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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020


Por Antônio Corrêa Sobrinho

AMIGOS,

O “Jornal de Recife”, na sua edição de 25 de fevereiro de 1926, transcreveu a matéria (abaixo) publicada dias antes, em 13 de fevereiro, pelo jornal “Gazeta de Juazeiro”, onde lemos uma entrevista concedida por Lampião a um senhor chamado Francisco Xavier, na localidade Poço Brejo dos Santos, quando este cangaceiro e seus comandados viajavam para o Juazeiro Norte, no Ceará, para estar com Padre Cícero, encontro que de fato ocorreu nos dias iniciais de março daquele 1926.

Causou-me espécie o fato desta publicação não ter sido divulgada pela imprensa em geral, salvo, dos que eu tive acesso, por este diário pernambucano; tampouco foi sequer mencionada pelos pesquisadores e autores do Cangaço. Ao contrário da entrevista dada por Lampião ao senhor Otacílio Macedo, nos dias 5 e 6 de março, já em Juazeiro, alardeada pela imprensa nacional.

Teriam sido as causas apontadas por Lampião, nesta entrevista, as que levaram Lampião ao poderoso Padre Cícero, qual seja, a de formar na região um exército a fim de declarar guerra aos estados de Pernambuco e Paraíba, e, com isso, no final, conseguir ser anistiado?

Leiam a reportagem e fiquem à vontade para expor o que acham a respeito, afinal de contas este é um grupo criado com o propósito de estudar o cangaço.


OS CANGACEIROS NO CEARÁ
O JORNAL DO PADRE CÍCERO FORNECE INTERESSANTE INFORMAÇÕES SOBRE “LAMPIÃO” E SEU BANDO.

O CÉLEBRE BANDOLEIRO ANDA FARDADO DE CORONEL. O SEU ESTADO-MAIOR. – TAMBÉM ESPERA ANISTIA! – INTERESSA-SE PELA LEITURA DOS JORNAIS

O BANDITISMO NOS SERTÕES



Da “Gazeta de Juazeiro” transcrevemos a seguinte notícia sobre o bandido Lampião e seu bando:

Tem chegado a Juazeiro levas e levas de imigrantes vindos de Pinhacó e outros pontos da Paraíba, corridos pelos bandos de malfeitores que têm devastado aquela região matando, roubando, lançando o terror por toda a parte.

PEDINDO A PROTEÇÃO DO PADRE CÍCERO

Todos vêm pedir a proteção do padre Cícero e se obstinam em permanecer no Juazeiro, único ponto onde se julgam a salvo do banditismo.

Os grupos que têm operado na região acima citada são os de Lampião, de Araújo e Sabino, confederados num total de 45 homens, os quais de volta de Aurora, penetraram na Paraíba e depois das mais terríveis depredações, voltaram ao Ceará para, em seguida, internar-se nos sertões do Pajeú, Pernambuco.

A “Gazeta” colheu impressionante reportagem a respeito de Lampião, chefe dessa confederação de bandidos, ao passar com o seu bando por Brejo dos Santos, na direção de Pajeú.

Estava o Sr. Francisco Xavier no seu sítio Poço Brejo dos Santos, quando apareceu ali numeroso grupo de bandidos pedindo-lhe pousada. Vinham todos a cavalo e estavam armados até os dentes.

O Sr. Xavier não pôde deixar de dar pousada aos estranhos hóspedes que se mostraram desde logo sem cerimônia, tomando conta da casa.

Como era natural, entabulou-se conversação entre o dono da casa e os bandidos.

LAMPIÃO FAZ A SUA APRESENTAÇÃO

Lampião fez a sua apresentação nestes termos:

- Eu sou o coronel Lampião, o homem mais valente do Brasil.

Em seguida, apresentou os principais do bando.

- Aqui o meu estado-maior: major Horácio Neves, meu secretário... capitão fulano... tenente sicrano.

