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terça-feira, 21 de agosto de 2018

CONDENAÇÃO E ABSOLVIÇÃO DE ANTONIO QUELÉ DURANTE O CONFRONTO DE CARVALHO COM PEREIRA

Por Valdir José Nogueira
Antônio Quelé


Em 5 de julho de 1905, Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), vindo de sua fazenda Santo André, chegou a Vila de Belmonte acompanhado de dois homens de sua confiança Vitorino e Juriti. Dirigia-se às feiras de gado de Pesqueira e Vitória de Santo Antâo, onde esperava receber a importância de umas boiadas vendidas a prazo. Como era natural naquele tempo, viajando dias e dias a cavalo, conduzindo dinheiro, não podia se deixar de andar acompanhado. E como os homens de confiança de Quelé estivessem armados, dele se aproximam Cassiano Pereira (Ciba) e seu irmão Cincinato, exigindo-lhes que entregassem as armas. Desobedecendo a intimação, Vitorino e Juriti foram recuando. Perseguidos pelos dois Pereiras, entram na casa do coronel Moraes (José de Carvalho e Sá Moraes), primo de Quelé e chefe político local, a quem solicitaram providências contra o vexame que sofriam. Nisso, o coronel José Pereira de Aguiar, primo de Cassiano e Cincinato Pereira, intervém na contenda e se entende com o coronel Moraes, providenciando a retirada dos homens de Quelé, ponderando aos primos que não deviam desarmá-los, pois iam de viagem garantindo o patrão.

Seguiu Quelé, e de volta em Vila Bela, estando a conversar com alguém na feira, dele aproximou-se Isidoro Aguiar, membro da família Pereira, que o interpelou sobre o atrito ocorrido entre ele (Quelé) e seus primos, em Belmonte. Quelé passou a historiar o que havia ocorrido. Como a conversa era em altas vozes, em virtude do sussurro natural dos feirantes, entendeu Antônio Pereira Baião, que por perto passava, tratar-se de uma alteração acalorada entre eles. Receoso de que houvesse um atrito mais sério, foi comunicar o que presenciara a seu primo Manuel Pereira Maranhão, conhecido por Né do Baixio, delegado de Polícia até então. É que, embora constasse haver sido exonerado, não havia confirmação do fato.
Né do Baixio, homem valente, dirigiu-se imediatamente ao local da suposta discussão e, sem dizer água vai, segurou Quelé pelas costas, bradando-lhe enérgico: “Não se mexa que o duro aqui sou eu mesmo.” Nisso, Vitorino atraca-se com Manuel Pereira, o qual, largando Quelé, saca um punhal e investe contra Vitorino. Ao ver que seu “cabra” podia ser morto, Quelé faz uso de sua arma, uma mauser, e alveja Né do Baixio, ferindo-lhe no dorso. Chamando seus “cabras”, Vitorino e Juriti, dirige-se para a residência do monsenhor Afonso Pequeno, vigário das freguesias de Vila Bela e Belmonte, a quem narra o que acontecera.


Monsenhor Afonso Pequeno

Vários membros da família Pereira cercam a residência do monsenhor, tentando prender e trucidar Quelé, mas o padre, postando-se à porta, pediu-lhes que se acalmassem, garantindo que Quelé se entregaria à Justiça. Ainda houve tiros, um dos quais atingiu o quadro do Papa Leão XIII, na sala de visitas, mas tudo terminou com o recolhimento de Quelé e seus cabras à cadeia local.

Quelé e seus companheiros por interferência do major Ernesto Lopes de Carvalho, que não confiou deixar o primo exposto à sanha da família Pereira na cidade de Vila Bela, foram remetidos para a cadeia de Flores. Três vezes foi este submetido a julgamento. Só na terceira vez é que foi absorvido e posto em liberdade, juntamente com seus dois cabras. 

Quando foi condenado pela primeira vez, o monsenhor Afonso Pequeno, indignado com a sentença, encaminhou ao juiz da Comarca de Flores a seguinte correspondência (Registrada no Livro de Notas nº 2, do Cartório do 2º Ofício da Comarca de Belmonte):

“Vila Bela, vinte de outubro de mil novecentos e cinco.
Senhor Salustiano
Meus cumprimentos

Só agora tenho vagas para responder a tua carta em que me pedias que te recusasse. Não fiz o teu pedido porque não adivinhara que o major Francisco Vieira juraria suspeição, pois eu ainda podia recusar um. Podia ter te recusado em lugar do coronel Marçal, mas confiava na tua palavra e não te tinha na conta de traidor. Não precisei de ti e espero em Deus não precisar nunca. Quando porém, precisares de mim estou à tua ordem. O perjuro que absolve a Antônio Leite e outros a mando do chefe não podia absolver Antônio Quelé que usou de legítima defesa? Tu foste coerente. Eu era que estava iludido pensando que tinhas consciência. Pilatos condenou a Nosso Senhor Jesus Cristo depois de confessar que Ele era justo e ter declarado que as testemunhas nada dispunham contra o Divino réu. Tu condenastes a Antônio Quelé depois de ter dito a meio mundo que Antônio Quelé procedera como homem, e depois de ter ouvido as testemunhas que nada dispuseram contra ele. Pilatos condenou com medo do povo e de César. Tu com medo de meia dúzia de cangaceiros e com medo de Antônio Pereira. Pilatos caiu depois no desprezo do povo. O povo também te despreza porque foste covarde e traidor. Pilatos foi por César deposto da Presidência Judia. Antônio Pereira também te dará um dia a paga que mereces. Nosso Senhor Jesus Cristo perdoou a Pilatos; eu de minha parte te perdou, e como sinal de perdão, venho te aconselhar que chores o teu pecado de perjúrio, para não teres a sorte de Pilatos que está no inferno, como todos os juízes covardes. Que necessidade tinhas tu de te mentires Salustiano? Dissestes que foi para vingar-te daquele sermão em que para bem de tua alma e exemplo de todos, censurei uma tua miséria. Vingaste-te condenando cada vez mais a tua alma. Não te vingastes e se queres vingar-te, arrepende-te e salva-te, porque assim te vingas do inimigo de tua alma. De mim, quiseste vingar-te de mim que só te desejo o bem? Amigo é tempo. Eu perdoo a tua traição, o teu perjúrio. Fazes com que Deus te perdoe também. Se quiseres, recebe o abraço que te envio como amigo que sou. De teu amigo afetuoso.

Monsenhor Afonso Antero Pequeno.”

Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), era filho de Clementino Alves de Carvalho e Sá (da fazenda São José) e de Gertrudes Maria de Carvalho (da fazenda Santa Cruz). Ficou conhecido por sua extrema valentia ao longo do confronto entre Carvalho e Pereira. Diziam que, sugestionado talvez pelos contos dos folhetos de cordel, possuía o dom da magia, podendo se encantar, desaparecer e reaparecer quando bem quisesse. Foi casado com Marota (filha de David Bernardino de Carvalho e Sá) e não deixou descendentes. Conta-se que quando estava no leito de morte, ao receber a extrema-unção, o padre lhe mostrou a imagem de Cristo, porém, Quelé afirmou que não conseguia vê-lo, em virtude de ter realizado crimes.

Valdir José Nogueira, pesquisador e escritor
Presidente da Comissão Local
Cariri Cangaço São José de Belmonte

e vem ai...

https://cariricangaco.blogspot.com/2018/08/condenacao-e-absolvicao-de-antonio.html

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