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sábado, 11 de agosto de 2018

NARRAÇÃO D'UM FILHO DE UM PRAÇA DA TERRA DA POESIA

Material do acervo do Sávio Siqueira

A MORTE DEU NO RÁDIO (sobre o meu pai).

Meu pai não foi herói nem nada. Meu pai era uma pessoa. E, pelo que me falam, uma pessoa boa. Claro, devia ter lá os defeitos dele, como todos nós temos. Mas, hoje eu não saberia dizer quais eram. Porque convivi pouco com meu pai. Desde que o meu irmão imediatamente mais velho nasceu, o meu pai ficou doente e quase não parava em casa. Vivia o tempo todo a viajar: do Sertão, onde morávamos, para o Recife. Ele viajava em busca de tratamento médico. E, de uma dessas viagens, em 1965, ele nunca mais voltou. Eu, minha mãe e meus irmãos ficamos sabendo da morte do meu pai através de um aviso transmitido por uma emissora de rádio.

Naquele tempo era comum as pessoas mandarem notícias pelo rádio. De modo que nada de especial houve naquele aviso, transmitido durante uma esquisita manhã que nunca me saiu da memória. Eu tinha 13 anos de idade e ia para o sítio do meu avô, puxando por uma corda a cabra malhada que eu criava e completava o leite de casa. Eu ia por uma rua de trás (como no interior a gente chamava as vias paralelas à rua principal da cidade) e, pouco antes de chegar ao imenso terreno onde ficava o prédio da Companhia Geral de Abastecimento de Pernambuco (CAGEPE), um primo veio correndo ao meu encontro gritando a notícia:

- Marcos! Marcos! Titio Jaci morreu! Mãe escutou agorinha no rádio!...

Eu parei, olhei para aquele meu primo e não pronunciei uma só palavra: retomei o caminho rumo ao sítio do meu avô. Mas, um quilômetro adiante, o meu tio José me alcançou, me pegou pela mão e me carregou de volta pra casa, onde minha mãe e meus irmãos choravam. Eu tentei chorar, mas não consegui: fiquei sentado no meio-fio da calçada da minha casa. Fiquei um tempão assim, sentado, enquanto as pessoas entravam e saíam da casa. E foi só. Nem a minha mãe, nem eu e nem meus irmãos pudemos viajar para assistir ao enterro do meu pai. Naquele tempo o transporte entre o Sertão e o Recife era precário e não tínhamos dinheiro para fretar um carro.

Sobre os restos mortais do meu pai, eu não sei onde foram parar. E somente quarenta anos depois eu fiquei sabendo que, além das roupas dele, o meu pai havia colocado na sua mala de couro marrom (para mais uma viagem de volta que nunca aconteceu) alguns objetos. Eram presentes para os filhos. Coisas simples e baratas, compatíveis com o salário de um soldado de polícia: um corte de tecido para a minha irmã mais velha, duas bonecas de pano para as irmãs mais novas e seis carrinhos de plástico para mim e meus irmãos. Mas, nós nunca recebemos esses presentes. Assim como o corpo do meu pai, os presentes também ficaram no Recife. Onde, não sei!

Hoje, barbado, com filhos e netos, eu fiquei pensando: como teria sido a minha vida se eu tivesse brincado com um daqueles carrinhos de plástico?!

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