De fato estavam fardados como verdadeiros militares, cada um apresentando as divisas dos seus imaginários postos.

Coronel, que anda fazendo por aqui com sua tropa? – perguntou Xavier, em tom respeitoso, dirigindo-se a Lampião.

RECRUTANDO GENTE PARA A GUERRA

- Ando recrutando gente para a guerra...

Xavier não compreendeu bem a resposta e Lampião se pôs a conversar desembaraçadamente expondo todos os seus planos com desassombro.

- Por ora somos 32 homens, 32 que você está vendo e mais 20 que mandei a uma diligência (incendiar as propriedades de um fazendeiro na Paraíba). Vim ao Ceará somente recrutar gente para a guerra. Pretendo agora no Pajeú completar uma força de 200 homens para atacar uma cidade importante de Pernambuco, a fim de aumentar o número de homens a 1000. E dizendo isto mostrou uma porção de rifles e munição que levava de sobressalência para distribuir com os novos recrutas. As condições do engajamento eram as seguintes: Lampião daria um rifle com munição, fardamento e 100$000 em dinheiro ao recruta e este então que fizesse pela vida daí por diante.

- E para que o coronel quer tanta gente? – indagou Xavier curioso.

- Não lhe disse que é para a guerra? – tornou Lampião. Quero juntar 1000 homens para declarar “guerra oficial” aos Estados da Paraíba e Pernambuco. Hei de fazer uma guerra tão violenta a estes Estados que o meu nome ficará na História.

- E não tem medo do governo federal?

Lampião riu ironicamente.

À ESPERA DE ANISTIA

- Nós não sabemos o que é medo. O meu plano é resistir como um leão até o governo nos conceder anistia.

Xavier estava de queixo caído. Todavia, Lampião prosseguiu:

Agora vou lutar a descoberto. Estou aborrecido de caminhar por veredas. Só andarei agora pelas estradas e faço questão de encontrar-me com os “macacos” do governo.

As pessoas que nos deram estas informações são as mais respeitáveis possíveis, e nos significaram que esta atitude inesperada de Lampião está com o seu caráter profundamente modificado, talvez devido à celebridade que o seu nome tem ganho.

Nas horríveis depredações da Paraíba, era dos chefes o mais generoso e moderado, na expressão do “O Rebate” de Cajazeiras que, na edição de 7 do andante, noticiou os ataques aos sítios Cipó e Catingueira.

AS SIMPATIAS DE LAMPIÃO PELO CEARÁ

No Ceará deu 500$ para o conserto de uma capela, deu mais 100$ de esmola a uma velhinha e obrigou um dos seus bandidos a restituir 60% que roubara a um pobre lavrador.

A primeira selvageria de Lampião parece diminuiu um pouco. A preocupação de deixar o nome na História, a vaidade que o leva a arquitetar “planos políticos” o tornaram mais humano.

Uma farda de coronel do Exército, meias de seda, camisa palha de seda, lenço também de seda ao pescoço, passado num anel de brilhante, relógios, pulseira nos dois punhos, bornal e cartucheira ataviados com moedas de ouro, chapéu de abas largas, ao modo dos bandidos do cinema.

MANIA PELOS JORNAIS

Nas pousadas, enquanto um toca harmônica e os outros jogam moedas de ouro no chão onde se espalham como tapete as mantas dos cavalos, o major Horácio Neves lê as últimas notícias dos jornais para o coronel Lampião que o ouve atentamente, interrompendo-o aqui e ali para fazer os seus comentários sempre galhofeiros.

A última mania de Lampião são os jornais. Gosta de ver o seu nome em letra de forma e interessa-se especialmente pelas notícias relativas aos revolucionários de Isidoro aos quais vota um verdadeiro culto de admiração.

A evolução do bandido se completa. Depois de tentar contra a segurança do Estado.

Quando terminará no Nordeste a vergonha do banditismo?

Do “Correio do Ceará”, 13.02.1926
Jornal de Recife - 25.02.1926


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