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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

OS FESTEJOS DE SANTO ANTÔNIO NA FAZENDA ARACATI E NO DISTRITO DE CARACARÁ

Por Benedito Vasconcelos Mendes

Santo Antônio de Pádua é o Padroeiro da Vila de Caracará, localizada nas vizinhanças da Fazenda Aracati. Meu avô era devoto de São Raimundo Nonato, santo protetor dos vaqueiros, mas também tinha uma certa devoção ao santo padroeiro da Vila de Caracará. Na Fazenda Aracati, as festas juninas (Santo Antônio, São João e São Pedro) eram comemoradas todos os anos, com muita alegria e devoção. Meu avô mandava cortar a madeira da fogueira (jurema-preta, que produz pouca fumaça e o fogo mantém a chama por mais tempo) e ele mesmo ia montar a estrutura da fogueira com, no mínimo, um metro e meio de altura. Minha avó comandava a cozinha, preparando refresco de tamarindo, canjica, pamonha, cuscuz de milho, mugunzá, bolo de milho, pé de moleque e milho verde cozido. Cada participante da festa, assava a sua espiga de milho na grande fogueira acesa no terreiro. Para evitar queimaduras, usava-se espetos de madeira compridos, com cerca de 60 centímetros de comprimento, para espetar a espiga de milho e colocar na fogueira para assar. Grandes cestos de cipó, cheios de espigas de milho verde e longos e finos espetos de madeira ficavam à disposição dos presentes, no parapeito do alpendre. Às 9 horas da noite, na ponta da calçada do alpendre, minha avó rezava em voz alta, a Oração de Santo Antônio, um Padre Nosso e uma Ave Maria e anunciava o início da cerimônia de apadrinhamento e todos passavam a acompanhar o ritual com muita atenção. O Sales retirava um tição aceso da fogueira e colocava-o mais afastado do fogo, devido ao calor. Os pretensos padrinhos, madrinhas, afilhados e afilhadas ficavam em fila, esperando a vez de realizar o ritual do apadrinhamento, que em resumo era o que segue. O afilhado dizia “Santo Antônio disse, São João indicou e São Pedro confirmou que você fosse meu padrinho, porque Nosso Senhor Jesus Cristo mandou”. Padrinho e afilhado davam uma volta, de mãos dadas, ao redor do tição e, em seguida, o padrinho respondia: “Santo Antônio disse, São João indicou e São Pedro confirmou que eu aceitasse ser seu padrinho, porque Nosso Senhor Jesus Cristo mandou”. O padrinho e a madrinha de fogueira eram considerados padrinhos legítimos e eram muito respeitados, inclusive o afilhado pedia a bênção ao padrinho, quando se encontravam.

A alegria era contagiante e a festa prosseguia até às 10 horas da noite, quando meus avós se recolhiam para dormir. As festas juninas eram realizadas todos os anos de bons invernos, para comemorar os dias de Santo Antônio, São João e São Pedro. Nos anos de seca não tinha festa. No dia de Santo Antônio, além da festa preparada na fazenda, tinha a festa do Padroeiro da Vila de Caracará, feita dentro e no patamar da Igreja de Santo Antônio. À tardinha, meu avô vestia seu terno de casimira azul marinho, colocava sua gravata de seda vermelha, calçava seu sapato preto e montava no seu garboso cavalo Estrela, que o Sales tinha arreado. Minha avó, com seu vestido de linho azul de bolinhas brancas, com cabelos bem penteados e com uma bela marrafa de casco de tartaruga, montava de lado no cilhão da sua égua de estimação, de nome Lua, e o casal saía na frente rumo ao Caracará, para rezar na igreja de Santo Antônio e ter informações sobre o leilão do Padroeiro. O Sales ficava encarregado de levar a meninada, netos do meu avô e os filhos pequenos dos vaqueiros, que totalizavam 20 crianças, sendo necessários cinco burros com caçuás, para transportar a criançada. O Sales, montado no seu cavalo, vigiava de perto o comportamento das crianças. Os meninos eram colocados dentro dos caçuás de couro cru de boi, dois a dois, ou seja, dois meninos em cada caçuá e depois saíam para a Vila de Caracará, distante uns cinco quilômetros da fazenda. A viagem dentro dos caçuás era muito divertida. Eles achavam a viagem melhor do que brincar nos dois brinquedos do rústico Parque de Diversão montado ao lado da igreja, que eram as canoinhas de balanço e os cavalinhos, que rodavam subindo e descendo. Meu avô comprava, nas barraquinhas, bombons de hortelã (Piper) e caixinhas de chicletes para todos os 20 meninos. Após fazer suas orações no interior da igreja, meus avós procuraram o Chico Leiloeiro, encarregado de organizar o leilão do Padroeiro, que ia começar às 8 horas da noite, para se certificar se o carneiro que ele doou, como prenda do leilão, ia ser leiloado naquela noite, pois ele tinha interesse em saber quem arrematou o ovino reprodutor. 

Era emocionante assistir os sertanejos agradecendo à Santo Antônio, ajoelhados diante de sua imagem no interior da igreja. Tiravam o chapéu, erguiam os dois braços para o alto e, em voz alta, agradeciam as chuvas que receberam em seus roçados. Com voz embargada e lágrimas nos olhos, aquele povo simples demonstrava sua imensa gratidão e fé ao glorioso padroeiro. Antes de 7 horas da noite, a comitiva da Fazenda Aracati já estava de volta. Ao chegar em casa, cada um pegava seu prato de canjica de milho verde, feita com leite de vaca, colocava queijo de coalho seco ralado e ia comer ao redor da grande fogueira no pátio da casa grande. O jantar era complementado com cuscuz de milho com carne assada, mugunzá, pamonha, milho verde cozido, bolo de milho, pé de moleque e refresco de tamarindo. Grandes cuias de cabaça com milho cozido, pamonha e pé de moleque ficavam sobre uma mesa no alpendre, à disposição de todos. 

Quase sempre chegavam, da Vila de Santo Antônio do Aracatiaçu, o compadre do meu avô, Zé Sanfoneiro, acompanhado do Chico do Zabumba e Tonho do Triângulo, com seus instrumentos musicais, iniciando a festa dançante, no alpendre cimentado da casa grande, até às 10 horas da noite. Somente os meus tios com suas esposas, os vaqueiros casados e os meus avós dançavam os boleros, xotes, xaxados e baiões tocados pela rústica banda sertaneja. Não havia consumo de bebidas alcóolicas e às 10 horas da noite tudo já estava encerrado. O início e o encerramento da festa eram anunciados com tiros de foguetes, que meu avô mandava comprar, com muita antecedência, do Raimundo Fogueteiro, que morava na Rua das Pedrinhas, em Sobral (nas imediações da primeira ponte sobre o Rio Acaraú ).

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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