre si e que era constituído, além dos mercadores já mencionados, dos que moravam para o lado da Baixinha, dos Paredões ou do Bom Jardim, gente muito simples e trabalhadora. Quem terá sido esse Antônio Henrique que mereceu crônica impressa fazendo com que a história do seu simples estabelecimento chegasse até os nossos dias, traçando o perfil da Mossoró do passado? Provavelmente nunca vamos saber. São esses fragmentos que compõem a nossa história.    

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